A mente do homem profano é multipolar. A sua atenção se dispersa, sem cessar, por um vasto campo de objetos, cada um dos quais é ligeiramente focalizado, mas nenhum deles intensamente polarizado.
Quando o homem profano tem interesse em alcançar um determinado objetivo material, ele polariza, intensa e diuturnamente, a sua atenção nessa direção. Alguns polarizam rumo a um ideal científico, artístico ou filantrópico, e conseguem, depois de algum tempo, o que desejam.
A energia mental é uma força, que cresce na razão direta da sua concentração ou polarização. São poucos os homens que conseguem polarizar suficientemente a força mental para materializar determinado objetivo. A diuturna concentração mental num único ponto é um processo difícil para a maior parte.
Quando o homem ultrapassa o plano horizontal dos interesses físico mentais, dos resultados mais ou menos imediatos e palpáveis; quando começa a polarizar a sua atenção na suprema e única Realidade que, para ele, está ainda num futuro longínquo, sem nenhuma experiência certa do passado, cresce a dificuldade dessa polarização, exigindo dele uma “fé” quase sobre humana. Essa suprema Realidade, quando apreendida como transcendente, é chamada Deus e, quando concebida como imanente, é chamada o Eu; mas em qualquer hipótese, quer transcendente, quer imanente, a dificuldade é a mesma, porque tanto o Deus do universo externo ao homem, como o Deus do universo dentro dele, está a uma distância infinita, em qualquer situação.
São duas grandes incógnitas, das quais o homem profano não consegue atingir uma experiência real. Geralmente, é mais fácil focalizar a atenção em um Deus infinitamente distante do que em um Deus infinitamente próximo, embora este último processo seja o mais necessário.
Este ato de polarização, pelo menos no início, é de caráter mental, embora o grande reservatório de energia de que esse ato parte e de cujo conteúdo absorve sua força, é racional, e o seu ponto final também racional. A polarização, a princípio, é mental ou analítica, isto é, intelectualmente consciente, passando aos poucos a ser racional (espiritual), isto é, superconsciente ou intuitiva.
Os fatores que determinam o resultado da polarização mental-racional, são os seguintes:
1)- a sua intensidade,
2)- a sua duração,
3)- a sua assiduidade.
O principal desses fatores, porém, é o da intensidade. A intensidade consiste no grau de condensação da consciência e na exclusão de qualquer elemento dispersivo. Enquanto o homem ainda tem qualquer noção de tempo e espaço, de objeto e sujeito, não está plenamente polarizado. A crescente intensificação é comparável a linhas convergentes que, finalmente, se perdem num ponto não dimensional; enquanto ainda há consciência de duração e dimensão, não há concentração total. Esse total esvaziamento da consciência físico-mental é condição absolutamente necessária para a plenificação da consciência racional. A plenitude de uma supõe a vacuidade da outra consciência, como a presença da luz exige a ausência das trevas.
Tempo e espaço são duas categorias que dominam todo o mundo físico mental, e dificilmente o homem consegue se libertar dessa tirania. O estado de vigília mental em que vive, não é uma vigília plena; é uma espécie de sono ou sonho. A vigília mental é uma espécie de sonambulismo semi consciente, semi-inconsciente. Nesse estado, todas as realidades são aferidas pelo padrão de tempo e espaço, ou seja, duração e dimensão; mas como essas categorias não representam objetos reais, senão apenas modos de percepção subjetiva, é claro que os fenômenos apreendidos através do prisma do sonambulismo físico-mental não possuem plena realidade. São reflexos de uma realidade, como imagens num espelho; mas não são essa realidade.
Se o homem conseguir transcender o plano do sonambulismo mental e entrar na zona da plena vigília racional, veria a realidade face a face, assim como ela é em si mesma.
O fim da polarização é a entrada nessa zona real, o despertar para a vigília plena.
