Durante seus estudos na Universidade de Princeton, de 1945 a 1946 como bolsista em ciências - onde pode conviver com Albert Einstein - Huberto Rohden fez a doação à biblioteca do Seminário Teológico da universidade, de um dos volumes de seu livro Agostinho, que traça a trajetória de um homem que se notabilizou pela existência profana, comum a qualquer indivíduo na sua idade, até se revelar no salto quântico de sua espiritualidade, com pouco mais de 30 anos.
O volume original,
autografado pelo autor, foi digitalizado em 2006 e pode ser encontrado em:
https://drive.google.com/file/d/0B6bn6CL5zMVZczVRU3RvZ2w4blk/view?usp=sharing
Infelizmente, não
consta das edições recentes, os escritos preliminares no texto REALIDADES
ESPIRITUAIS, que aqui, nesta postagem revisada, é entregue aos leitores como
complementação e que oferece alguns parágrafos de absoluta sabedoria atemporal
do filósofo, educador e teólogo brasileiro.
* * *
Dentre a série de
livros biográficos escritos por Huberto Rohden, constam dois em particular,
publicados entre 1939 e 1940: Paulo de Tarso e Agostinho, onde o autor não
procura louvar o grande desbravador do Evangelho, e nem a célebre eminência de
Agostinho, como discípulo espiritual de Paulo, mas antes, cantar a apoteose
daquele que os inspiraram: pelo qual por amor viveu, lutou e morreu o
convertido de Damasco, assim como que do abismo, chamou Agostinho às alturas,
pois a figura apoteótica de Jesus na vida de um e de outro, só se compara
quando se exalta a grandeza do sol nas maravilhas que produz na vida da terra.
-- Paulo, um
fanático religioso e ferrenho defensor do formalismo ritual da lei mosaica!
-- Agostinho,
apaixonado cultor do materialismo e do sensualismo carnal!
Se esses dois
autênticos representantes das suas escolas encontraram no Cristianismo o
supremo ideal de vida, a força nas lutas, e a consolação na morte, prova que no
Cristianismo habita uma estupenda realidade espiritual; realidade superior a qualquer
fanatismo, e a toda sedução da carne.
Se Paulo
sacrificou o seu farisaísmo sobre o altar da cruz do Gólgota; se Agostinho
ofereceu sobre o altar do Evangelho o holocausto das suas paixões impuras –
então, nenhum homem tem o direito de conceber que o Cristianismo seja apenas
uma bela teoria, um acontecimento passado ou uma religião para um pequeno grupo
de almas piedosas e segregadas da vida real. Não, não tem esse direito! O
Cristianismo, assim como brotou da alma de Jesus, é a mais estupenda realidade
espiritual, não só no primeiro século, mas em todos os séculos vindouros da história
da humanidade.
Paulo e Agostinho
juraram lealdade e compromisso ao Evangelho, precisamente no ápice de suas
forças físicas e intelectuais, entre os 30 e 40 anos de idade.
Mas essa força
divina que vive e palpita no Cristianismo, só atua na alma humana quando ela é
tomada na sua plenitude, tal qual existe nas páginas dos quatro Evangelhos.
O Cristianismo na
sua integridade, foi o único evento racional histórico que tem o poder de crear
heróis de humana grandeza; só ele encerra a divina energia de arrasar todas as potências
adversas e fazer despontar dentro da alma um novo universo de realidades
espirituais.
E no centro deste
cosmos está, como foco de luz e de energias, o “mandamento máximo” do seu autor:
o amor de Deus manifestado em ética humana. Todo e qualquer outro evento que se
rotule de cristianismo, que desloque do centro e passe para a periferia este
sol do sistema planetário evangélico, provoca funestos cataclismos no universo
cristão, porque desequilibra as forças cósmicas e perturba a harmonia do verdadeiro
Cristianismo.
Se a cristandade pecou
contra o Cristianismo, o seu pecado consiste em lhe ter arrancado a alma, em
ter tirado do seu núcleo, a suprema lei do amor de Deus e do próximo. E este
pecado não é compensado por nenhuma outra “virtude”, por nenhuma tentativa de transferir,
da periferia para o centro, algum outro preceito, por mais importante, sublime
e divino que pareça. Ou a humanidade aceita o Cristianismo tal qual ele brotou
da alma de Jesus, ou não deve professar outro Cristianismo. Pode criar um cristianismo
“condicionando”, um cristianismo do oriente ou do ocidente, um cristianismo
antigo, medieval ou moderno, mas, se assim fizer, que tenha a sinceridade de
dizer que esta modalidade, se é cristianismo, não é O CRISTIANISMO, e que não
cometa o abominável sacrilégio de querer pregar ao mundo um cristianismo
subjetivo, como sendo o verdadeiro.
