“Nunca haverá tempo disponível no futuro, para trabalharmos nossa salvação. O desafio está no momento; agora, é a hora.” James Baldwin
O ano de 1619, marcou, segundo os historiadores - em particular Leo Huberman (1903-1968) em seu livro “Nós, o Povo” – descrevendo de forma brilhante e acurada, o drama da colonização norte americana iniciada no descobrimento, em todos os seus aspectos e em particular, a chegada dos primeiros escravos forçadamente vindos da África, para adoçar o apetite ganancioso dos interessados em fazer riqueza fácil num pais de muitos recursos, longe da matriz tirânica de alguns países europeus, e conquistado aos nativos indígenas que sucumbiram durante os massacres do explorador.
No país da chamada liberdade no mundo livre, distante de todo tipo de opressões encontradas na Europa, partem de lá, extensas populações de homens de cor branca, dos mais diversos credos e ideologias. Uns por vontade própria; outros forçadamente exilados.
A travessia do Atlântico, que segundo bons ventos ou não, duravam entre 7 a 12 semanas até atingir a Filadélfia, sempre provocavam baixas humanas, se não pelas condições marinhas e do transporte em si, ou pela contaminação alimentar, sanitária e transmissão de doenças em barcos precários e superlotados pelos mais diferentes tipos de populações. Quem vinha com algum dinheiro, podia ainda usufruir do convés arejado. Aquele destituído, amargava as piores condições humanas. E dessa forma eles vieram, por livre vontade ou não... sendo assim, pouco a pouco, conquistado o território norte americano.
A migração se iniciou com pouco número de pessoas. No início do século XVII cresceu para centenas, depois milhares e 300 anos depois tiveram que ser medidos em centenas de milhares - em 1907, mais de um milhão de pessoas entraram nos Estados Unidos durante o ano. Nos anos de 1903 a 1913 “toda vez que o relógio batia uma hora inteira, dia e noite, com base na média de 10 anos, 100 pessoas nascidas em algum país estrangeiro, sem incluir o Canadá e o México, desembarcaram nas costas dos Estados Unidos.
No entanto, “outro grupo de imigrantes foi trazido contra sua vontade. Quando os primeiros colonizadores acharam praticamente impossível fazer bons escravos dos índios que encontraram aqui - porque o pele-vermelha era orgulhoso demais para trabalhar sob o açoite do chicote - eles se voltaram para a África onde os negros podiam ser obtidos. Durante a maior parte do século XVIII, mais de 20.000 escravos foram transportados todos os anos. Negociar com escravos negros tornou-se um negócio muito lucrativo. Muitas grandes fortunas inglesas foram fundadas no tráfico de escravos. E um exemplo famoso é o da família de William Ewart Gladstone, primeiro-ministro do Reino Unido por 12 anos.
Como era de se esperar, as privações sofridas pelos brancos na travessia marítima não eram nada comparadas com a miséria da dos negros. Aqui está uma amostra das condições dos navios negreiros:
O barco tinha capturado na costa da África, 336 homens e 226 mulheres, perfazendo um total de 562 pessoas; durante os primeiros dezessete dias de travessia, foram jogados ao mar, 55 mortos. Eles ficavam todos amontoados e fechados nos porões do navio, sob escotilhas com grades, e os espaços entre esses porões eram tão baixos que os obrigavam a se sentar entre as pernas uns dos outros, tão próximos, que não havia possibilidade de se deitarem ou de mudar de posição, dia e noite... Sobre o alçapão de entrada dos porões, havia sempre um sujeito de aparência feroz com um chicote na mão, que ao menor ruído, fazia o chicote vibrar em sinal de alerta e pronto para entrar em ação...
Mas o que mais impressionava, foi de como era possível que tal número de seres humanos pudessem viver como que empacotados e espremidos juntos, em celas baixas, com no máximo 90 cm de altura, a maior parte das quais, no escuro e sem ar, num ambiente onde o termômetro atingia a casa dos 55 graus!
Não era de se surpreender que tivessem enfrentado tantas doenças e mortes. Apenas 17 dias do início da viagem e 55 foram jogados ao mar, sabendo que deixaram o porto africano em boa saúde. Muitos dos que ainda sobreviveram só o conseguiram por terem sido colocados no convés em estado de degradante miséria física.”
O que se tornou desse enxame de pessoas depois que chegaram lá? Acabaram se tornando a mais poderosa nação do planeta!
E a saga de todos esses 400 anos da exploração, do racismo, do preconceito, da segregação e da discriminação desencadeada contra as populações negras, continua. O país da Declaração Universal dos Direitos do Homem (onde o homem negro se inclui!), cerrou os olhos a um povo que foi e continua sendo um considerável contribuinte de toda riqueza criada, em todos os aspectos e atividades, deixando um imenso legado na história dessa nação.
Desde o mais modesto movimento de reconhecimento enquanto ser humano, e que deixou muitos mártires, do circo de horrores onde homens negros eram enforcados em galhos de árvores parecendo frutas estranhas, mulheres e crianças assaltadas em suas sacralidades, segue essa procissão considerada e chamada de miseráveis e inferiores, sendo conduzidas pelo látego do homem branco. O movimento de desobediência civil de Thoreau, a grande marcha liderada por Martin Luther King (esse brilhante humanista e discípulo de Gandhi) e outras lideranças negras pelo movimento dos direitos civis, algumas tentativas de líderes políticos brancos em amenizar essa saga e chaga que se tornou indelével na história dos Estados Unidos, nada resolveu até os dias de hoje, fazendo continuar essa mancha na moral e na ética fragmentada de um país chamado cristão.
Paradoxalmente, o Cristianismo branco católico nos Estados Unidos (igreja que muito contribuiu para sedimentar essa situação), se esqueceu da ética máxima do segundo mandamento, mas continua reclamando um sentimento religioso em suas ações e reações, mas não nas atitudes, e em DEUS NÓS CONFIAMOS, é o lema oficial na moeda norte-americana! Entretanto, continuam relegando sua população negra, sob a rígida casta social, às sarjetas da ordem social.
Em 1968, Martin Luther King é assassinado! Ouros líderes que lutaram pela causa da igualdade social, ficaram para as páginas da história. Diariamente nos noticiários se publicam relatos de mortes e violência contra a população negra. E assim se arrasta pela história um processo que parece não ter fim... no país da liberdade!
A chamada supremacia branca jamais irá existir! A arrogância e ignorância de vasto setores de todas as sociedades guiadas pelo poder do homem branco, não tem a habilidade de compreender que a cor da pele, hábitos e costumes culturais são apenas uma circunstância geográfica; o ser humano é um só, em todos os lugares do planeta. Assim, não aceitando a convivência harmônica entre as diversidades. Advogar essa supremacia branca é apenas uma cínica e hipócrita metáfora para o poder. A humanidade nunca vai ser apenas branca, vai ser negra também, vai ser amarela, vermelha e todas as outras nuances de cores apresentadas pela miscigenação.