Essa polarização intensa, porém, não deve ser feita de modo que sobrecarregue e arruíne os veículos materiais, que são, em primeiro lugar, o sistema nervoso, pois toda polarização mental-racional é acompanhada de um processo vibratório nervoso. A frequência vibratória dos nervos não é susceptível de uma potencialização rápida. Um único grau de potencialização futura, representa um tremendo esforço nervoso que não é realizável em menos de algumas semanas ou meses, consoante a resistência de cada organismo individual. E, mesmo neste caso, essa potencialização de frequência vibratória deve ser contrabalançada prudentemente por trabalhos físicos e outros derivativos apropriados. Por isso, o iniciado nas questões de ordem mística, deve praticar exercícios corporais ou esportivos tais que lhe sejam suficiente contrapeso para os exercícios de concentração mental-racional, mesmo porque é sabido que a polarização interna diminui e retarda gradativamente o movimento de respiração pulmonar e da circulação do sangue, ao passo que qualquer exercício físico acelera esses movimentos. Em estado de repouso normal, sem concentração, o homem respira pouco, mas quando se entrega em profunda concentração a respiração decresce consideravelmente.
Essa polarização se parece com a hibernação em certos animais, com a diferença de que nesse estado, a creatura reduz ao mínimo o processo vital para impedir o gasto de energias, que nessa situação não são renovadas por futura assimilação de calorias – ao passo que o homem em estado de polaridade mental-espiritual potencializa, ao máximo, qualitativamente, a quantidade de energias presentes, não necessitando, por isso, absorver energias vinda de novas fontes.
Esse revezamento de concentração e expansão é necessário para que os veículos materiais da polarização mental-espiritual, como o sistema nervoso, não sofram prejuízo e possam suportar o crescente impacto de uma potencialização cada vez maior. Se, por exemplo, uma lâmpada de 25 watts for ligada uma corrente elétrica de 500 volts, ela explodirá. O que, ao nível da eletricidade é impossível, é possível ao nível do organismo vivo: a resistência nervosa pode ser potencializada gradativamente, tornando-se, assim, veículo idôneo para receber uma voltagem mental-espiritual cada vez maior, fazendo com que o grau de consciência cresce na razão direta da refinação das antenas do sistema nervoso.
Quando esse sistema alcançar elevado grau de resistência e vibração, é possível uma unipolarização intensa, uma focalização racional-espiritual de forma que todos os objetos do ambiente físico-mental, sem excluir o próprio sujeito, deixem de existir. Percepções sensitivas e pensamentos intelectuais são eclipsados pela claridade da intuição racional-espiritual, permitindo ao homem cruzar a fronteira das quantidades externas e atingir a zona da qualidade interna, estado esse, chamado de êxtase, ou absorção no espírito do Eu. Para todos os efeitos físico-mentais do plano horizontal, esse homem “morreu” – e é por isso mesmo que ele “vive” intensamente. A unipolaridade, é, por assim dizer, um “suicídio”, uma morte da consciência sensorial intelectiva, condição necessária para o nascimento da consciência racional-espiritual.
Certa vez, foi pedido a alguém que apagasse o brilho da Lua e das estrelas. O encarregado, sabendo que iria realizar o impossível, mesmo assim, tentou a façanha.
Estendeu uma cortina opaca no ar para interceptar a luz desses astros, mas o escurecimento era apenas parcial, pois por todos os lados da cortina passava a claridade. Resolveu então, produzir espessas nuvens de fumaça, cobrindo grande extensão do céu. No entanto, para além dessa nuvem artificial continuavam a brilhar esses astros. Desanimado, desistiu do intento – quando um amigo se ofereceu para realizar o impossível. Que fez ele? Não procurou apagar o brilho da Lua e das estrelas – chamou simplesmente o Sol para surgir e derramar a sua intensa claridade por todo o firmamento – e eis que desapareceu no mesmo instante a luz da Lua e das estrelas ante a luz do Sol! Aqueles corpos sidéreos, é verdade, continuavam a existir e a brilhar no firmamento como durante a noite, mas o seu brilho era totalmente eclipsado pelos raios do astro da Vida.
