O texto abaixo foi publicado por uma importante revista brasileira de assuntos diversos, VISÃO, e foi a última entrevista concedida por Huberto Rohden ao jornalista José Ítalo Stelle, na sede do Centro de Auto-Realização Alvorada em São Paulo, Brasil, e foi publicada na edição de 9 de fevereiro de 1981. Essa entrevista aborda a questão das falhas na educação escolar não só no Brasil, como na vasta maioria dos países. E é também um alerta sobre a autoeducação que deveria ser despertada no homem, ou seja, ou o homem se auto educa ou não se educa, pois não se pode esperar apenas da família e dos sistemas de ensino, a formação de um homem no processo educacional, e evolucional, se ele mesmo não se auto educar!
Instruir e educar são conceitos diferentes.
Instruir é a transmissão de conhecimento ou formação de determinada habilidade; educar é socializar, é transmitir padrões de comportamento a fim de garantir a continuidade da cultura dos povos.
Nessa entrevista, o jornalista descreve a aparência física de Rohden como sendo de estatura alta, cabelos brancos, olhos de um profundo azul, que se veste simplesmente e que a despeito da avançada idade, ainda tem uma mente muito aguçada, mostrando aos leitores a sabedoria de um homem que viveu a vida a serviço da humanidade, e com o seu conhecimento analítico e intuitivo, indicou as setas do caminho a seguir na busca do autoconhecimento e auto-realização.
Rohden faleceu poucos meses depois, no dia 7 de outubro de 1981 aos 87 anos de vida.
“A instrução nas escolas, em qualquer nível, ensina o homem a descobrir as leis da natureza, isto é, a ciência; mas a educação leva o homem a criar valores dentro de si mesmo", diz o filósofo brasileiro Huberto Rohden nesta entrevista à revista VISÃO.
"Não existe crise de educação no Brasil, nem em qualquer parte do globo. O que existe é uma deplorável ausência de verdadeira educação". Esta é a opinião por ele formulada a respeito da chamada crise da educação moderna. Rohden explica: "Não estou usando a palavra “educação” no sentido popular, referindo-me a graus de instrução. Uso a palavra educar no sentido rigorosamente etimológico e verdadeiro de “eduzir”, deduzir, extrair de dentro, indicando que o educador deve eduzir, desenvolver e manifestar o que já existe na natureza do educando". É esta razão de que, no modo de ver do professor Rohden, “uma filosofia ou uma teologia que admita de antemão que o homem seja mau por natureza não pode falar em eduzir; só poderia tratar de forçar ao educando algo alheio à sua natureza, e isso é o contrário à educação”.
Como Sócrates, Platão e os Estóicos (aqueles que permanecem fiéis à virtude e ao conhecimento), Rohden acredita que a boa ordem social não pode ser criada com estratagemas políticos enganosos. A boa ordem social não tem origem na política, mas na ética que promove os devidos valores na consciência dos cidadãos e dos líderes da sociedade: ela se projeta na sociedade, mas está radicada no indivíduo.
VISÃO - O senhor tem dedicado boa parte do seu tempo aqui no Alvorada, enfatizando a diferença entre a instrução e a educação?
HUBERTO ROHDEN - Não, não é bem isso. Tenho falado unicamente sobre autoconhecimento e auto-realização da natureza humana. Isso inclui tudo e vai muito além da educação. Nós temos que nos realizar. Somos embrionários; "sementes" humanas. Falando simbolicamente, temos que realizar a nossa "semente" humana em forma de uma perfeita "planta" humana. Portanto, cuidamos do autoconhecimento da natureza humana e sua auto-realização na vida prática. Temos que saber o que somos e temos de viver de acordo com aquilo que somos. O homem deve realizar-se. Ele não é realizado; é apenas realizável. Da auto-realização fazem parte duas coisas: tanto a instrução na ciência como a educação da consciência. Os governos só podem instruir em assuntos técnicos, negócios, ciências, etc.; mas não pode educar no nível da consciência. A educação da consciência é da própria consciência do indivíduo. Temos um Ministério da Instrução; mas não temos um Ministério da Educação. Não existe nenhum Ministério da Educação em nenhum país; nem pode existir. Não devemos confundir instrução com educação. A educação é muito mais profunda do que a instrução. A instrução é da inteligência; a educação é da consciência. A instrução faz o homem erudito; a educação faz o homem bom. Ambas são necessárias, mas a mais importante é a educação da consciência.
VISÃO - Então, ao contrário do que se supõe hoje em dia, a educação é uma atividade individual?
