Saturday 12 March 2022

EINSTEIN E O PRECONCEITO RACIAL

Albert Einstein afirmou que: “O descobrimento das leis da natureza pela ciência, pode tornar o homem erudito, mas não torna o homem bom. O homem bom é aquele que realiza os valores que estão dentro de sua consciência, pois do mundo dos fatos, que é a ciência, não conduz nenhum caminho para o mundo dos valores, que é a consciência. Fatos não produzem valores, porque os valores vêm de outra região.”

E que região é essa a que Einstein se refere? Uma região geográfica no planeta, ou no Cosmos, ou ainda um sinal enigmático situado nos seus complexos cálculos matemáticos? 

Não! Essa região é a consciência crística intrínseca na alma humana, que cria valores e que conduz o homem ao seu avanço espiritual. Mas o homem tem que se permitir a esse avanço ou corre o risco de ficar estagnado em sua evolução e até mesmo sua desintegração. No entanto, essa consciência é dormente na vasta maioria dos indivíduos que ainda necessitam do uso de artifícios ardilosos nas suas ações e reações, que são os reflexos primários de seus instintos ou da mente intelectualizada, que nem sempre acrescenta, ou até mesmo retarda esse avanço, pois os elementos formadores da personalidade e do caráter humano estão sedimentados em sua história de vida e que vem desde os primórdios dos tempos de sua existência, onde a ele foi dado o livre arbítrio que o conduz para o seu destino. 

Num dos momentos mais efervescentes da história dos Estados Unidos, quando o racismo fazia inúmeras vítimas na brutalidade do homem branco contra as minorias étnicas e principalmente negras, Einstein, em 1946, fez um eloquente pronunciamento sobre o preconceito racial, mostrando que a sua mente racional científica, viveu também a mística da Realidade e da verdadeira consciência humana. Foi uma atitude corajosa, um alerta para uma situação que se arrasta há mais de 400 anos, quando o primeiro navio negreiro chegou aos Estados Unidos, em um país que aproveitou imensamente essa mão de obra e se tornou o país mais rico, mas ainda algemada em suas memórias, e da qual se recusa a se libertar, como evidenciam os recentes episódios sangrentos contra sua população de origem africana, ainda no início do século XXI. 

Nos anos após a Segunda Guerra Mundial, Einstein se posicionou no enfrentamento contra o racismo na América. Como músico e grande amante da música clássica, tornou-se amigo íntimo do notável cantor de ópera Paul Robeson e Marian Anderson, uma das mais célebres cantoras líricas americanas do século XX. 1

Einstein foi co-presidente de uma campanha contra o linchamento, além de defensor das ideias de William Edward Burghardt Du Bois, que foi um sociólogo, socialista, historiador, ativista dos direitos civis, pan-africanista, escritor e editor americano e o primeiro afrodescendente a receber o título de PhD da Universidade de Harvard. Mas foi em janeiro de 1946 que escreveu um de seus ensaios mais articulados e eloquentes em defesa dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. E, como descrito em Einstein sobre Raça e Racismo, o famoso físico equivaleu a segregação na América, com à idêntica sofrida pelos judeus na Alemanha, chamando o racismo, de “pior doença” americana.

Originalmente publicado na edição de janeiro de 1946 da revista Pageant, o ensaio de Albert Einstein teve como objetivo abordar o público predominantemente branco da audiência: “Escrevo como uma forma de séria advertência e como alguém que está vivendo entre vocês na América há pouco mais de dez anos. Muitos leitores podem perguntar: “Que direito ele tem de falar sobre coisas que nos dizem respeito e que nenhum recém-chegado deve abordar?”

O que um devotado recém-chegado faz é o de notar o traço democrático entre o povo. Não estou pensando aqui tanto na constituição política democrática deste país, por mais louvável que seja, e sim, na relação entre as pessoas e na reação que mantém entre elas.

Nos Estados Unidos, todos se sentem seguros de seu valor como indivíduo. Ninguém se humilha diante de outra pessoa ou classe. Mesmo a grande diferença de riqueza, o poder superior de poucos, não pode minar essa autoconfiança saudável e o respeito natural pela dignidade do próximo.

