“O homem não pode viver para si mesmo, isolado. Devemos perceber que toda a existência é valiosa e que estamos unidos a todo um sistema de vida e, deste conhecimento realizamos nossa relação espiritual com o Universo.” Albert Schweitzer
Seguindo na mesma trajetória das últimas publicações sobre fatos da Natureza, do homem em seu contexto, da presença de outros seres que dividem nosso espaço neste planeta Terra, segue abaixo uma curiosa observação sobre o comportamento de um gracioso e inofensivo lagarto que habita grande parte do território australiano.
Nessa vasta ilha continente, em seu estado mais oeste, existe uma pequena e pacata cidade de pouco mais de 25 mil habitantes. Um paraíso de verde, fauna e flora exótica e abundante, paisagens e praias lindíssimas e cristalinas; Albany, 500 quilômetros ao sul da capital Perth. O bangalô onde vivi por mais de 3 anos, se localiza literalmente no meio do mato, perto da praia, onde fiz meu exílio e peregrinação em livros e no embalo da boa música.
Era uma completa rotina, como rotina, disciplina e razão são todos os fenômenos da Natureza ... mas, diariamente quebrada com fatos novos que vinham exatamente do ambiente que me rodeava, desse grande livro sagrado que fascina, desde o amanhecer silenciosamente anunciado pelo canto dos pássaros, ao intenso colorido do cair do sol. Se o dia era chuvoso, o brilhantismo de nossa irmã Natura não se apagava, pois os raios do sol da Vida, quando penetra entre as gotículas de chuva no ar, abriam o leque de uma das mais encantadoras exibições, a do Arco Íris intenso, do qual Albany é famosa.
E outros residentes também, nessa harmonia de seres vivos ... e em particular, uma das cobras mais venenosas e agressivas, a cobra marrom oriental, a segunda mais perigosa ... portanto qualquer aventura a pé pelas redondezas, era de intensa vigilância; aliás, na Austrália, habitam as 10 mais venenosas serpentes do planeta!
Mas nem tudo parece perigoso no mundo dos répteis!
O quintal era habitado por plantas nativas das mais distintas, mas existia um ser vegetal, que descobri mais tarde, ser alienígena no continente, produzindo uma pequena fruta amarela comestível, parecida com um minitomate ... de sabor suave e suculento. É uma variedade amarela de Physalis solanaceae - seu nome científico - sendo em português mais conhecida por tomate-de-capucho, fisális e camapu.
Numa tarde quente, concentrado em meus estudos, deixando apenas uma pequena fresta da porta de vidro aberta - por precaução de não ser surpreendido por cobras - ouvia um distinto chacoalhar, ruído de pisar suave em palha seca, que vinha do quintal. Curioso e com cuidado, me aventurei devagar para inspecionar o acontecido, quando me deparei com um gracioso lagarto, que sem se dar muita conta de minha presença, e mais concentrado em deliciar sua iguaria, de vez em quando me olhava abrindo a boca e tentando me enxotar com seu silvo, mostrando de dentro de uma boca cor de rosa, uma colorida e brilhante língua azul! O chacoalhar provinha do barulho feito para livrar a pequena fruta aprisionada em seu cálice. Na verdade, a fruta fica envolvida numa folha modificada até seu amadurecimento, que quando seca, libera parcialmente a fruta de dentro. Uma espécie de proteção natural que a irmã Natura designou para perpetuar a vida desse vegetal.
Enquanto vivia a interessante cena, meditava sobre a atitude do pequeno animal, uns 30 ou 40 centímetros de comprimento, sua pele escamosa brilhante de colorido preto, creme, marrom, a chacoalhar o revestimento seco até liberar a fruta e comê-la. Repetia seguidamente a tarefa até se satisfazer com tanta guloseima. De minha parte, enquanto eu mesmo comia algumas, eu as oferecia ao lagarto, que sem medo da proximidade de minhas mãos, abria a boca e comia. O amarelo e o azul intenso oferecem uma perfeita combinação!
De onde essa creatura aprendeu a agir dessa forma ... quantos milhares de anos foram necessários para que dominasse essa técnica de sobrevivência?
Com meu espírito ainda mais aguçado, fui procurar as origens dessa planta e um pouco da vida desse gracioso ser. E não é que para minha surpresa, descobri que essa fruta foi introduzida na Austrália, em meados do século XIX, vinda dos Andes peruanos! Portanto, foi em vão minha insipiente teoria dos milhares de anos! Esse pequeno réptil sapiente, descobriu por si só, que chacoalhando o cálice seco da fruta, a liberava e a comia!
Essa experiência faz reforçar a ideia de que o Universo é um grande pensamento. “Deus não joga dados com o Universo,” diria Albert Einstein, esse grande cientista-místico universal! Entendendo que Deus creou um mundo determinista e não um mundo probabilístico. Nada acontece por acaso. Absolutamente tudo tem uma razão de ser. Razão que nasce da Fonte, do Todo, do pensamento cósmico absoluto.
Portanto, o que podemos intuir desse fato vivido é que o pequeno réptil tem uma inteligência particular, uma razão condicionada ao seu estágio de evolução; mas pensa, tem consciência individual própria e habilidade de articular uma estratégia, pois o fruto foi introduzido, não é nativo da Austrália; a ação requerida para abrir o invólucro foi pensada!
Considerar o homem como coroa da creação é subestimar a importância que os outros seres vivos têm no conjunto dessa mesma creação. Tão pouco sabemos sobre os não humanos e ainda desconhecemos o muito que nos oferecem. É ignorar que no semblante de um não humano que não fala, existe todo um discurso que só o espírito sábio é capaz de compreender.
“Enquanto o homem não estender o âmbito de sua compaixão a todas as coisas vivas, ele não encontrará a paz.” Albert Schweitzer
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