Não se sabe por quanto tempo o ilustre “náufrago” esteve desacordado nas praias de Cosmorama. Mas se sabe que ao despertar, Rohden se viu rodeado por alguns dos habitantes locais, que segundo ele, eram parecidos com os seres humanos da Terra, no entanto, esteticamente mais elegantes, calmos e gentis.
Desfeito o impacto inicial do inesperado encontro, veio junto a ele, um ser em forma de mulher, que se apresentou com o nome de Íris. Estava vestida de verde que graciosamente se harmonizava com o bronze de sua pele - muito mais linda do que o nome que usava, nome que lembra o arco-íris, símbolo da paz e da bonança.
“Não, não era sonho! Lá estava diante de mim, concreta e tangível, essa jovem, mas de uma beleza tal que muito me atraiu, mas pela qual eu não tive o menor desejo de a possuir. Aliás, mais tarde, durante todo o tempo que vivi em Cosmorama em longos diálogos com Íris, verifiquei que o amor entre esses seres era como pura luz solar e não como uma fumegante tocha de fogo; não amavam para explorar o ente amado e nem para satisfazer os seus instintos. “Luz sem fumaça” – foi essa a expressão que se modelou em minha alma, ao presenciar os amores desses seres. O amor em Cosmorama não é enfadonho, descolorido, anêmico, artificial; pelo contrário, é um amor de intenso colorido, cheio de ardor e vitalidade. Mas para crer em coisa tão incrível, seria necessário experimenta-lo pessoalmente; porque o homem só sabe realmente aquilo que saboreou e sofreu nas íntimas profundezas de seu ser... Seria necessário naufragar – para viver tão intensamente.
Depois desse primeiro encontro, Íris se tornou minha intérprete e melhor amiga; me dizia coisas tão estupendas e com tamanha simplicidade que nenhum homem terreno poderia acreditar.
Era tão espontânea a alegria e amizade no meio desse povo – entre os quais havia dois pares de noivos – que contagiava qualquer pessoa que não fosse precisamente um bloco de gelo.
Verifiquei pela primeira vez na vida que o amor, nada tem a ver com satisfação sexual, embora esta possa ser uma expressão natural do amor. A satisfação sexual quando tomada isoladamente, é o contrário do amor, porque é uma expressão de egoísmo pessoal, para cuja realização um sexo necessita do outro; quer dizer que uma pessoa se serve da outra pessoa como meio de alcançar um fim egoístico, o que é anti-cósmico.
O âmbito do amor é incomparavelmente mais vasto do que a satisfação do instinto sexual, próprio do homem que só conhece a libido.
Os habitantes de Cosmorama representam um alto nível de evolução espiritual, portanto é normal para eles que o instinto sexual estivesse integrado no amor.”
Mais tarde, recuperado do incidente do “naufrágio” e plenamente consciente, Rohden começou a se familiarizar mais e mais com a atmosfera de Cosmorama.
Numa tarde de sol, ele foi caminhar pela praia adjacente a uma floresta, com sua amiga Íris.
“Enorme foi o meu susto quando, de improviso, emergiu da penumbra da floresta a cabeça rajada de um tigre. Soltei um grito involuntário de terror e me escondi por detrás do tronco de uma árvore. Íris ria-se de meu temor e, para me provar que não havia razão para tal, ela passou o braço pelo pescoço do felino e ofereceu o resto de seu lanche, e me pediu que me aproximasse e acariciasse o rei da floresta: fiz com alguma relutância, e verifiquei que as minhas "auras positivas" já haviam prevalecido sobre as “auras negativas”; caso contrário, a felino não me teria considerado amigo.
Ainda nessa mesma tarde tive repetida oportunidade de ver que não há animais selvagens; há tão somente homens selvagens. O “homem selvagem” é o homem sensorial mental, ainda não racionalizado pelo espírito. É este o espécime que predomina entre nós, os seres humanos chamados de civilizados da Terra.
Em tempos pré-históricos, antes que no homem despertasse o intelecto dormente, não existia inimizade entre o mundo dos homens e o mundo dos animais. Depois do despertar do intelecto o homem começou a se divorciar da natureza - e com isso se originou um estado de beligerância, latente ou manifesta, que hoje vigora entre o homem e a natureza. O homem intelectualizado é tirano, explorador e escraviza a natureza, e com esse comportamento, obriga a natureza a responder com hostilidade, implícita ou explicita, pois à toda ação, equivale uma reação em sentido contrário.
Mas, quando o homem, do nível da simples intelectualidade, ascende a altura da racionalidade do espírito, desaparece a hostilidade entre ele e a natureza, porque nesse nível reina harmonia, pois uma creatura plenamente sintonizada com o Creador não pode deixar de ser sintonizada com todas as outras creaturas que estão em harmonia com a causa suprema do Universo.
Passamos toda essa tarde a conviver deliciosamente com a natureza e a falar sobre as relações entre ela e o homem. Eu sai desse passeio mais enriquecido do que se lera uma biblioteca inteira ...”
Texto revisado extraído do livro COSMORAMA
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