Thursday 24 September 2020

MÚSICA PARA A MENTE

Este artigo foi publicado pela primeira vez para acompanhar o álbum Music for the Mind, lançado pela rádio ABC Classics FM australiana em 2012 e que é de autoria de Tina Broad, consultora em educação artística e estratégia no APRA AMCOS SongMakers Project e que anteriormente dirigiu o Music: Play for Life, uma campanha nacional do Conselho de Música da Austrália com a finalidade de fazer com que mais australianos se envolvessem com música em escolas e comunidades.

 

“Como diz o aclamado neurocientista Oliver Sacks em seu livro Musicofilia, a música estimula as duas partes de nossa natureza, a intelectual e a emocional. “Podemos ser movidos para as profundezas,” (da alma) diz ele, “mesmo quando apreciamos a estrutura formal de uma composição.”

 

Passaram-se vinte anos desde a pesquisa que nos deu o frequentemente citado (e deturpado!) “Efeito Mozart”. Essa pesquisa analisou três diferentes estados de escuta - silêncio, música de relaxamento e uma sonata de Mozart - e comparou os efeitos de cada aspecto nos testes do Quociente de Inteligência (Q.I.) dos ouvintes. Na época, as descobertas foram captadas por uma mídia frenética, exagerada, e o calor das discussões e controvérsias continua desde então.

 

Hoje, os desenvolvimentos na neurociência geraram uma verdadeira revolução na pesquisa que sustenta a afirmação de que há uma série de impactos positivos sobre os indivíduos e sobre a sociedade, que se originam em ouvir e produzir música. Por exemplo, sabemos muito sobre os impactos positivos da música nos aspectos físicos do nosso desenvolvimento cerebral, desde o nosso estágio intrauterino, até o fim da vida. O primeiro vínculo mãe-bebê são inerentemente musical, já que o cérebro de um bebê está sintonizado com a musicalidade da voz da mãe, onde os cientistas acreditam ser uma importante estratégia de sobrevivência evolucionária.

 

Tem havido muitos estudos em torno da música, envolvendo residentes de lares de idosos e pessoas com doenças mentais, que mostram ligações entre fazer e ouvir música e reduções no cortisol, o chamado hormônio do estresse. Há relatos, também, de que tocar música clássica em Unidades de Terapia Intensiva produz um efeito calmante que reduz a dependência de medicação após a cirurgia. As endorfinas desencadeadas quando se ouve música proporcionam uma espécie de alívio da dor, onde a dopamina cria sentimentos de otimismo, energia e poder.

 

Os sons são estímulos mais potentes do que a visão na maioria das pessoas, pois os receptores auditivos cobrem uma região maior do cérebro. Isso faz da música uma parte importante da reabilitação a longo prazo de pessoas sofrendo trauma ou lesão cerebral. Um exemplo significativo foi o notável progresso emocional da congressista norte-americana Gabrielle Giffords, para quem a música literalmente foi uma tábua de salvação depois do acidente com arma de fogo. Twinkle, Twinkle, Little Star nunca soou tão bem.

 

Na medida em que evolvemos no viver, mantemos nossas memórias musicais até o fim. Muitos de nós que cuidamos de entes queridos com Alzheimer ou Parkinson nos sentimos também estimulados com a resposta de como eles reagem ao ouvir uma música familiar, ou cantam a lírica de uma música favorita com fluidez e em sintonia, sendo que em conversações, esse mesmo paciente possa não entender. O projeto “Music and Memory” desenvolvido nos EUA trabalha com esse mesmo princípio da memória musical retida, pois descobriu que pessoas idosas em asilos, voltaram à uma vida praticamente normal através do uso de fones de ouvidos, iPods e playlist musical personalizada.

 

Embora existam muitos benefícios em ouvir música, maiores benefícios ainda vêm da composição musical, fato que levou Sacks a dizer que a performance musical é tão importante para a educação infantil quanto a leitura e a escrita. Tomemos, por exemplo, um estudo canadense de 2006 que comparou o efeito de apenas um ano de treinamento em violino sobre o desenvolvimento do cérebro infantil e encontrou mudanças marcantes em comparação com as crianças que não tocavam.

