“Lembra-te de mim, Senhor, quando entrares no teu
reino”...
“Em verdade te digo, ainda hoje estarás comigo no
paraíso”...
Diálogo mais estranho nunca se travou no mundo do
que este, de cruz a cruz, entre dois moribundos.
“Lembra-te de mim” – quem pede apenas uma gotinha
de amor no meio dum inferno de dores não é homem mau.
O homem intimamente mau maldiz os seus
sofrimentos e os autores dos mesmos.
O homem mesquinho pede libertação dos tormentos
ou aceleração da morte.
O ladrão na cruz pede apenas uma lembrança, um
pouco de amor...
Pede uma migalha daquilo cuja falta o tornara
delinquente, perverso, cruel... um pouco de amor...
Desde pequeno, queria ele ser bom – mas os homens
o fizeram mau, porque lhe negaram compreensão e amor...
Deu um passo em falso – e as leis desumanas dos
homens o condenaram como malfeitor...
A companhia perversa do cárcere induziu a ser mau
a quem queria ser bom...
E, quando terminou a sua pena, andou pelo mundo
com o estigma de criminoso – e nunca mais encontrou entre os “homens honestos”
quem lhe desse uma migalha de amor...
Arrastou-se pela existência noturna com a alma
gelada de um frio polar...
Só na hora suprema da vida, no alto do patíbulo,
encontrou, finalmente, um homem humano – seu companheiro de
suplício...
Encontrou um homem que mais cria nas saudades de
sua alma do que nas maldades de sua vida...
Encontrou um homem que o amava e lhe queria
bem...
E o “bom ladrão” sentiu uma calorosa aura de
benevolência a envolver-lhe a alma gelada...
E, por entre o degelo primaveril desse olhar de
amor, pediu ao colega de tortura que dele se lembrasse, à luz do seu
reino...
Não pediu vingança para seus inimigos, não pediu
alívio na atroz agonia – pediu aquilo cuja falta fizera de sua vida um inferno:
uma migalha de amor.
Uma lembrança apenas...
Um pensamento carinhoso...
Uma gotinha de amizade...
“Lembra-te de mim, quando entrares no teu
reino”...
E conseguiu na morte, de um moribundo, o que em
vida jamais conseguira dos vivos...
E, pelo pouco que pediu, recebeu o muito que não
ousara pedir: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso”...
Sobre as cabeças da multidão ululante trava-se,
então, de cruz a cruz, entre dois moribundos, uma amizade sincera, sagrada,
eterna...
Amizade entre um homem divinamente bom – e um
homem mau que queria ser bom, e que se fez bom pelo amor...
Entre o Cristo Redentor – e um homem redimido.
Texto extraído do livro De Alma para
Alma.