“Se não ver nas mãos a marca dos cravos, e no peito a ferida da lança, não acreditarei absolutamente”, e esta dúvida assinala a efêmera passagem do apóstolo Tomé pelos evangelhos. Exigiu prova empírico-analítica, quis fazer como o cego que, às vezes, é menos enganado do que os que enxergam. E assim, o transformou em um dos homens famosos de todos os tempos, inclusive no anedotário popular, o proverbial “ver para crer”, é sinônimo de Tomé.
Quando Jesus voltou ao Cenáculo, procurou Tomé. Viera por causa dele, pois lhe dedicava um amor maior que todas as negações. Chama-o pelo nome e aproximando-se, diz: “Chega aqui teu dedo e vê minhas mãos; vem com tua mão e mete-a em meu lado; e não sejas incrédulo, mas tem fé”.
Estupefato, prostra-se aos pés de Jesus e brada: “Meu Senhor e meu Deus”.
Por estas palavras, semelhantes a uma simples saudação, Tomé confessa a sua derrota; derrota mais bela que qualquer vitória.
Mais de dois milênios se passaram desde essa cena.
Em 1945, num antigo cemitério de Nag Hammadi, no alto Egito, foram encontrados alguns potes de barro com manuscritos em caracteres coptas. Parte desses papiros encadernados em couro foi usada pelos colonos para acender fogo; parte foi vendida e veio parar no museu copta do Cairo, onde esses manuscritos foram guardados durante 11 anos, sem que ninguém lhes desse maior importância.
Segundo os estudiosos, esses manuscritos colocaram novamente Tomé no centro do cenário do cristianismo, quiçá como uma luz a iluminar as trevas onde se encontra a humanidade e abrandar seus corações.
Esse texto seria, na realidade, o QUINTO EVANGELHO, isto é, cópias do original que remontam ao século II da Era Cristã, tão insistentemente referido pela tradição oral do cristianismo. Entretanto, esse evangelho não trata da vida histórica de Jesus. São 114 sentenças profundamente metafísicas, que abre seu evangelho com a afirmação: “Estas são as palavras secretas de Jesus, o Vivo, que foram escritas por Thomas, também chamado de Didymos”.
A palavra aramaica “Thomas” quer dizer “gêmeo”, em grego “Didymos”.
As “palavras secretas” são ensinamentos esotéricos que foram proferidos por Jesus, não para as massas, mas para uma elite escolhida de seus discípulos hábeis em compreender o sentido místico de certas verdades profundas. Também pelos outros Evangelhos consta que Jesus disse a seus discípulos: “A vós é dado compreender os mistérios do Reino de Deus, enquanto ao povo só lhe falo em parábolas”. Tomé se limita a mencionar certas palavras de Jesus sobre os “mistérios do Reino”, que desafiam mais a intuição espiritual do que a análise intelectual. Alguns desses aforismos são altamente paradoxais, lembrando por vezes a linguagem de Lao-Tse, no seu Tao Te King, justificando a conhecida frase provavelmente atribuída a Tertuliano: “Credo, quia absurdum”, isto é, creio porque é absurdo.
Em seu evangelho, ele parece interessar-se mais pela enigmática verticalidade do Cristo cósmico do que pela popular horizontalidade do Jesus humano. Infelizmente, Tomé é quase totalmente ignorado pelos quatro Evangelhos conhecidos. O Cristianismo o conhece apenas pela incredulidade com que ele enfrentou os outros discípulos, quando lhe falavam de Jesus redivivo, exigindo e obtendo uma prova empírica da sua ressurreição física.
A descoberta do Evangelho de Tomé foi um acontecimento providencial e oportuno, pois ele proclama a necessidade de autoconhecimento, que é o fundamento da auto-realização ou autorredenção humana.
Os teólogos antigos falam em salvação, no sentido de uma salvação que vem externamente ao homem. No entanto, essas teologias estão em declínio, ao passo que a autorredenção do Evangelho de Tomé está numa gloriosa ascensão. Também os quatro Evangelhos segundo, Mateus, Marcos, Lucas e João, proclamam a verdade da autorredenção pela consciência e pela vivência do Cristo interno, a redenção pela mística e pela ética.
Mas, em face do estado espiritual primitivo da humanidade, as teologias deram excessiva importância a diversos tipos de redenções por fatores externos:
1)- Redenção por meio de objetos e fórmulas sacras,
2)- Redenção pelo sangue de um homem inocente.
Essa ideologia pagã-judaica de redenção por fatores externos está sendo superada, pois a elite espiritual da cristandade está despertando para a verdade central da mensagem de Jesus: a redenção do homem pelo Deus imanente, pelo Cristo interno, de cada alma, pelo Eu essencial e divino no homem.
No Evangelho de Jesus, só consta a redenção do homem pela mística do primeiro e maior de todos os mandamentos, revelada pela ética do segundo. Mandamentos onde se baseiam toda a lei e os profetas, a quintessência do Cristianismo. A redenção está na consciência da paternidade única de Deus manifestada na vivência da fraternidade universal dos homens.
As elites espirituais da cristandade de hoje estão redescobrindo esse tesouro oculto da mensagem de Jesus, proclamando a sua autonomia crística sobre todas as tiranias das circunstâncias externas que retardam a evolução humana.
Em seu evangelho, Tomé não se cansa de frisar essa autorredenção do homem pelo despertamento do Deus imanente. As crenças teológicas dos homens estão cedendo lugar à experiência crística. Ele, outrora o descrente no meio de crentes, revela-se hoje o pioneiro dos experientes para os inexperientes desejosos de experiência própria sobre o mistério de Deus no homem.
Nesse evangelho não aparece o menor indício de una hierarquia eclesiástica nem hegemonia clerical. O Cristianismo primitivo era uma fraternidade espiritual, uma forma de verdadeira democracia, e não uma monocracia hierárquica. Nada consta de um privilégio dado a nenhum dos discípulos, nem mesmo a Pedro; pelo contrário, Simão Pedro aparece numa situação bem constrangedora, como um espírito mesquinho, sobretudo no último capítulo 114, onde ele revela uma postura antifeminista, postura essa, criticada por Jesus, que sempre teve em sua companhia, mulheres leais na sua missão.
No Evangelho de Tomé não há referência à transubstanciação nem ao poder de perdoar pecados conferido por Jesus aos seus discípulos. Tudo visa unicamente o despertamento do poder espiritual no homem.
Texto revisado, extraído do livro O QUINTO EVANGELHO
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