O homem espiritual descobriu a grande verdade de
que o seu Eu não é contrário a Deus. Descobriu, com Tertuliano, que a alma
humana é cristã, divina por natureza. Descobriu com os grandes metafísicos, que
o verdadeiro Eu humano, na sua mais profunda essência, é idêntico a Deus.
Descobriu, com Jesus, o Cristo, que o reino de Deus está dentro do homem.
Descobriu, com o autor do Genesis, que a alma humana é imagem e semelhança de
Deus. Descobriu com Paulo de Tarso que o homem espiritual faz parte de um grupo
divino. Descobriu com Simão Pedro que o verdadeiro Eu humano é uma participação
da natureza divina.
O homem espiritual não tem a louca pretensão de
querer divinizar-se ou deificar-se, como os ignorantes pensam; não, ele apenas
faz a grande descoberta da sua identidade com Deus. Sabe, como todos os grandes
gênios metafísicos e místicos, sobretudo com o maior dele, Jesus, que existe só
uma Realidade eterna, infinita, absoluta, Deus, e que todas as demais
"realidades" não são novas realidades, senão apenas novas modalidades, novos
modos de ser dessa única Realidade. Sabe também que ele mesmo é uma forma
individualizada de Deus, consciente e livre como Deus, embora em grau inferior
de consciência e liberdade.
Sócrates, aos 70 anos de idade, foi condenado à
morte porque o tribunal de Atenas julgava que ele era um "desprezador dos deuses
e corruptor da juventude". Na noite que precedeu a sua execução, seu grande
amigo Kriton subornou os guardas e abriu as portas do cárcere, convidando o
velho filósofo a fugir.
--- Porque? - perguntou Sócrates.
--- Porque amanhã vão te matar - respondeu
Kriton.
--- Matar? a mim? - inquiriu tranquilamente o
sábio.
--- Ninguém pode matar Sócrates – disse ele.
E, beliscando a pele da mão e batendo com os
dedos nos ossos do crânio, acrescentou: - Kriton, você pensa que este corpo aqui
é Sócrates? Este corpo é apenas um invólucro ao redor de mim, mas este corpo
não sou eu. Eu não sou o meu corpo, eu sou a minha alma. Sócrates é imortal.
Na manhã seguinte, conforme ordem do governo de
Atenas, ele bebeu a taça de cicuta, que acabou com a vida física desse grande
cristão antes do Cristo.
Sócrates sabia intuitivamente que o homem é um
ser universal, embora se manifeste em formas individuais.
Todo homem espiritual sabe com absoluta certeza
que o seu verdadeiro Eu é divino, eterno, imortal, e não pode jamais estar em
contradição com Deus, porque a alma humana é Deus em forma individual.
Por isto, a santidade do homem espiritual
consiste na vigorosa afirmação do seu verdadeiro Eu, e na negação de seu
pseudo-Eu. O Céu não é, como ele sabe, a extinção do Eu, mas sim, a retificação
cristã do conceito da personalidade, a definitiva e vitoriosa compreensão da
natureza divina de sua alma e a perfeita harmonia da sua vontade individual
humana com a vontade universal de Deus.
Diante dessa grande verdade, a vida espiritual
deixa de ser de sacrifícios, penosa, acabando por tornar-se profundamente feliz
e jubilosa.
O homem espiritual cumpre a vontade de Deus com o
mesmo júbilo com que cumpriria a sua própria vontade, porque sabe que a perfeita
realização da vontade de Deus é a única realização do seu verdadeiro
Eu.
Texto extraído do livro Profanos e Iniciados
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