Durante meses eu vivi no meio desses seres distintos de Cosmorama. E não tinha ainda certeza se tudo isso era uma realidade ou um sonho fantástico - talvez um sonho para além de toda a realidade.
O que mais me intrigava era a sua total ausência de governo. Nenhum presidente, ou primeiro ministro, nenhum governador, nenhum prefeito, nenhuma polícia; nem advogados, nem juízes - nada disto havia nessa misteriosa ilha.
Um dia pedi a Íris, que me mostrasse a constituição de Cosmorama; ela sorriu, balançou a cabeça, e não me respondeu.
E, apesar da completa ausência de legislação e policiamento, não havia crimes em Cosmorama, pois sua população era de avançada evolução mental. Nunca vi uma penitenciária nem uma cadeia. Se os habitantes dessa ilha fossem homens bem primitivos, ainda em estado animalesco, seria compreensível essa ausência de legislação, pois na natureza não existe um governo e nela se vive em paz.
Quando pude ter mais familiaridade com Íris, ela me apresentou uma pessoa com a qual ousei pedir explicação sobre essa espécie de ausência de governo, que em grego se chamaria anarquia, mas não uma anarquia negativa, caótica, mas uma anarquia positiva, cósmica. O que essa pessoa me disse foi a confirmação explicita de algo que eu já sentira implicitamente.
Ele afirmou que os dois extremos da natureza, o nadir do instinto e o zênite da intuição, não necessitam de governo externo, pois cada ser tem dentro de si o seu governo interno. Todos são cosmo-governados. O mundo instintivo do mineral, do vegetal e do animal é governado pela Inteligência Cósmica, que, nesses seres é aparentemente inconsciente, embora consciente em si mesma. Toda natureza não humana vive numa harmonia automática, da qual não pode passar além dos limites estabelecidos pelas Potências Cósmicas. A permanente luta da natureza não entra em contradição com a cosmocracia; é uma luta de equilíbrio construtor, mas não de extermínio destruidor.
No mundo do homem-integral, plenificado, o instinto subconsciente da natureza é substituído pela razão consciente, que se manifesta como consciência, razão, espírito. O nadir do inconsciente, culminou no zênite da consciência total.
A Consciência Cósmica impera na intimidade desse homem, que age como cosmo-agido, cosmo-vivido, cosmo-consciente. Esse homem não perdeu a sua ego-personalidade, mas amadureceu em cosmo-individualidade. E, devido a essa imanência da consciência cósmica, esse homem não necessita de um governo externo, uma vez que o seu governo interno dispensa qualquer legislação externa.
Somente o homem ego-consciente necessita de um governo externo. A ego-personalidade baseada na intelectualidade é, por sua natureza, fragmentada, centrífuga e discordante. A lei externa é um substituto, embora precário, da lei interna, ainda inoperante. Inoperante porque o egoísmo humano está chegando perto dos limites de tragédia mundial – nesta alvorada do terceiro milênio - diante do caos, como pode se presenciar nas guerras, conflitos, dramas e dilemas encontrados em quase todas os níveis das relações humanas.
No homem racional impera a cosmocracia; o homem intelectual é governado pela chamada democracia criada por ele, que é a designação de uma personalidade para governar as outras personalidades. A fim de garantir certa paz social, resolvem os egos encarregar um ego para os governar, para que possa haver uma paz relativa entre eles. A paz relativa dessa democracia, assim fragmentada, não passa de um armistício, que é melhor do que a guerra, embora não seja uma paz real e duradoura. O governo dessa democracia, deve contentar-se com uma paz precária, porque a paz duradoura não é atributo da ego-personalidade.
Quando essas verdades me foram apresentadas, perguntei se não existiam outras formas de governo? Me explicaram então, que além da cosmocracia racional e da democracia intelectual, existia a monocracia ditatorial, onde um homem, sem consultar os outros, se julga ser o mandante de um povo, seja por hereditariedade, como nos antigos reinos e impérios ... e até hoje! ou sob a pressão das armas de fogo, como em certas "democracias" e ditaduras modernas.
Conclui então, que os habitantes de Cosmorama vivem em um estágio muito mais avançado do que a humanidade da Terra, que ainda sobrevive no estágio fragmentado das democracias ou das monocracias.
Se a razão cósmica conseguisse superar a nossa inteligência analítica, a nossa humanidade iria proclamar uma maravilhosa cosmocracia. Mas ... essa cosmocracia supõe a consciência cósmica dentro de cada indivíduo.
Com isso, em meu positivismo melancólico, vislumbrei a alvorada de uma nova humanidade, em horizontes longínquos ... Um dia, "O Reino de Deus será proclamado sobre a face da terra... e haverá um novo céu e uma nova terra ..."
Texto revisado extraído do livro COSMORAMA
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