E é exatamente o que acontece na polarização do espírito. Não é possível fazer cessar os ininterruptos cuidados e fardos da vida mundana dos sentimentos e pensamentos sem se concentrar primeiro, no silencioso mergulho na Realidade Última. Enquanto não despontar o Sol de uma unipolaridade espiritual, não cessarão de brilhar a Lua e as estrelas da consciência físico-mental. A luz polarizada da consciência cósmica eclipsa todas as penumbras da consciência egóica.
E nessa consciência unipolarizada é que reside toda a força e felicidade, porque nesse foco espiritual, o homem deixa de se sentir uma entidade separada do Todo e experimentará, na intimidade do seu Eu verdadeiro, a sua indivisa individualidade com a Realidade Última. Cai a máscara do falso ego e surge o semblante do Eu verdadeiro – a personalidade pecadora criada pelo Lúcifer do intelecto é redimida pela individualidade salvadora do Lógos da razão. O homem então, conhece a verdade sobre si mesmo – e a verdade o liberta.
Que luminosidade, que calor têm os raios solares que incidem sobre uma área de 10 cm de diâmetro? Insignificante! Mas, se se fizer passar essa mesma quantidade de luz por uma lente e a centralizar num foco não dimensional, será tão intensa a luminosidade e o calor, que nada suportará tamanho impacto.
De onde vem essa diferença?
Unicamente da concentração da luz e do calor.
Se o homem conseguisse se concentrar no seu verdadeiro Eu, em vez de andar disperso pelas periferias do ego, teria suficiente luz para aclarar todos os caminhos da sua existência em todas as dimensões, e calor suficiente para realizar com amor e entusiasmo tudo aquilo que lhe parece difícil ou impossível. Tudo o que é difícil, pesado, amargo, cruciante, e impossível na vida do homem, acontece porque ele não consegue focalizar a luz e o calor que nele existe, e que se acha em estado de dispersão. Dispersão é fraqueza – polarização é força. Se o homem conseguisse focalizar a sua atenção num único ponto, realizaria coisas estupendas, em qualquer setor da vida, mesmo nos afazeres do plano material e mental.
A habilidade de uma intensa polarização é uma espécie de bisturi com o qual se pode realizar cirurgias de alta precisão, que com uma faca comum seriam impossíveis. Entretanto, um bisturi, não determina, por si mesmo, qual a espécie de cirurgia a ser prestada; tanto pode servir para matar como para salvar uma vida; é um instrumento idôneo que, nas mãos de um criminoso, produz efeito maléfico, mas nas mãos de um médico, produz efeito benéfico.
O homem profano é escravo de tudo e de todos, constantemente derrotado pelas adversidades da natureza e pelas perversidades dos homens – quando não há motivo algum para ser vítima indefesa dessas forças. O homem poderia e pode descobrir e criar de dentro de si mesmo uma força maior do que todas as forças externas, isto é, polarizando a sua força interior. Nem frio nem calor, nem fome nem sede, nem moléstias nem acidentes, nem censuras nem louvores, nem a própria morte teriam poder sobre o homem se ele despertasse dentro de si as forças que nele dormitam e que o poderiam tornar senhor e soberano do seu destino.
Da mesma forma, seria possível ao homem se emancipar do impacto que a opinião pública costuma exercer sobre ele, pois, se diante de uma ofensa ou injustiça, ele não teria a necessidade de pagar negativo com negativo, mal com mal, que é prova de fraqueza e derrota, opondo ao negativo recebido, a força da retribuição positiva. Se isto, por acaso, não lhe é possível, é unicamente porque o homem não conseguiu ainda encontrar o seu verdadeiro centro e polarizar todas as suas forças para dentro desse Eu.
A unipolaridade mental, sem o seu complemento espiritual, é um perigo, porquanto a inteligência é, por sua natureza, egoísta e quase sempre põe as suas conquistas a serviço do seu ego, mesmo com prejuízo de seus semelhantes.
Depois da razão espiritual, as forças mentais são as maiores forças do Universo.
Ai de quem põe a força mental a serviço da destruição!
Bem faz aquele que põe as forças mentais a serviço da razão universal, em prol da sua auto-realização e da redenção da humanidade!
Texto revisado, extraído do livro O Espírito da Filosofia Oriental
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