 

Pesquisadores da Universidade Murdoch, no oeste da Austrália, que realizaram a Revisão Nacional da Educação Musical Escolar em 2005, descobriram que a música “contribui de forma singular para o crescimento emocional, físico, social e cognitivo de todos os alunos”. Mais recentemente, pesquisadores educacionais em Melbourne, Brian Caldwell e Tanya Vaughan, escreveram sobre os impactos transformadores da música na realização acadêmica das crianças desfavorecidas, no bem-estar social e emocional e até na frequência escolar.

 

Recentes descobertas sobre a plasticidade do cérebro - sua capacidade constante de se auto reparar, mudar, “reaprender” - por toda a vida, não apenas durante a infância, nos estimulam a trabalhar nossos sentidos musicais, tanto é que podemos nos inspirar no próprio Oliver Sacks, que com 75 anos de idade começou a estudar piano, uma atividade que deixara passar por 60 anos. Portanto, tire a flauta do armário, limpe a poeira, ou afine o piano e comece a fazer música!

 

Muitos dos gigantes intelectuais de todos os tempos têm sido músicos ativos. Albert Einstein disse que viveu seus devaneios com música: “Eu tenho mais alegria na vida com a música”, tanto é que era um exímio violinista e tocava piano. E isso nos leva além do campo da física, para o impacto da metafísica: o lugar onde a mente encontra o coração.

 

A música eleva o nosso humor, constrói a ponte entre a alegria e o sofrimento, abre as algemas do luto, libera traumas e nos transportar para o melhor dos momentos. Ela pode ser transcendente. Músicos e ouvintes falam frequentemente em se encontrarem “perdidos” na música. Este é o tipo de experiências positivas de “fluxo” de que tanto ouvimos falar na psicologia, onde o tempo parece parar e onde há um elevado senso de consciência.

 

Podemos ser levados às lágrimas ao ouvir uma obra musical, de tal forma que mesmo ao lado de um estranho num concerto, derramamos lágrimas. Por que a música é tão afetiva? O que acontece quando um músico toca uma peça musical e nos leva à essa emoção? O pesquisador e músico Daniel Levitin, autor de This is Your Brain on Music, lidera um laboratório na Universidade McGill em Montreal no Canadá e que tem conduzido experimentos sobre esse assunto, em parte estimulado por uma apresentação em concerto de uma de suas músicas favoritas, um concerto para piano de Mozart, que inesperadamente o deixou perplexo; compositor conhecido, conjunto de notas perfeito, portanto, qual a razão do pianista ter falhado da apresentação não tocando bem? A pesquisa é inovadora porque está tentando quantificar a “expressividade” do músico. Usando um piano especialmente construído com sensores sob cada tecla, a equipe de Levitin gravou Thomas Plaunt tocando noturnos de Chopin com diferentes graus de expressão pessoal e, em seguida, modificou as gravações para os participantes do teste. Os ouvintes foram convidados a avaliar, e o desempenho “mais emocional” venceu.

 

A relação entre compositor, intérprete e ouvinte é profunda e sensível. Parece que a habilidade do ouvinte em captar e prever padrões em música cria condições para um elemento de surpresa que pode ser explorado pelo músico experiente. Citado no New York Times, o famoso violoncelista Yo-Yo Ma dá algumas dicas sobre isso explicando as forças em jogo quando, por exemplo, ele toca uma sonata de 12 minutos com uma melodia recorrente de quatro notas, que na repetição final se expande para seis: “Se eu configurar a melodia corretamente, é como se fosse o despontar do sol, encoberto por uma nuvem, que brilha novamente.” Mas é algo sutil. Ele diz que tem que manter essa luz até o momento certo. Mas não vai funcionar, diz ele, se sua forma de tocar for exuberante demais, deixando o ouvinte como cego “pelos faróis de um carro viajando à noite em sentido contrário.”

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