Monday 14 February 2022

AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE

Em 1938, na capital norte-americana de Washington, D.C., ocorreu em meio a muito júbilo, a consagração ao Templo da Auto-Realização de Todas as Religiões.

Situado em meio a um lindo jardim, o majestoso templo está localizado numa área da cidade chamada de “Colinas da Amizade”. O guia espiritual e responsável pelo templo, é Swami Premananda. Educado em Ranchi e na Universidade de Calcutá, eu o convoquei em 1928 para assumir a liderança do Centro da Irmandade de Autorrealização em Washington.

Durante uma visita ao novo templo, eu disse a Premanda: “Esta sede central do ocidente, é um memorial de pedra pela sua incansável devoção. Aqui na capital da nação você ergueu a tocha dos ideais de Lahiri Mahasaya.”

Premananda me acompanhou desde Washington, para uma breve visita ao Centro da Irmandade de Autorrealização em Boston. Que alegria ver novamente o grupo de Kriya-Yoga que permanece firme em suas práticas, desde 1920! O líder espiritual do centro de Boston, Dr. M. W. Lewis, nos hospedou em uma moderna e muito bem decorada suíte.

Voltando-se a mim e sorrindo, o Dr. Lewis disse: “Durante os seus primeiros anos na América, ficastes nesta cidade em um quarto individual, sem banheiro; desta vez eu quero que saibas que temos apartamentos luxuosos em Boston!”

As sombras da carnificina que se aproximava, estendiam-se sobre o mundo; o ouvido sensível sente os assustadores tambores da guerra. Durante entrevistas com milhares de pessoas na Califórnia e através de ampla correspondência mundial, descobri que homens e mulheres estavam com seus corações em amargura; a trágica insegurança externa havia reforçado a necessidade de uma Âncora Salvadora.

Em 1941, recebi uma correspondência do diretor espiritual da Irmandade de Autorrealização de Londres, dizendo que: “Nós aprendemos o valor da meditação, e sabemos que nada pode perturbar nossa paz interior. Nas últimas semanas, durante nossos encontros, estamos ouvindo os alertas de incursões aéreas e explosão de bombas, mas nossos alunos ainda se reúnem e desfrutam completamente do nosso excelente trabalho.”

Outra carta me chegou da Inglaterra devastada pela guerra, pouco antes dos Estados Unidos entrarem no conflito. E, com palavras comoventes, o Dr. L. Cranmer Byng, editor da Série Sabedoria do Leste, escreveu: “Quando li a revista Este-Oeste, percebi quão distantes parecíamos estar; aparentemente vivendo em dois mundos diferentes. Beleza, ordem, calma e paz me vêm de Los Angeles, navegando para o porto como um navio carregado de bênçãos e conforto do Santo Graal para uma cidade sitiada. Talvez em corpo, eu nunca chegue às tuas praias douradas nem adore no teu templo. Mas já é algo poder tido a visão e saber que no meio da guerra ainda há uma paz que habita nesse refúgio entre as colinas. Saudações a toda a Irmandade, de um soldado comum, escrito da torre de vigia a espera do amanhecer.”

Os anos de guerra trouxeram um despertar espiritual entre os homens, onde a diversidade de ocupações nunca antes incluía o estudo do Novo Testamento. E isso é um doce destilado das ervas amargas da guerra! Para satisfazer a crescente necessidade, uma pequena e inspiradora Igreja de Auto-Realização de Todas as Religiões foi construída e consagrada em 1942 em Hollywood. O local fica de frente para a Colina das Oliveiras e a certa distância do Planetário de Los Angeles. A igreja, com acabamento em azul, branco e dourado, fica refletida entre os aguapés de uma grande piscina. Os jardins com flores, decorados com alguns veados assustados feitos de pedra, uma pérgula com vitrais e uma fonte dos desejos com centavos jogados, representando as aspirações do tesouro do Espírito! Um jorro beneficência universal flui de pequenos nichos com estátuas de Lahiri Mahasaya e Sri Yukteswar, Krishna, Buda, Confúcio, São Francisco e uma bela reprodução em madrepérola de Cristo na Última Ceia.

