Monday 4 October 2021

A BUSCA PELA NATUREZA HUMANA

O texto abaixo faz parte do prefácio do livro O HOMEM, de autoria de Huberto Rohden (1893-1981), editado em 1980. Nele, o autor não pretende esgotar um assunto amplamente avaliado pela ciência; entretanto, ele viaja em suas especulações no tempo e espaço à procura de uma nova teoria, de um novo discernimento sobre a questão.

Massas estrelares, galáxias, um planeta incandescente que se resfria e se cobre de Vida – minerais, organismos vivos, células, vegetais, animais, e, coroando tudo: o homem. 

A origem do ser humano ainda continua encoberto por um véu pouco transparente, onde se multiplicam as teorias materialistas sobre seu aparecimento. Um aparente mistério; o desafio do “elo perdido”, que é um momento da história em que a ciência não consegue identificar, enfim, muitas especulações. O fato é que o homem é uma realidade na face da Terra, nela existindo há milhões de anos.

Com o avanço científico e da metafísica, tempo virá em que se aceitará a ideia de que o homem sempre existiu, mas que não veio de nenhum ser não humano inferior. Tanto o homem quanto todos os demais seres da natureza que existiram e existem, fazem parte da ideia da creação, do trabalho da razão nos laboratórios das Potências Creadoras.

É bastante comum em discussões informais, a pergunta que se faz em todas as esferas de relacionamentos: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? E a resposta é: a ideia nasceu primeiro, pois tudo o que se quer criar, nasce de uma ideia! O homem pode eventualmente ter usado de vestimentas diversas no transcorrer de sua peregrinação na Terra, no entanto, o homem, a ideia, foi o princípio básico.

Mudou com o passar dos milênios, a sua característica física, devido aos ambientes costumes e culturas em que viveu e vive, como por exemplo, suas características craniofaciais; o homem do paleolítico apresentava uma acentuada região esplâncnica superior e inferior, onde se localizam os órgãos da mastigação, inclusive apresentando os quartos molares, mas tendo a porção superior do crânio, reduzidos.

Com o avanço do intelecto e da alimentação menos rudimentar, o cérebro se desenvolveu, dando gradativamente a aparência do homem de hoje. O homem do futuro, um dia terá outras características craniofaciais, a região esplâncnica reduzida e a cerebral aumentada, mas o homem, enquanto ideia, essência, foi sempre a mesma, de hoje, do futuro assim como de seu passado remoto. 

O homem é uma creatura singular. Um estupendo fenômeno. Um grande enigma. Com o seu aparecimento no cenário terrestre, a natureza assinala o maior marco na sua própria evolução. Ele é uma “descontinuidade na continuidade” da Vida, uma creatura com uma ampla habilidade da creatividade. Somente ele é que possui as maiores faculdades e dons que o tornam único entre as outras creaturas. Diferentemente dos animais, não é apenas mais um simples fato na paisagem em que vive, mas é um fator consciente que transforma e inventa. É uma creatura creadora, que iniciou a sua maior aventura cósmica, rumo a sua própria plenitude. 

O que vai escrito abaixo não é apenas uma brilhante narrativa da natureza, da origem e da evolução do homem; é muito mais, é um verdadeiro tratado de filosofia universal. Uma cosmovisão do homem integral e dos fenômenos humanos, raramente atingida por outros eruditos.

Rohden, como pensador do futuro e historiador de ideias, centrando na sua intuição, caminha, desde a concepção mitológica do homem, passa pelo conceito zoológico e culmina na visão ontológica, que é uma síntese da evolução biológica, histórica, cultural e metafísica do homem. Única visão que dá “sentido de vida” à própria existência humana. 

A solução que o autor oferece do problema é grandiosa e simples: creação evolução se harmonizam e se completam. O Universo é uma unidade na diversidade. O Uno, continuamente, se manifestando no Verso. A essência se revelando como existência. A Vida Infinita no vivo finito. Na realidade, o Universo seria incompleto sem o homem; nele, a pirâmide cósmica converge num ápice culminante. 

 

“Quase todos os livros que tratam da essência do ser humano se limitam focalizar a sua evolução multimilenar, desde os tempos remotos em que vivia, até ao homem da Era Cosmonáutica. Esses livros tratam da evolução física-mental do homem, mas omitem silenciosamente a sua origem metafísica-racional; falam dos canais, mas nada dizem da fonte.

A ciência integral dos nossos dias exige uma base metafísica para todas as coisas físicas – do mundo material - porque, segundo Einstein, “do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho para o mundo dos valores; porque estes vêm de outra região”. Fatos emergem da mente direcionada à ciência, valores nascem da consciência.

Os valores da metafísica não podem ser derivados dos fatos da física, mas têm a sua origem “em outra região”, no mundo metafísico. Os fatos são analisáveis pela inteligência, ao passo que os valores são intuídos pela razão espiritual, a que Einstein se refere muitas vezes: “As leis fundamentais do Cosmos não podem ser descobertas pela lógica, mas somente pela intuição”.

Esta síntese de fatos físicos e valores metafísicos formam a ciência integral de nossos dias.

Os que falam apenas da condição histórica do homem através de sucessivas potencialidades não consideram a ciência integral, que inclui a Potência, a fonte, de onde derivam todas as potencialidades.