Se algo existe
pelo qual possa o homem viver e trabalhar, lutar e sofrer, satisfeito e feliz,
é o Evangelho da redenção e do amor, que Jesus espalhou pelas terras da
Palestina e propagou até aos confins do planeta.
Depois do homem
integral que ele foi, nunca mais existiu homem que personificasse integralmente
a alma do Cristianismo. Mas felizmente, também nunca faltaram cristãos que
atingissem elevado grau de espírito que vive e palpita nas páginas do
Evangelho.
Paulo de Tarso,
depois de ver em ruínas o seu mosaísmo farisaico, pode afirmar de plena
consciência: “Já não vivo eu - Cristo é que vive em mim ... A minha vida é
Cristo, e morrer me é lucro ... Diante da plena sabedoria de Cristo, considero como
lixo todas as grandezas do mundo”.
Agostinho, após a
derrocada do seu orgulhoso paganismo e do tédio dos seus amores sensuais,
arranca da alma um grito de náufrago lançado à praia: “Quão tarde te amei, ó
antiga e sempre nova Formosura, quão tarde te amei! ... fizeste-nos para ti
Senhor, e inquieto está o nosso coração até que em ti descanse”.
Paulo e Agostinho,
ainda que de distintas personalidades, empenharam grandes esforços para concretizarem
em suas vidas, a luminosa essência do Cristianismo, deixando um legado de fé e
ideal para que a humanidade possa seguir seus passos na jornada ascensional de
cristianização.
Agostinho, filho
de Mônica, é discípulo espiritual do homem de Tarso, tanto assim que uma
epístola paulina lhe deu o derradeiro impulso para a conversão definitiva, e
durante toda a vida, foi seguidor devoto do pioneiro do Evangelho. Mas, tanto
na conversão como na subsequente atividade apostólica, difícil seria encontrar
pontos de contacto entre ambos, a despeito de terem levado o Cristianismo a
sério; por ele viveram, por ele lutaram e morreram. Mas cada um desses cristais
humanos, reflete diversamente a “luz do mundo que ilumina todo o homem”. O
vermelho não deixa de ser luz genuína pelo fato de não ser verde ou azul, uma
vez que é o resultado da decomposição da luz branca, incolor, síntese e
plenitude de todas as cores do arco-íris. Todo o cristão sincero é um reflexo
autêntico do grande foco divino que despontou sobre a humanidade; mas cada
cristão representa o sol do Cristianismo através do prisma particular do seu
caráter, do seu gênio, da sua educação, do ambiente em que vive, das ideologias
que lhe modelaram a inteligência e o coração, colocando-o numa determinada
perspectiva para contemplar o sol da revelação cristã. O conjunto de todas as
cores e matizes das almas cristãs é que representa a luz solar completa, o “corpo
místico” de Jesus, o sol, a luz integral.
Contemplar,
estudar, analisar o Cristianismo deste ou daquele discípulo sincero, contribui
grandemente para formar uma ideia mais perfeita de Jesus, e dessa forma, uma
melhor compreensão de que o Cristianismo é um organismo espiritual ao mesmo
tempo rígido e elástico. A sua rigidez lhe garante, à luz da providência e da
autoridade divina, a resistência vitoriosa contra todos os assaltos de seus
inimigos. A sua elasticidade lhe assegura perfeita adaptabilidade a todo e
qualquer ambiente histórico e ideológico, sem sacrifício do caráter do seu
espírito.
Se faltasse ao
Cristianismo a necessária rigidez, correria perigo de ser destruído, e se lhe faltasse
a devida elasticidade, acabaria por se isolar como uma anomalia inerte no meio
de um mundo vivo e em continua evolução; deixaria de ser uma religião viva e dinâmica,
desaparecendo nos porões de um museu.
Difícil seria
encontrar na história do Cristianismo primitivo homem que tão perfeitamente
como Agostinho, tenha simbolizado essa rigidez elástica da religião cristã.
