Tuesday 18 August 2020

O MAIOR HEROÍSMO DAS ALMAS FORTES É A FÉ

Atualmente, o homem realiza grandes viagens estratosféricas em naves espaciais mostrando imagens estupendas da creação. Para ele, essas viagens parecem relativamente fáceis. Imensamente mais difícil é a jornada rumo ao centro, a grande viagem para dentro de si mesmo – e são bem poucos os que conseguem realizar satisfatoriamente essa única e necessária aventura. E, como o “Reino de Deus está dentro do homem”, muitos homens vivem e morrem sem o terem descoberto, que na verdade é a única razão-de-ser da existência terrestre. Sobre o túmulo desses infelizes devia-se gravar esse triste epitáfio: “Aqui jazem os restos mortais de um cidadão que viveu muitos anos – sem saber por que viveu”. O homem prefere descobrir realidades fora de si mesmo, quando no próprio planeta em que vive, reina o caos, pois desconhece a si mesmo. A Índia, por exemplo, berço de Gandhi, Tagore, Bose, Maharishi, Yogananda e de outros grandes videntes do passado, hoje é uma poderosíssima potência militar; tem um satélite orbitando Marte, conseguiu recentemente destruir com um míssil balístico um de seus satélites orbitando a terra (fato inédito), mas a maioria de sua população de 1.339 bilhões (2017), ainda não tem um sistema de esgoto eficiente! isto é quando esse sistema existe! e nem tampouco solveu a vergonhosa situação das castas sociais.

Para que o homem, do estado periférico da sua humana profanidade, atinja o centro divino da sua iniciação espiritual, é necessário que estabeleça dentro de si uma atmosfera favorável para que essa plantinha delicada possa germinar e se desenvolver.

A condição essencial para essa experiência divina está numa permanente atitude de fé, revelada na vida cotidiana.

Antes de saber, o homem deve crer que Deus É. A fé é o maior heroísmo das almas fortes – a descrença é um asilo de inválidos para espíritos aleijados. É imensamente difícil crer em Deus antes de ter experiência pessoal da sua existência. Entretanto, antes que venha a certeza garantida pelo encontro imediato e pessoal com Deus, é necessário que o homem navegue sobre as águas da fé, antes de ver a Deus “face a face.” No dizer do apóstolo Paulo, o homem deve aceitar “os espelhos e enigmas” da certeza indireta e nebulosa ... “Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço em parte, mas, então, conhecerei como também sou conhecido.”

A fé, anterior à experiência pessoal com Deus, é um salto mortal para dentro das trevas de um vácuo, que acabará por se revelar um salto vital para as luminosas alturas da divina plenitude. Mas o homem, antes de dar esse salto arrojado, não o sabe; deve crê-lo; deve admitir que assim seja, porque outros, antes dele, deram esse salto, e todos eles entraram nesse reino de inefável beatitude.

Conhecer a Deus pela experiência imediata é o último passo da longa peregrinação – mas crer em Deus é o primeiro e também o penúltimo; e ninguém pode dar o último passo antes de dar o primeiro e o penúltimo.

Ninguém pode saber sem primeiro crer.

Entretanto, crer não é um ato meramente intelectual, mas sim uma atitude vital. Deus não é encontrado em nenhuma argumentação lógica perfeita, corretamente construída – mas sim, no fim de uma vida retamente vivida.

A mística da fé deve revelar-se na ética da vida.

O homem que encontrou a Deus encontra dentro de si um “lugar seguro”, uma fortaleza intransponível; sabe que ninguém o pode fazer infeliz, a não ser ele mesmo. Mas sabe também que esse lugar desaparece no dia e na hora em que ele abandona o código absoluto da moralidade, substituindo-o por algum código relativo, fragmentado e oportunista – e, portanto, lá se foi o sentimento de firmeza, segurança e tranquilidade interior! Verifica então que está obstruído o caminho para essa fortaleza da alma. O alicerce de rocha viva cedeu à incerteza do movediço areal, de pobre infraestrutura. Esse homem pode assumir ares de corajoso e intrépido, mas na realidade, é um covarde, e nenhuma ostentação de valentia e audácia exterior é capaz de o libertar da torturante convicção da sua fraqueza. Não há contrabando no reino de Deus: quem não entra pela porta da frente de uma ética absoluta e incondicional, não entra de forma alguma.

O único meio para que o homem encontre profunda e imperturbável paz e felicidade, no meio de todos as dificuldades externas, é ser realmente bom – e ser bom quer dizer ter experiência pessoal de Deus e viver em harmonia com essa experiência.