Há, no entanto, um aspecto sombrio na perspectiva social dos americanos. Seu senso de igualdade e dignidade humana é limitado a homens de pele branca. Mesmo entre estes há preconceitos dos quais eu, como judeu, sou claramente consciente; mas não são tão relevantes se comparados com a reação dos “brancos” em relação aos seus concidadãos de pele mais escura, particularmente os negros. Quanto mais americano me sinto, mais me magoa essa situação e tanto mais eu consigo escapar dessa sensação de cumplicidade, dando meu brado de alerta.

Muitas pessoas sinceras dirão: “Nossas reações para com os negros são o resultado de experiências desfavoráveis na vivência com eles. Eles não são nossos iguais em inteligência, senso de responsabilidade, confiabilidade.”

Mas eu estou firmemente convencido de que quem acredita nisso sofre de um equívoco histórico fatal. Seus ancestrais arrastaram esses negros de sua pátria africana pela força; e o homem branco, na busca da riqueza e vida fácil, os explorou impiedosamente, degradando-os à escravidão. E o preconceito moderno contra os negros é o resultado do desejo de manter essa condição indigna.

Os antigos gregos também tinham escravos. Eles não eram negros, mas homens brancos que haviam sido capturados na guerra. Assim, não se pode falar em diferenças raciais. E, no entanto, Aristóteles, declarou serem os escravos, seres inferiores e que foram justamente subjugados e privados de sua liberdade. É que ele estava sendo influenciado por um preconceito tradicional do qual, apesar de seu extraordinário intelecto, não se libertava.

Grande parte de nossas reações em relação às coisas é condicionada por opiniões e emoções que inconscientemente absorvemos como crianças, de nosso ambiente e convívio. Em outras palavras, é tradição - além de aptidões e qualidades herdadas - que nos torna o que somos. Nós raramente refletimos quão relativamente diminuto em comparação com a poderosa influência da tradição, é a influência de nosso pensamento consciente sobre nossa conduta e convicções.

No entanto, seria insensato desprezar a tradição. Mas, com nossa crescente autoconsciência e crescente inteligência, precisamos começar a controlar a tradição e assumir uma postura crítica em relação a ela, fazendo com que as relações humanas mudem para melhor. Devemos procurar reconhecer se a nossa tradição aceita, é ou não prejudicial para nosso destino e dignidade - e moldar nossas vidas de acordo.

Acredito que quem tentar pensar com honestidade logo reconhecerá quão indigno e até fatal é o tradicional preconceito contra os negros.

O que o homem de boa vontade deve fazer para combater esse preconceito profundamente arraigado? Deve ter a coragem de dar o exemplo por palavras e atitudes e ter cuidado para que seus filhos não sejam influenciados por esse preconceito racial.

Eu não acredito que haja uma maneira desse mal profundamente arraigado na sociedade branca, ser rapidamente curado. Mas até que esse objetivo seja alcançado, não há maior satisfação para uma pessoa justa e bem-intencionada, do que o conhecimento de que ele devotou suas melhores energias ao serviço de uma boa causa.”

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1)- Tanto Paul Robeson quanto Marian Anderson ficaram famosos pelos seus feitos artísticos, mas também pelo ativismo político na causa do Movimento de Direitos Civis; por serem ambos negros, sofreram muito com o preconceito racial.

Paul Robeson foi um cantor baixo-barítono americano, ator de teatro e cinema que se tornou famoso tanto por suas realizações culturais quanto por seu ativismo político. Ele foi acusado por ter sido membro do Partido Comunista, mas não existem evidências claras sobre isso. De acordo com registros divulgados sob a Lei de Liberdade de Informação, o FBI acreditava que Robeson poderia ter ingressado no Partido sob o nome de “John Thomas”, mas o número do livro de membro do Partido Comunista não é conhecido.

Quando Marian Anderson foi convidada para apresentar um recital em Princeton, onde Einstein era o catedrático e fundador do Instituto de Estudos Avançados, o hotel em que ela iria se hospedar, proibiu sua presença. Assim que Einstein soube do incidente, de pronto convidou-a para se hospedar em sua residência, no que a artista aceitou!

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