O texto abaixo faz parte de uma coletânea de ensaios encontrados no livro Ídolos ou Ideal? de Huberto Rohden, primeira edição de 1961, e que representa fragmentos de pensamentos avulsos sobre Deus, o homem e o universo, sem a pretensão de ser um todo homogêneo ou com uma sequência lógica de ideias. Pode-se abrir o livro em qualquer página e ter o privilégio de saborear conceitos lúcidos sobre a filosofia da vida. Alguns desses conceitos são o resultado de sua viagem, em 1945, quando Rohden foi agraciado com uma bolsa de estudos na Universidade de Princeton, EUA, período em que conviveu temporariamente com Albert Einstein até 1946.
Como filósofo, educador, profundamente religioso e místico, ele deixou em seus escritos um legado que permanece vivo até os dias de hoje, e é atemporal. No entanto, alguns conceitos em matemática, ciência que avança de forma dinâmica, fazem parte, talvez, de um tempo passado, mas que em sua totalidade, mostra claramente a íntima relação que existe entre a matemática e a mística.
Segundo Rohden, “Tudo que é perceptível pelos sentidos é material. O material, porém, é tridimensional. Todos os corpos materiais têm três dimensões: linha, plano, cubo – comprimento, largura, espessura.
O ponto não é corpo material, porque não tem dimensão alguma, nem existe como tal.
O ponto é o início da linha, antes dela se mover numa direção.
A linha não existe senão como limitação de um plano.
O plano também não existe senão como limitação de um cubo.
E o cubo existirá em si mesmo? Sem estar intimamente unido em alguma outra dimensão, além da conhecida tridimensionalidade? O tridimensional não será a limitação de algo ultra dimensional, não dimensional? ... Os clássicos cinco sentidos humanos culminam na extrema fronteira do mundo tridimensional, mas seria absurdo supor que o mundo real comece com a tridimensionalidade – seria o mesmo que dizer que o conhecimento humano termina no jardim de infância ou na escola primária.
Portanto, se pode afirmar que o que existe só é perceptível como um atributo do creador imperceptível; a parte só é conhecida como um aspecto de um Todo desconhecido.
Coisa análoga acontece no mundo metafísico.
Ninguém pode, realmente, conhecer a parte sem ter noção do Todo.
E é precisamente aqui que começa o grande mistério: como se pode ter noção do Todo antes de conhecer as suas partes? Não é o Todo a soma total das partes?
Se assim fosse, é claro que não se pode ter experiência do Todo senão pela soma das partes. Na verdade, o Todo não é a soma das partes, não é uma síntese de antíteses, mas é a tese anterior a qualquer antítese e síntese, não é um conjunto de componentes, mas é anterior a isso, porque o Todo é simples, absoluto, que se revela e manifesta em partes várias, mas não se divide, não se parte. Aliás essa palavra “parte” é inexata, porque o Todo não tem partes. Os mundos não são partes ou centelhas de Deus, como dizem os poetas. Melhor seria dizer, os mundos são como os pensamentos do grande pensador (Deus). O pensamento não é uma parte do pensador, mas uma manifestação parcial do mesmo.
O Todo da essência divina se revela, sem cessar, nas suas existências, os mundos, ou efeitos, mas esses mundos existenciais não são Deus, mas apenas uns reflexos ou manifestações finitas da grande Realidade Infinita que é imanente em todas as existências.
A transcendência divina está infinitamente além de todas as suas imanências finitas, da mesma forma que a Vida Universal está em cada uma das vidas individuais que dela emanam e nela permanecem, mas a soma total dos indivíduos vivos não é a Vida Universal; esta é anterior às suas manifestações individuais, e será depois de todas elas.
A célebre questão sobre a “Origem da Vida”, é filosoficamente inconsequente, baseada numa falsa premissa, uma vez que não há nenhuma origem da vida, a vida como tal não tem origem nenhuma, ela é essencialmente eterna, auto existente, autônoma, porque ela é a própria Realidade Cósmica, o Grande Todo, Deus.
Para que o homem possa ter a intuição do Todo antes de conhecer as partes, ele deve ultrapassar as limitações dos processos analíticos da inteligência, que só conhece partes; deve se aprofundar no oceano da visão espiritual, que entra em contato direto com a Essência, o Real, o Todo, pois conhecimento analítico intelectual falha se não estiver baseado na intuição cósmica; só a visão simultânea do Todo explica a análise sucessiva das partes.
As partes só são compreensíveis através do seu fundamento, o Todo.
A mística é uma matemática cósmica.”
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