Mesmo Paulo não representa tão harmonicamente essa admirável sintonização de
dois elementos, à primeira vista antagônicos e inconciliáveis. Em Paulo prevalece
o primeiro elemento sobre o segundo, devido à sua educação israelita e às circunstâncias
em que se desenrola a sua vida.
Todo organismo
sadio e dotado de suficiente vitalidade assimila, das substâncias que recebe,
apenas aqueles elementos que harmonizam com a índole peculiar do seu princípio
vital específico, repelindo ou eliminando ao mesmo tempo as substâncias heterogêneas
e inaptas para servirem de material de construção.
Organismo doentio
ou decrépito isola-se, recusa-se a receber elementos estranhos, porque não se
sente com forças suficientes para incorporá-los no seu Eu, se enfraquecendo, perdendo
a primitiva elasticidade e acabando por se petrificar na inércia da sua
rigidez.
Todos os períodos
de intolerante repulsão de ideias alheias têm sido tempos de estagnação ou
decadência espiritual, ao passo que todas as épocas assinaladas por uma
intrépida e corajosa assimilação de elementos novos e bons têm sido tempos de
expansão e fecunda prosperidade.
Os regimes político-sociais
de quase todos os países do globo, se convenceram na primeira metade do século vinte,
de que sua vida e prosperidade dependem da assimilação de ideias novas, ideias
que em vão procurariam nas legislações dos séculos passados. Quem teria pensado
em 1900 que, dentro de poucos decênios, os países mais acentuadamente
tradicionais e de motivação capitalista, criassem leis em que ocorre elevada
dose de espírito socialista? Foi o próprio instinto de conservação que tal
modificação produziu, porquanto essa criteriosa socialização era a única
possibilidade de preservar do totalitarismo e ditaduras, a própria sociedade. É
o evolucionismo no terreno social. Ou se adaptar - ou perecer. Ou assimilar o
assimilável – ou definhar por falta de assimilação orgânica. A injeção de um
socialismo sensato e construtor era o único meio de vacinar eficazmente o
organismo social e imunizá-lo contra o vírus letal das formas totalitárias e
ditatoriais de certos regimes políticos.
Muitas vezes, as
lições que recebemos na escola dos nossos inimigos são mais proveitosas do que
as que ministram os amigos. O inimigo conhece, geralmente, melhor as fraquezas,
e, sobretudo, tem a sinceridade para dizê-las com o verdadeiro nome. Sempre é
preferível a verdade austera à uma mentira sutil.
O que parte do
mundo político-social está realizando inteligentemente, poderia realizar também,
dentro das devidas normas, no seio da vida espiritual! Não seria possível
harmonizar a tradição com a evolução, como aliás, em muitos aspectos se está
fazendo?
Porque não poderia
o católico dos dias de hoje aceitar a ideologia da maior personalidade da igreja
do quarto e do quinto século?
Porque não
revestiríamos de trajes novos as verdades antigas? Não era o que dizia Jesus?
Porque proporíamos aos intelectuais da sociedade moderna as verdades do
Cristianismo como se eles fossem crianças de catecismo, ingênuas, sem nenhuma
autonomia espiritual?
O fato de nos aproveitarmos
da ideologia dos nossos inimigos e com ela enriquecermos as nossas próprias
ideias, já supõe notável elasticidade de espírito e grande plenitude de
personalidade. O espírito fraco, mesquinho, inseguro de si mesmo, procura a
salvação das suas ideias em fanáticas e intolerantes afirmações, num absoluto e
incondicional repúdio de toda e qualquer mentalidade com o qual esse espírito
não se afina.
-- O espírito aberto
e sensato envolve, abrange e procura a verdade dentro do próprio erro.
-- O espírito acanhado
e tolo é exclusivista e só enxerga erros absurdos para além das fronteiras da
própria verdade.
A verdade integral
é rara - como raro é o erro total. A verdade só em Deus, e o erro só onde
expira a última centelha da divindade. Mas onde seria isto? Quem teria a
temeridade de traçar categoricamente a linha divisória entre a verdade integral
e o erro absoluto?
Em face disto se
compreende a serena aceitação e a carinhosa indulgência que se encontra em
espíritos de alta sintonia com a divindade.