Para ter esse encontro com Deus, o homem deve mergulhar, periodicamente, a exemplo de todos os grandes gênios religiosos, numa profunda e intensa consciência da presença de Deus. Deus, é claro, está sempre presente ao homem, porque é onipresente, mas o homem está muitas vezes ausente de Deus, pelo fato de não estar nitidamente consciente dessa onipresença de Deus. Pelo descobrimento de Deus dentro de si, o homem caminha da sua ausência para a presença de Deus. Jesus passava longas horas, por vezes noites inteiras, na altura dos montes ou na solidão dos ermos, em íntima comunhão com Deus; e assim lhe acontecia toda essa imperturbável paz e essa indestrutível serenidade em todas as adversidades.

Todo verdadeiro discípulo, todo homem que não só defende uma religião ou brinca de religião, mas é profundamente religioso, sabe por experiência pessoal que necessita de algum tempo por dia para mergulhar em Deus mais intensamente, a fim de salvar do naufrágio a sua vida espiritual. Quem não sente esta necessidade, provavelmente já sofreu naufrágio, ou nunca deixou as praias da profanidade, nunca levantou âncora rumo ao mundo espiritual.

A princípio, ao sair dessa terapia ou meditação, o homem verificará tristemente que a luz se lhe apaga e as forças espirituais se enfraquecem na razão direta em que ele vai se afastando daquele tempo de diálogo com o Eterno. Aos poucos, porém, se for persistente nos seus exercícios espirituais, verificará que os efeitos benéficos da comunhão com Deus perduram pelo resto do dia; que todas as horas e obras do dia aparecem como que iluminadas de um halo de luz divina. Os trabalhos outrora difíceis se lhe tornam fáceis, melhores e mais eficientes; as ocupações do dia a dia se revestem de um sabor de poesia. Esse homem perde o gosto de criticar os outros; desaparece a mania de achar defeito em tudo e em todos. Quanto mais severo é o homem consigo mesmo, tanto mais indulgente é com seus semelhantes.

Quase sempre, a mania de censurarmos os outros provém da falta de censura própria e controle dos nossos pequenos e grandes caprichos; estamos intimamente insatisfeitos com nós mesmos; precisamos de um para-raios para descarregar a alta voltagem da nossa irritação interior, o descontentamento com nós mesmos; mas, como o nosso habitual e incontrolável egoísmo não nos permite confessarmos a verdade e sermos sinceros a nós mesmos, procuramos uma vítima, um bode expiatório, que sofra as consequências da nossa falta de controle e disciplina espiritual. A meditação, o exercício do silêncio, neutraliza a tensão do sistema nervoso e nos educa aos poucos a sermos integralmente verdadeiros, honestos e sinceros com nós mesmos. O ego tirânico morre, nos torna crísticos, eliminando assim os motivos do nosso descontentamento com o próximo, e nos enchendo de profunda paz e tranquilidade de espírito.

Desse tempo de terapia sob o calor divino, o homem regressa com nova luz e forças renovadas, para os trabalhos e as lutas de cada dia.

Para o homem com a habilidade de suportar a si mesmo, todo o mundo é suportável – mas o homem que não compreende a sua própria consciência não compreende pessoa ou coisa alguma. Ah! como todo mundo é leve – quando minha consciência é leve!

Realizar essa viagem, da periferia das profanidades superficiais para o centro do reino de Deus dentro de nós, é a tarefa mais importante, a única necessária, de todo homem, seja qual for a sua profissão ou posição social.

Se eu pudesse tornar-me um iniciado pelo fato de fazer certas coisas, ou pelo fato de algum terceiro fazer algo por mim; se eu, por exemplo, pudesse ser iniciado no Reino de Deus por alguma fórmula secreta, algum processo ritual ou sacramental, algum mágico e misterioso conjunto de palavras que me jogassem automaticamente, para dentro do mundo espiritual, sem a competente mudança interna do meu ser – se isto fosse possível, seria um contrabando, e o mundo de Deus deixaria de ser um Cosmos para se transformar num caos. Entretanto, o Reino de Deus é o único onde não há contrabando ou entrada ilegal, por alguma portinhola secreta do fundo, seja por dinheiro ou sagacidade, seja por obra e mercê de bons amigos e protetores. Nele, só se entra honestamente e pela porta da frente, isto é, pelo fato de SER alguém, de ser precisamente aquilo que se deve ser no plano eterno, para nele entrar; e esse direito de entrada consiste precisamente no fato de ser o homem um “renascido pelo espírito”, uma “nova creatura em Cristo.”

Texto revisado e acrescentado, extraído do livro Profanos e Iniciados

No comments:

Post a Comment