ROHDEN - É eminentemente individual. Não pode ser uma atividade social. Ela se reflete na sociedade, mas está radicada no indivíduo. Só existe autoeducação; não existe educação de fora para dentro. Ou o homem se auto educa ou não se educa. Outros não podem educar-me; só podem me mostrar o caminho pelo qual eu me possa educar.
VISÃO - Essa é, então, a função do mestre – mostrar?
ROHDEN - Sim. O mestre é um guia. O educador pode mostrar ao educando o caminho por onde o educando se pode auto educar. Há muita confusão hoje em dia sobre a educação. Entre centenas de livros sobre a educação, mal encontrei um que possa aprovar integralmente. Alguns têm coisas boas, mas não frisam a coisa essencial que é a autoeducação.
VISÃO - Falou-se recentemente que o sistema educacional brasileiro (e em todo mundo) estava em crise. O senhor concorda que esteja?
ROHDEN - Crise supõe uma presença. Não existe nenhuma crise; o que existe é uma deplorável ausência de verdadeira educação.
VISÃO - De onde surgiu essa ausência de educação?
ROHDEN - Ela resulta do fato histórico de que a nossa evolução humana no mundo inteiro não está num nível mais elevado. Não estamos na era da incerteza, da qual falou o economista John Kenneth Galbraith; estamos, sim, em estado permanente de incerteza, porque a humanidade está marcando passo na inteligência e não atingiu ainda o nível da razão, da consciência. Falta-nos uma disciplina ética avançada. Albert Einstein, que era um grande iluminado, disse: "O descobrimento das leis da natureza - a ciência - torna o homem erudito; mas não torna o homem bom. O homem bom é aquele que realiza os valores que estão dentro de sua consciência. Do mundo dos fatos, que é a ciência, não conduz nenhum caminho para o mundo dos valores, que é a consciência. Fatos não produzem valores, porque os valores vêm de outra região". Teilhard de Chardin disse: "O homem veio da biosfera. Está na noosfera (noos quer dizer inteligência, em grego) e age em função da noosfera”. Viemos da biosfera, isto é, da esfera da vida. Nós nos intelectualizamos há milhares de anos; viemos da biosfera para a noosfera. Passamos da esfera da vida para a esfera da inteligência - e estamos ainda nesse nível. Acima da noosfera está a logosfera, a esfera da consciência; mas não estamos lá ainda.
VISÃO – Mas existem alguns indivíduos que estão num nível de conhecimento maior do que a maioria da humanidade?
ROHDEN - É claro. Há indivíduos isolados, esporádicos, que estão na esfera da educação da consciência. Mas a maioria não está nesse nível. É uma questão de evolução da humanidade. A culpa não é do Brasil, nem de ninguém. É da falta de evolução superior da humanidade. Na esfera em que estamos não podemos ter educação; só podemos fazer instrução. Todos os crimes, violências e terrorismos vêm daí. A ciência não pode abolir o terror; só a consciência pode fazê-lo. Já se foi o tempo em que se dizia ingenuamente: "Abrir uma escola é fechar uma cadeia" e a experiência da realidade prova que os grandes malfeitores da humanidade não foram analfabetos, mas, sim, homens que não educaram a consciência.
VISÃO – E as Igrejas, não favorecem a educação? Não é, essa, parte da sua razão se ser?
ROHDEN - A teologia da Igreja ensina que melhor que viver corretamente é morrer corretamente. Se um homem vive cinquenta anos matando, roubando, defraudando, comprando o perdão doando propriedades e dinheiro para a igreja como uma maneira de reduzir a quantidade de punição que alguém deve sofrer pelos pecados e, nos últimos cinco minutos da sua vida, se confessa e se converte, vai para o céu e vive a vida eterna. Isso é um convite antipedagógico, um convite disfarçado para uma vida má, contanto que haja uma boa morte. As teologias são veladamente contrárias à educação da consciência, pois a simples moralidade não é educação. E isto é uma denúncia que eu faço em base real, pois exerci o sacerdócio por 25 anos.
VISÃO - Mas as Igrejas não pregam a ética do Evangelho?
ROHDEN - Não. Substituíram o Evangelho pela teologia. O Evangelho exige uma vida honesta do princípio ao fim. Mas as Igrejas pregam que basta converter-se na última hora. E tentam consertar seu erro com uma falsa interpretação das palavras de Jesus, ao ladrão na cruz.
VISÃO - Além da teologia, há na sua opinião, outras filosofias contrárias à educação operando nos chamados meios educacionais.
