Meu desconhecido amigo. Se quiseres continuar, sem arrependimentos, a cultivar a rotina e a mediocridade, guia-te pelas seguintes normas:
Antes de pensar, se informe sempre do que deve ser pensado, a fim de não introduzir no mundo o contrabando de ideias novas.
Não penses nunca com o próprio cérebro – mas sempre com a cabeça dos outros.
Dize sempre sim quando os outros dizem sim – e não quando os outros dizem não.
Leia a cada manhã o teu jornal, para saberes o que deve ser pensado nas próximas 24 horas.
Quando alguém vier com ideias novas, evita-o, pois, este é um perigo social, um herege ou até mesmo um terrorista.
Não te exponhas ao perigo de fazer o que o vizinho não faz – mas lembra-te da comprovada sapiência burguesa: o seguro morreu de velho!
Seja amigo dedicado da tua confortável poltrona – e não te exponhas a vertigens de vastos horizontes.
Prefere sempre as paredes maciças de um cárcere e as grades de uma gaiola em vez das incertezas de um voo estratosférico.
Nunca abras portas fechadas – passa tão-somente por portas abertas.
Não explores caminhos novos, como os desbravadores – anda sempre por estradas costumeiras e sobre trilhos previamente alinhados.
Vai sempre com o grosso do rebanho, como os carneiros obedientes – e não procures um caminho diferente da rotina normal.
Em suma, ilustre cultivador da mediocridade: Deixa tudo como está para ver como fica!
Pensando assim, conservarás a saúde e a tranquilidade dos nervos e poderás tomar, cada dia, com sossego, o teu chope ou coquetel – e passar por homem de bem.
Se, porém, resolveres, um dia, sair da rotina tradicional e te expor ao perigo mortífero de um ideal superior, então lê com atenção o que te diz um homem que conhece a vida:
Vai às margens do Ganges e pede ao mais robusto dos elefantes que te ceda a sua pele paquidérmica, para com ela revestires a tua alma.
Vai às praias do Nilo e remova do mais velho dos crocodilos, sua impenetrável couraça e dela faça um invólucro para o teu coração.
E, depois de assim encouraçares a tua alma e coração, sai por este mundo afora e dize aos homens da honesta mediocridade, que vives por um ideal que não está no estômago nem nos nervos nem no sangue – e verás que eles te declararão guerra de morte.
Pois, deves saber, meu amigo, que o mundo não sacrifica um só ídolo por um guerreiro de ideias e ideais.
Desde que o mais arrojado idealista da história foi crucificado, morto e sepultado – todos os idealistas acabam sendo crucificados pelos cultivadores da mediocridade.
Nada de grande acontece no mundo sem que o mundo se revolte contra a grandeza de ideias e ideais.
Tudo que é belo e grande – agoniza fatalmente entre os braços da cruz.
É esta a gloriosa tragédia dos homens superiores.
Texto revisado, extraído do livro De Alma para Alma
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