“O Reino dos Céus é semelhante a uma rede, que
foi lançada ao mar e apanhou coisas de todo o gênero. Quando cheia, os homens
puxaram-na à praia e, sentando-se, recolheram as coisas mais belas em cestas e
jogam fora as feias. Assim acontecerá também na consumação dos tempos: sairão
os mensageiros e separarão os maus do meio dos justos, lançando-os à fornalha de
fogo; aí haverá choro e ranger de dentes”.
De acordo com a parábola, haverá uma separação
final entre maus e justos.
Mas afinal de contas, quem é bom e quem é mau?
Se não houvesse uma diferença radical entre bons
e maus, não poderia haver vida eterna para uns e morte eterna para outros, como
o Evangelho afirma repetidas vezes.
Certos grupos espiritualistas declaram bons os
que observam determinados cânones estabelecidos por esses grupos, e consideram
maus os que não obedecem a essas regras. Esse critério, porém, é muito relativo
e mutável, e não pode afetar o destino definitivo do ser humano.
Outros consideram bons os que fazem bem a seus
semelhantes, e maus os outros. Mas esse é um critério que não representa a
essência do ser humano. Podemos fazer bem aos outros sem sermos bons nós
mesmos. Podemos até fazer bem por vaidade, ostentação, egoísmo, e outros
motivos alheios ao verdadeiro ser-bom.
Muitos são beneficentes, não pelos motivos
negativos acima identificados, mas por motivos positivos; e identificam o
fazer-bem com ser-bom.
Entretanto, por mais estranho que pareça, simples
atos ou fatos externos não representam necessariamente valores internos; são
coisas em si neutras; nenhum ato ou fato é intrinsicamente bom ou mau. O que
lhes da valor ou desvalor é uma atitude interna creada pelo livre arbítrio do
homem. É unicamente a realidade do Ser que determina o caráter do Agir. É essa
atitude interna do Ser que pode ser boa ou má. O Agir é um transbordamento do
Ser.
O Ser é do Eu central, o Agir é do ego
periférico.
O Ser é a Essência ou Fonte, o Agir é Existência
ou Canal.
Neste sentido dizia Jesus, o Cristo: "A árvore
boa produz frutos bons, a árvore má produz frutos maus; é pelos frutos que se
conhece a árvore". Mas suas palavras tem um sentido simbólico, pois na
Natureza, não pode haver distinção entre bom e mau... todos os seres não humanos
desempenham o papel que lhes foi determinado pelo Creador. Jesus se refere
portanto ao caráter do ser humano.
Da interna atitude do ser-bom brotam os atos
externos do fazer-bem, atos que, neste caso, são eticamente bons, e não apenas
moralmente louváveis. Embora a linguagem comum identifique a ética com a moral,
que são conceitos distintos.
Atos são eticamente bons quando são o
transbordamento espontâneo de uma atitude realmente boa - e essa atitude
consiste numa harmonia da consciência individual com a Consciência Universal,
que se pode chamar Deus ou Divindade. Por outro lado, mau é um ato que nasce de
uma atitude má, isto é, da desarmonia da consciência individual com a
Consciência Universal.
Atos externamente benéficos são compatíveis com
uma atitude internamente má, ou então neutra. Esses atos benéficos não provam
necessariamente o ser-bom do seu autor. Nem todos os atos externamente morais
são internamente éticos. A atitude determina os atos - mas os atos não
determinam a atitude.
Neste sentido diz Einstein: "Do mundo dos fatos
não conduz nenhum caminho ao mundo dos valores, porque estes vêm de outra
região".
Fato é ato, valor é atitude. Valor ou atitude é
creação do livre arbítrio. Onde não há livre arbítrio não há valor nem atitude.
Atos externos, benéficos, sem atitude interna,
boa, podem ser morais, mas não são éticos. A ética é um transbordamento da
mística, e a mística consiste numa harmonia da consciência humana com a
consciência divina. Um homem internamente mau, desarmonizado com Deus, pode ser
externamente beneficente, benfeitor da humanidade. Simples moralidade não prova
a mística, mas toda mística se revela em ética. A moral é um arranjo artificial
de ego para ego, mas a ética é um transbordamento natural e irresistível da
mística, é o extravasamento espontâneo de uma plenitude interior, do Eu, assim
como o fruto é a manifestação da exuberante vitalidade da árvore. Uma laranja
que não nasceu da laranjeira é uma laranja artificial, fictícia, uma pseudo
laranja (moralidade); somente uma laranja nascida da laranjeira, é uma laranja
verdadeira (ética). Nenhum homem, com toda a sua ciência e técnica, pode
produzir uma laranja verdadeira; só a laranjeira (mística) pode produzir o fruto
real, de dentro de sua alma, da Vida, e a Vida é Deus.
A mística é o ser-bom.
A ética é o fazer-bem nascido do
ser-bom.
Texto extraído do livro Sabedoria das Parábolas
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