O homem só pode ser compreendido quando visualizado à luz da sua realidade integral, como um fato físico e como um fator metafísico, como frisam Albert Einstein, Victor Frankl e outros representantes da ciência integral. Com a ciência parcial, se pode aceitar que o homem tenha vindo através de diversas formas e potencialidades históricas - com os expoentes da ciência integral, se pode admitir que todas as potencialidades são canais que provêm de uma fonte ou Potência creadora. O homem supõe logicamente uma fonte ou causa metafísica.

Diz a lógica da matemática que um efeito não pode ser maior do que sua causa, mas pode servir-se duma condição ou canal menor através do qual flui. Uma potencialidade menor (forma não humana) não poderia desenvolver-se numa potencialidade maior (humana), porque o maior não está contido no menor.

Nenhum pensamento lógico pode admitir a teoria mitológica de certos teólogos, segundo a qual o primeiro homem teria aparecido na terra como homem perfeito, que depois se teria tornado imperfeito por intervenção de uma entidade ante divina. A história sabe que o homem surgiu com o mínimo grau de perfeição, mas era dotado de perfectibilidade, que lhe veio da Potência, da fonte, que se manifesta através de potencialidades várias, através da evolução. A possibilidade de evolução deriva da Potência inicial, e essa possibilidade se manifesta gradualmente, no tempo e no espaço, através de potencialidades sucessivas.

A expressão de Moisés, no Gênesis, de que o corpo do homem é feito de “substância da terra”, é cientificamente exata, quando se considera que nada há no corpo humano que não exista nos elementos da natureza, mas, no entanto, a ideia de que Deus tenha feito um boneco de barro é uma falsa interpretação de uma grande realidade.

Com a admissão de uma Potência como causa ou fonte de todas as potencialidades evolutivas, se depara com o ponto nevrálgico do problema, que divide a ciência integral dos grandes gênios, da ciência parcial dos talentos medíocres. Já no seu tempo, século 17, escrevia René Descartes, que nada pode ser provado analiticamente se não supuser algo como um postulado intuitivo.

A intuição não é uma hipótese, vaga e incerta, mas é uma evidência imediata e certa. Por exemplo: um cano de dois centímetros de diâmetro e alguns metros de comprimento drena milhares de toneladas de água, que não se esgotam jamais; ninguém dirá que esta enorme quantidade de água tenha estado contida no encanamento, ou mesmo na caixa de água ligada a esse; todo o homem sensato admite que essas toneladas de água vêm de uma fonte perene, de onde a água é canalizada; a água vem da fonte e flui através dos encanamentos. E embora os habitantes da cidade não tenham visto jamais essa fonte longínqua, todos supõem, consciente ou inconscientemente, sua existência, como um postulado certo, e não como uma hipótese mais ou menos provável.

Aplicando ao homem essa analogia, os gênios da ciência integral admitem como postulado, uma Potência creadora, da qual derivam as potencialidades, como os canais derivam de sua fonte. Os representantes da ciência parcial se contentam com a análise dos canais ou potencialidades físicas, ao passo que os gênios da ciência integral sabem intuitivamente que qualquer canal repleto de água supõe como certo uma fonte de águas perenes, uma Potência como causa de todos os efeitos ou potencialidades. Quem não pode formar uma hipótese sobre uma premissa, nada pode provar, assim como o arquiteto não pode construir um edifício sem avaliar a estrutura do solo. Mas esse solo não é obra dele, é uma premissa, uma evidência imediata para o construtor.

Se pode admitir todos os fatos históricos que a ciência provou como etapas evolutivas do homem, mesmo os fatos anteriores à própria natureza do homem, mas além desses fatos históricos, se pode sustentar a incontestável necessidade de uma fonte, a Potência que tudo creou, que justifique essas potencialidades. E se pode admitir essa premissa intuitiva, não em virtude de uma tal ou qual crença religiosa, mas como o imperativo categórico da ciência integral, que não admite efeitos, menores ou maiores, sem admitir uma causa máxima, como fonte ou Potência. É pela lógica e matemática que se faz necessário aceitar essa premissa intuitiva como base indispensável para a ciência analítica.

O homem só pode ser compreendido a partir da ciência integral, da tese cosmológica da própria realidade; não em teorias tradicionais como a mitológica, e nem zoológica.

Há quem tente invalidar este argumento alegando que de uma causa menor pode vir um efeito maior, como provam os fatos da natureza. Pois, não é a planta maior que a semente? E não é a ave mais perfeita que o ovo de que nasceu?

Ocorre que no mundo orgânico nada prospera sem certas condições, como água e luz, umidade e calor. Uma semente sem água e calor não brota; um ovo sem umidade e calor morre sem eclodir. Disto, até a galinha sabe, quando esquenta os ovos com o corpo. Ela inclusive os abandona periodicamente, a fim de provocar umidade pelo revezamento de calor e frio. E foi através do comportamento da galinha que o granjeiro usa a incubadeira elétrica para manter o calor e umidade.

Água e luz, umidade e calor, são as Potências Cósmicas que se servem da semente e do ovo para os transformar em planta e ave. A semente e o ovo funcionam como condições, de que a causa das Forças Cósmicas se servem para produzir o efeito.

As Forças Cósmicas são de ilimitada potência, que como causa necessitam de condições limitadas para produzir seus efeitos.

Também o homem é um efeito da Potência Cósmica que se revela em potencialidade telúrica.”

Texto revisado extraído das abas da capa e páginas do livro O HOMEM. 

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