Outra Igreja de Auto-Realização de Todas as Religiões foi fundada em 1943 em San Diego. Um templo tranquilo no topo de uma colina, fica em um vale inclinado de eucaliptos, com vista para a cintilante Baía de San Diego.

Ao cair da noite, sentado nesse refúgio tranquilo, eu derramava meu coração em uma canção. Sob meus dedos, o teclado melodioso do órgão da igreja; em meus lábios o lamento saudoso de um antigo devoto bengali que buscava o consolo eterno:

Neste mundo, Mãe, ninguém pode me amar;

Neste mundo eles não conhecem o amor divino.

Onde há o puro gozo do amor?

Onde há o verdadeiro amar a Ti?

Lá, meu coração deseja estar.

Dr. Lloyd Kennell, meu companheiro na capela e líder do centro de San Diego, sorria discretamente com a letra da música.

“Me diga realmente, Paramhansaji, valeu a pena?” Ele olhou para mim com a maior franqueza e eu compreendi sua lacônica pergunta: “Você foi feliz na América? E as desilusões, as mágoas, os líderes dos centros sem o espirito de liderança, os alunos que não podiam ser ensinados?”

“Bem-aventurado o homem a quem o Senhor o coloca à prova, doutor! De vez em quando, Ele se lembra de colocar um fardo sobre meus ombros!” Pensei nesse momento, em todos os fiéis, no amor, na devoção e compreensão que pulsam no coração da América. Falando devagar, enfatizando, continuei: “Sim, mil vezes sim! Valeu a pena; tem sido uma inspiração constante, e mais do que nunca, sonhei ver o Ocidente e o Oriente se aproximando no único vínculo duradouro, o espiritual!”

Silenciosamente, acrescentei uma oração: “Que Babaji e Sri Yukteswarji sintam que fiz minha parte, não decepcionando em suas esperanças quando me enviaram para aqui”.

Me voltei novamente para o órgão; desta vez minha canção teve uma conotação marcial:

A roda do moinho do tempo moi

Incontáveis vidas de lua e estrela

E muitas manhãs luminosas—

Mas ainda assim minha alma marcha adiante!

Escuridão, morte e fracassos rivalizam;

Tentando bloquear meu caminho ferozmente;

Minha luta com a natureza ciumenta, é dura—

Mas ainda assim minha alma continua marchando!

A primeira semana do ano de 1945, passei trabalhando em meu escritório de Encinitas, revisando o manuscrito deste livro.

“Paramhansaji, por favor, me acompanhe aqui para fora.” Dr. Lewis, chegando de Boston para me visitar, sorriu para mim do outro lado da janela. Logo, estávamos passeando ao sol. Meu companheiro apontou para as novas torres em processo de construção ao longo da propriedade da Irmandade, adjacente à estrada costeira.

“Senhor, vejo muitas melhorias aqui desde minha última visita.” Dr. Lewis vem nos visitar duas vezes por ano, de Boston a Encinitas.

“Sim, doutor, um projeto que eu considero há muito tempo está começando a se materializar. Neste belo cenário eu comecei uma colônia mundial em miniatura. A fraternidade é um ideal melhor compreendido pelo exemplo do que pelos princípios teóricos! Um pequeno grupo harmonioso aqui pode inspirar outros ideais de comunidade terra afora.”

“Uma ideia esplêndida, senhor! A colônia será um sucesso se cada um fizer sua parte com sinceridade!”

