O texto abaixo se refere a uma palestra proferida por Gandhi em um encontro organizado pela Sociedade Vegetariana de Londres, em 20/11/1931 sobre considerações a respeito do vegetarianismo. Além de outras particularidades de uma vida política que abalou os alicerces do maior poder colonialista do século XX, e um exemplo de retidão ética, Gandhi era também vegetariano, e passou a maior parte de sua vida, até seu assassinato em 1948, se alimentando de maneira muito frugal.
“Senhor Presidente, Companheiros Vegetarianos e Amigos.
Eu não pretendo tomar vosso tempo sobre minhas várias experiências no vegetarianismo, nem mesmo afirmar algo sobre a grande dificuldade que enfrentei em Londres em permanecer firme à essa dieta, mas gostaria de compartilhar com vocês alguns dos pensamentos que se desenvolveram em mim com relação ao vegetarianismo. Há quarenta anos passados, eu costumava me relacionar livremente com vegetarianos. Naquela época, não havia praticamente um restaurante vegetariano em Londres que eu não tivesse visitado. Fiz questão, por pura curiosidade, estudar as possibilidades do vegetarianismo e restaurantes vegetarianos. Naturalmente, portanto, entrei em contato com muitos vegetarianos. Descobri, nas conversas, que grande parte delas girava em torno de alimentação e enfermidades. Descobri também que os vegetarianos que lutavam para ser vegetarianos estavam encontrando dificuldades em manter uma vida saudável.
Eu não sei se, hoje em dia, existem esses debates, mas no passado eram frequentes, entre vegetarianos e não vegetarianos. Lembro-me de um desses debates entre o Dr. Densmore e o falecido Dr. T. R. Allinson. E o hábito entre as conversas girava em torno só de alimentação e doença. Mas essa é a maneira mais inconveniente de discussão. Percebi que parte dos que se tornaram vegetarianos o fizeram para se livrar de doenças, ou seja, puramente por questões de saúde. E geralmente, são aquelas que possivelmente irão abdicar da dieta. Descobri com isso, que para se permanecer fiel ao vegetarianismo, se exige uma base moral.
Para mim, foi uma grande descoberta em busca da verdade. Ainda jovem, durante meus experimentos, descobri que uma base egoísta na alimentação, não serviria ao propósito de levar um homem ao alto pelos longos dos caminhos da evolução. O que se requeria era um propósito altruísta. Descobri também que saúde não é de forma alguma, monopólio dos vegetarianos. Eu encontrei muitos sem preconceitos e que os não-vegetarianos eram capazes de mostrar, de maneira geral, boa saúde. Descobri também que vários vegetarianos achavam impossível permanecer vegetarianos porque tinham feito da alimentação um fetiche porque achavam que, ao se tornarem vegetarianos, podiam comer o quanto possível, lentilhas, feijão, queijo. E é claro que apenas com essa dieta não poderiam manter a saúde.
Observando então, vi que um homem deve comer com moderação e de vez em quando jejuar. Nenhum homem ou mulher realmente se alimentam com parcimônia ou consomem apenas a quantidade necessária que o corpo requer. Caímos facilmente nas tentações do paladar e, portanto, quando algo é saboroso, não nos importamos em repetir o prato. Mas assim, não se pode manter a saúde convenientemente. Consequentemente, descobri que, para manter a saúde, não importa o que se come, necessário se faz reduzir a quantidade e o número de refeições. Torne-se moderado; não reclamar que comeu demais ou de menos. Quando convido amigos para compartilharem suas refeições comigo, nunca os pressiono para aceitar qualquer coisa, exceto apenas o que eles exigem. Pelo contrário, digo-lhes que não comam nada se não o quiserem.
O que eu quero levar ao conhecimento de todos, é que os vegetarianos precisam ser mais compreensivos se quiserem converter outros ao vegetarianismo. Adote um pouco de humildade. Devemos apelar para o senso moral das pessoas que não se ajustam com nossa dieta. Se um vegetariano adoecesse e um médico prescrevesse carne, eu não o chamaria de vegetariano. Um vegetariano se constrói com hábitos difíceis. Por quê? Porque é para a construção do espírito e não do corpo. O homem é mais do que carne. É o espírito do homem pelo qual nos preocupamos. Portanto, os vegetarianos deveriam ter essa base moral - que um homem não nasceu um animal carnívoro, mas nasceu para viver dos frutos e ervas que a terra oferece. Eu poderia errar em oferecer leite a um doente. Fiz esse experimento muitas vezes. Não consegui, depois de uma doença grave, recuperar minhas forças, a menos que voltasse ao leite. Essa tem sido a tragédia da minha vida. Mas a base do meu vegetarianismo não é física, mas moral. Se alguém dissesse que eu morreria se não comesse carne ou caldo de carne, mesmo com orientação médica, preferiria a morte. Essa é a base do meu vegetarianismo.
Eu adoraria pensar que todos nós, que nos chamamos vegetarianos, deveríamos ter essa base. Existem milhares de carnívoros que não se mantiveram carnívoros. Deve haver uma razão definida para fazermos essa mudança em nossas vidas, de adotarmos hábitos e costumes diferentes da sociedade, mesmo que às vezes essa mudança possa ofender os mais próximos e nossos queridos. Portanto, a única base para ter uma sociedade vegetariana e proclamar um princípio vegetariano é, e deve ser, moral. Eu não posso afirmar que os vegetarianos, em geral, desfrutam de uma saúde muito melhor do que os que comem carne. Eu pertenço a um país que é predominantemente vegetariano por hábito ou necessidade. Portanto, não posso testemunhar que isso mostra uma resistência muito maior, uma coragem muito maior ou uma isenção muito maior da doença. Porque é uma coisa peculiar e pessoal. Requer obediência escrupulosa a todas as leis da higiene.
Portanto, penso que o que os vegetarianos devem fazer é não enfatizar as consequências físicas do vegetarianismo, mas explorar as consequências morais. Embora ainda não tenhamos esquecido que compartilhamos muito em comum com os animais, não percebemos suficientemente que há certas coisas que nos diferenciam deles. Os animais vegetarianos são muito mais vegetarianos que nós mesmos - mas há algo muito maior que nos chama ao vegetarianismo. Portanto, eu pensei que, durante os poucos minutos que eu me dei o privilégio de me dirigir a vocês, eu apenas enfatizaria a base moral do vegetarianismo. E eu diria que descobri, por experiência própria e pela experiência de milhares de amigos e companheiros, que eles encontram satisfação, no que se refere ao vegetarianismo, na base moral que escolheram para sustentar o vegetarianismo. Em conclusão, agradeço a todos por virem aqui e me permitirem ver vegetarianos face a face. Não posso dizer que costumava encontrá-los quarenta ou quarenta e dois anos atrás. Suponho que os rostos da Sociedade Vegetariana de Londres tenham mudado. Há muito poucos membros que, como o Sr. Salt, podem reivindicar associação com a Sociedade que se estende por mais de quarenta anos.”
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