Sim - e não. 
Depende do que se entende por igreja. 
A palavra grega 
ekklesia, e o vocábulo latino 
ecclesia, ocorrem repetidas vezes no Evangelho. A 
tradução portuguesa é igreja. 
Mas o que se entende por igreja nos dias de hoje, 
é algo totalmente diferente do sentido primitivo desta palavra. Igreja é para 
nós, uma organização hierárquica, com seu chefe humano e com sua constituição 
jurídica. Tomás de Aquino define a igreja como uma sociedade perfeita, dotada de 
poder executivo, legislativo e judiciário. A igreja, segundo esse conceito 
teológico, desenvolvido desde o quarto século, é uma organização estatal, cujo 
funcionamento obedece às mesmas normas de qualquer outro governo. 
Este é o aspecto jurídico-legal da igreja 
visível. 
No Evangelho, porém, a palavra igreja nada tem a 
ver com este conceito. Todo o Evangelho de Jesus, o Cristo, gravita em torno do 
conceito central do "reino de Deus", ou o "reino dos céus" - e esse reino 
coincide exatamente com o que o Evangelho entende por igreja, mas a igreja 
invisível. 
O quinto evangelho do apóstolo Tomé, encontrado 
no Egito por beduínos em 1945, e traduzido em muitas línguas, trata 
explicitamente deste reino de Deus, no mundo e no homem, dessa igreja 
verdadeira, interna, real, invisível. 
Jesus nega explicitamente que o reino de Deus 
possa ser descoberto pelo cumprimento e obediência de regras e dogmas; que o 
reino de Deus tenha uma localização geográfica e possamos indicar neste ou 
naquele endereço dizendo: -"Aqui está o reino dos Céus". 
Depois, resumindo tudo, termina ele: -"O reino de 
Deus está dentro de vós". 
A tradução "está entre vós", como se fosse um 
fenômeno apenas social, é falsa; tanto o texto grego do primeiro século como o 
texto latino posterior dizem "está dentro de vós", i.e., no interior da alma 
humana. Com isto, Jesus nega que se trate de uma organização social. 
O reino de Deus existe potencialmente em toda a 
creatura humana, e o homem tem de conscientizar e desenvolver este reino. 
A verdadeira igreja de Jesus nada tem que ver com 
uma organização social ou jurídico-legal. 
Por que então foi fundada a igreja visível? 
A igreja visível foi fundada pelos homens, pelos 
teólogos, e pode coexistir com a igreja invisível, assim como o corpo é o 
aspecto material da alma espiritual. Mas seria absurdo dizer que a alma tem 
cabeça, pernas, braços, etc.
A alma ou essência da igreja é o reino interno em 
cada indivíduo; o corpo ou a existência da igreja, pode ser uma sociedade 
visível, contanto que esta não procure ser superior àquela, mas viva em perfeita 
harmonia como manifestação visível da igreja invisível. Em caso de conflito 
entre o corpo da igreja e a alma da igreja devemos abandonar o corpo e afirmar 
somente alma. 
A alma invisível do reino de Deus pode 
manifestar-se através de vários corpos visíveis - contanto que não haja 
identificação entre a alma e o corpo, entre o reino interno e a organização 
externa. 
Sendo que o grosso da humanidade é 
espiritualmente imatura, aparece a mensagem metafísica de Jesus em forma de 
pedagogia infantil, como é toda a teologia. Essa interpretação pedagógica da sua 
mensagem cósmica é um mal necessário, porque a maior parte da humanidade não 
está, e nem nunca esteve em condições de compreender e assimilar o espírito do 
reino invisível - mas é melhor que as massas pouco evoluídas espiritualmente 
tenham uma disciplina pedagógica, do que ficar sem ela.
Já no primeiro século escrevia Paulo de Tarso aos 
cristãos: "Aos que, entre vós, são infantes em Cristo, dei-lhes leite para beber 
- mas aos que são adultos em Cristo, dei-lhes comida sólida". 
Vinte séculos não foram suficientes para que 
muitas dessas crianças se tornassem adultas em espírito. A evolução vai com 
passos mínimos em espaços máximos.
Infelizmente, muitos chefes cristãos tem 
interesse - social, político e financeiro - em manter a cristandade no seu 
estágio infantil de obediência cega, porque nenhum chefe pode governar homens 
espiritualmente adultos. A adultez espiritual é autônoma e auto-determinante, e 
não obedece servilmente a ordens estabelecidas por necessidades e paixões. Se 
toda a cristandade estivesse espiritualmente adulta, não haveria necessidade da 
existência de uma igreja visível, porque a igreja é essencialmente invisível, o 
reino de Deus dentro do homem. Na razão direta que crescer a Cristocracia, 
descerá a clerocracia. E, quando a Cristocracia tiver atingido 100, a 
clerocracia descerá a 0. 
Parece que João, no Apocalipse, previu essa 
Cristocracia triunfante, quando escrevia: "Haverá um novo céu e uma nova terra, 
e o reino de Deus será proclamado sobre a face da terra". 
Os chefes espirituais podem e devem ser 
orientadores do povo, como setas indicadoras no meio do caminho, mas não 
intermediários entre o homem e Deus. Mas, para ser orientador e guia para 
outros, deve o homem ter realizado em si mesmo o reino de Deus. Do contrário, 
será um "guia cego guiando outros cegos". 
Não basta dizer e 
fazer - é necessário ser, em 
espírito e verdade, aquilo que recomendamos aos outros.
Texto extraído do livro Que vos Parece do 
Cristo?
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