“‘Mundo’ é um termo amplo, e o homem deve aumentar sua fidelidade, considerando-se como um cidadão do mundo”, continuei. “Uma pessoa que realmente sente que o mundo é minha pátria; é minha América, minha Índia, minhas Filipinas, minha Inglaterra, minha África, nunca lhe faltará espaço para uma vida útil e feliz. Esse orgulho local, normal, conhecerá ilimitada expansão, estando então, em contato com correntes criativas universais.”

Dr. Lewis e eu paramos ao lado do lago de lótus perto do eremitério. Abaixo de nós estava o imenso Oceano Pacífico.

“Essas mesmas águas quebram igualmente nas costas oeste e leste, na Califórnia e na China. Paramahansaji jogou uma pedrinha na primeira das setenta milhões de milhas oceânicas. Encinitas é um local simbólico de uma colônia mundial.”

"Isso é verdade, doutor. Vamos organizar aqui muitas conferências e congressos de religião, convidando delegados de todas as terras. Bandeiras das nações serão hasteadas em nossos salões. Pequenos templos serão construídos sobre esta área, dedicados às principais religiões do mundo.”

“Assim que possível”, continuei, “pretendo inaugurar aqui, um Instituto de Yoga. O abençoado papel da Kriya-Yoga no Ocidente mal começou. Que todos os homens saibam que existe uma técnica definida e científica de auto-realização para a superação de toda miséria humana!”

Até tarde da noite, eu e meu querido amigo – o primeiro Kriya-Yogi na América – discutimos a necessidade de colônias mundiais fundadas em base espiritual. Os males atribuídos a uma abstração antropomórfica, chamada “sociedade”, podem ser colocados de forma mais realista aos pés do homem comum. A utopia deve brotar no seio privado antes que possa florescer em virtude cívica. O homem é uma alma, não uma instituição; somente suas reformas internas podem dar permanência, como frutos edificantes, às reformas externas. Ao enfatizar os valores espirituais, a auto-realização, uma colônia que exemplifica a fraternidade mundial tem o poder de enviar vibrações inspiradoras muito além de sua localidade geográfica.

15 de agosto de 1945, acaba a Segunda Guerra Mundial! Fim de um mundo; alvorecer de uma enigmática Era Atômica! Os moradores do eremitério se reuniram no salão principal para uma oração de ação de graças. “Pai Celestial, que nunca mais isso volte a acontecer! Que Teus filhos, daqui por diante, caminhem como irmãos!”

Foi-se a tensão dos anos de guerra; nossos espíritos vibravam de contentamento sob o sol da paz, e olhei alegremente para cada um dos meus camaradas americanos.

“Senhor”, pensei com gratidão: “Tu deste a este monge, uma grande família!”

 

P.S. São palavras de Swami Premananda:


A luz radiante mais íntima dentro do olho espiritual é a porta mística da revelação de Deus. Quando a mente permanece firmemente estabelecida nessa luz, ela é gradualmente absorvida pelo fulgor sempre em expansão, permeado pela pura autoconsciência que finalmente leva à realização do Eu absoluto, representado pela Realidade Última, Brahman.”

“A meditação é a chave para a vida espiritual e a iluminação. É a única maneira de conhecer Deus e nossa alma, nosso verdadeiro Eu. Meditação é muito mais do que estudo e discussão. A compreensão intelectual e a deliberação ponderada são os pré-requisitos vitais e fundamentais para a obtenção do conhecimento e da sabedoria subjetivos e que devem levar à meditação. A meditação é o meio supremo de alcançar a percepção direta das verdades espirituais. Desde tempos imemoriais, o homem tem procurado encontrar o caminho que leva à realização de Deus. E, descobrindo esse caminho dentro de si mesmo, o chamou de Kriya-Yoga.

Literalmente, Kriya-Yoga é uma expressão sânscrita de duas palavras, Kriya e Yoga. Kriya significa trabalho. Yoga significa união ou unidade. Em sua conotação espiritual, Kriya-Yoga é o método subjetivo de meditação pelo qual a realização da unidade da alma com Deus, é alcançada.”

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