Monday 15 July 2019

DA CARIDADE AO AMOR

Se houvesse entre nós mais amor, não haveria necessidade da caridade, porque a caridade é filha da miséria e a miséria é filha da nossa falta de amor. O egoísmo humano, que é falta de amor, cria a miséria, a indigência, a pobreza, a fome; e, em face dessa numerosa prole gerada por nosso desamor, a caridade se faz necessária. A caridade não remedia os males da sociedade; apenas os atenua temporária ou parcialmente; é uma espécie de injeção de anestésico que o homem egoísta que desejaria ser altruísta aplica às dolorosas chagas abertas pelo egoísmo e desamor dos homens. Se não houvesse exploradores, não haveria explorados, e, se não houvesse exploradores nem explorados, não haveria miséria – e, portanto, a caridade seria desnecessária. O triunfo do amor tornaria impossível o exercício da caridade – a não ser em casos excepcionais como fatalidades, catástrofes inesperadas, terremotos, incêndios, enchentes, e outros fenômenos não dependentes da maldade dos homens; nessas ocasiões excepcionais seria necessária a caridade, mesmo entre homens cristificados pelo amor; mas a caridade não seria uma necessidade normal e permanente, da nossa sociedade.
“Pobres, sempre os tereis convosco; a mim, porém, nem sempre me tereis”, disse Jesus. Ou seja, a miséria sempre estará presente onde o Cristo interno de cada ser humano estiver ausente, e, por haver miséria gerada por essa ausência, a caridade se faz necessária como consolação para essa miséria.
Entre os primeiros discípulos de Jesus, segundo os Atos dos Apóstolos, não havia um só indigente – porque habitava entre eles, o espírito do Cristo interno, que é o amor.
A abolição radical e definitiva da miséria está na proclamação e vivência do amor.
Onde há amor, existe justiça! Onde a pobreza não encontra terreno para prosperar, e torne a caridade desnecessária. O cristianismo doentio dos dias atuais glorifica a filantropia, e essa filantropia é talvez a mais perversa heresia dentro do cristianismo. Tão grande é o nosso egoísmo que chega a camuflar de virtudes, os seus vícios, insistindo na caridade e aumentando cada vez mais a miséria.

Texto extraído do livro Ídolos ou Ideal? 

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