ROHDEN - Os "meios educacionais" estão cheios dessas filosofias. Veja o behaviorismo de B.F. Skinner. Ele diz: "a liberdade é um mito e o livre-arbítrio não existe". É uma filosofia que diz que somos autômatos, que somos condicionados pelo meio-ambiente. Ora, se não há livre-arbítrio, então não há base para a educação. O homem tem a opção de ser bom ou mau; isto é, nele é aberta a possibilidade de autoeducação, ou não. Mas se o homem é obrigado pelas circunstâncias a ser mau, ou a ser bom, então acabou-se toda a base para a educação. Não negamos que as circunstâncias possam dificultar o exercício do livre-arbítrio, mas negamos que o homem normal possa ser obrigado pelas circunstâncias a ser bom ou mau.
VISÃO - O vazio moral, a angústia existencial que muitos parecem sentir hoje em dia e que é constantemente representada na arte moderna - pintura, teatro, literatura, cinema, televisão, na mídia como um todo dentro das esferas sociais, etc., de onde vêm?
ROHDEN - Vêm da falta de autoconhecimento e da falta de verdadeira educação. Esses fatores sociais – na mídia como um todo - não podem educar porque a educação é um processo eminentemente individual. O que os citados fatores sociais poderiam e deveriam fazer é remover ou diminuir os obstáculos à verdadeira educação. Infelizmente, quase todos os programas de cinema, rádio, televisão, redes sociais, são flagrantemente ante educativos. E isso acaba num vácuo ou numa frustração existencial.
VISÃO - Qual a relação entre a natureza humana e a autoeducação?
ROHDEN - A autoeducação é a perfeita evolução da natureza integral do homem. Não é algo alheio introduzido nela; é o conteúdo interno da própria natureza, eduzido, e manifestado na vida externa, individual e social. O homem profano, sem auto compreensão, abusa de tudo, inclusive de si mesmo, a fim de ter momentos de prazer superficial. Por outro lado, o homem místico isolacionista, se recusa a usar qualquer objeto; simplesmente recusa tudo. Mas o homem cósmico, o auto educado e autorrealizado, usa de tudo sem abusar de nada. E isto é verdadeira educação. O educador deve mostrar ao educando que quer ser fiel à sua própria natureza e ser feliz, embora essa felicidade nem sempre esteja livre de sofrimento. Enquanto o educando confundir felicidade com gozo, ou infelicidade com sofrimento, consequentemente não terá o caminho aberto para a verdadeira educação. O homem auto educado pode ser feliz no meio de sofrimentos e pode também ser infeliz no meio de gozos. A base da autoeducação é autoconhecimento, como já diziam os filósofos gregos: "Conhece-te a ti mesmo".
VISÃO - Haverá no mundo moderno um movimento de autoeducação?
ROHDEN - Felizmente há, em todos os países, pequenos grupos que levam a sério a autoeducação. Conheço de convivência o movimento Neugeist (Novo Espírito), nos países germânicos; bem como a Self-Realization (Auto-Realização), nos países anglo-saxônicos, que, na Inglaterra, também é conhecida como The New Outlook (A Nova Perspectiva), Seicho-No-Ie do Japão, e outros. Esses movimentos são representados no Brasil. Mas são iniciativas particulares de pequenas elites que tomam a sério a sua auto-realização, baseada no autoconhecimento da natureza humana e manifestada na vivência ética da vida diária, individual e social. Felizmente, o maior dos educadores disse, há quase 2000 anos: "O Reino dos Céus está dentro de vós, mas é ainda um tesouro oculto, que deveis descobrir". Com isso Jesus, afirma a presença de um elemento bom no homem e a necessidade que ele tem de revelar na vida diária esse tesouro oculto. Isto é pura autoeducação.
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Alvorada, é instituição que promove o ideal da auto-realização individual, sem a qual nenhuma reforma social é possível. A ideia, iniciada em 1952, se materializou em 1956. Foi oficializada por Huberto Rohden como instituição cultural, beneficente e sem fins lucrativos e que até hoje é administrada por alguns de seus ex-alunos e de pessoas individuais que promovem os estudos, a palavra e a sabedoria desse grande pensador, para que as pessoas possam se integrar cada vez mais no espírito cósmico dos grandes mestres que a humanidade conhece.
Atualmente os ensinamentos e escritos de Rohden, vem sendo publicados pela Editora Martin Claret (Brasil) que tem o direito autoral de publicar seus livros e de iniciativas particulares nos estudos e discussões de suas ideias literárias e nas redes sociais. A iniciativa de introduzir aos públicos de língua inglesa e espanhola seus ensinamentos, ainda não completou 10 anos, e trazem aos seus autores, a realização de um ideal, em expandir as obras deste que foi, Huberto Rohden, um dos grandes filósofos do século XX.