Tanto eles, como Paulo,
sabem que “imperfeito é o nosso conhecer, imperfeito o nosso profetizar”. Sabem
que o atual saber não é luz e nem trevas intensas, mas uma penumbra, e aceitam
a ideia de que o que o homem sabe, é apenas uma gota d’água no oceano de sua
ignorância. E Agostinho, depois de aceitar plenamente o Cristianismo, nunca
deixou de se aproveitar de todos os elementos assimiláveis que o paganismo e sua
separação ou cisão em matéria religiosa, lhe forneciam.
Quase
15 séculos antes de Darwin, Agostinho já defendia a Teoria do Evolucionismo e
expunha essas ideias nas suas obras. Não temia descer às profundezas do
universo e arrancar do desconhecido, novas ideias, mesmo que desconcertantes. Fala
de um “universo em germe”. Afirma que o texto bíblico: “Deus creou tudo de uma
vez”, significando que naquele único ato estava terminado tudo quanto existe no
universo, não somente o céu, com o sol, a lua e as estrelas; não somente a terra
e os abismos, mas tudo quanto se ocultava na força germinadora dos elementos, muito
antes do que, no decurso dos períodos cósmicos, se desenvolvesse visível,
materializado. Como consequência, a obra dos seis dias não significa uma
sucessão cronológica, mas uma disposição lógica, onde o homem faz parte daquela
creação em germe. Deus o creou assim como creou a erva antes que ela existisse.
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Crear um ser antes
que ele exista é o crear implicitamente, em germe, antes que exista
explicitamente, em forma definitiva. Professar ideias tão avançadas, na
obscuridade dos primeiros séculos, num ambiente teológico que jamais cogitara
semelhante ideia, é prova de coragem e liberdade de espírito. Neste sentido,
com toda certeza, o velho e sisudo São Jerônimo de Estridão, lá na sua caverna
de Belém, teria balançado a cabeça, ao ler tão estratosféricas ideologias de
seu colega africano!
Há quem considere
os três decênios de paganismo e maniqueísmo - doutrina segundo a qual o mundo
se divide em dois princípios, o bem (Deus) e o mal (Diabo) - de Agostinho como
simples produto do seu veemente sensualismo, e quem leu apenas a sua autobiografia
juvenil “Confissões”, fica com esta ideia imperfeita e unilateral. Entretanto,
quem estuda com atenção as suas obras; quem consegue ouvir os imperceptíveis
ecos de certos pensamentos, acaba por se convencer de que a mais intensa luta
de Agostinho não foi a do espírito contra a carne, mas o doloroso conflito
entre autonomia e autoridade. E esta é a mais angustiosa de todas as tragédias
espirituais que transforma num campo de batalha a vida íntima de muitos
pensadores da humanidade.
Quanto mais o
homem pensa, tanto mais se acentua a autonomia da sua personalidade, tanto mais
se definem os contornos do seu Eu. O homem obtuso, o homem medíocre, o morto
vivo, que usa mais da emoção que da razão, é semiconsciente da sua própria
personalidade; e por isso mesmo não tem a consciência integral da sua liberdade
e autonomia espiritual. Mas o homem habituado a projetar as luzes da sua
inteligência no mundo das externalidades e no mundo de seu interior, se torna
aos poucos um ser plenamente consciente da sua personalidade e do valor dessa
personalidade. Atinge, por isso mesmo, o apogeu da autonomia pessoal.
A autoridade,
porém, exige obediência e sujeição, não a razões conhecidas, mas simplesmente a
uma ordem recebida. Pode esta ordem coincidir ou não com a razão conhecida, e pode
até contradizer a mesma. Neste último caso, arma-se um conflito entre autonomia
e autoridade. O triunfo desta é necessariamente a derrota daquela, e vice-versa.
Agostinho, dono de
uma poderosa inteligência e dotado de forte senso de personalidade, não podia
deixar de sentir em si uma intensa autonomia personal. E foi precisamente este
anseio de liberdade intelectual, dentro do ambiente cristão, que o levou a abraçar
o maniqueísmo, o cristianismo racionalista, no qual viveu nove anos.
E, no entanto, ele
se torna mais tarde, árduo defensor da autoridade, e não apenas defensor
teórico, e também cumpridor real de mandatos superiores.
Como se harmonizam
nele a autonomia e a autoridade? E, antes de tudo, o que o levou a admitir o
que parecia destruir a sua autonomia personal? Será que um homem tão personal
como Agostinho se despersonalizou? Que imolou sobre o altar da autoridade a sua
liberdade e independência espiritual?
É precisamente
aqui, no supremo zênite da sua intensidade, que o drama dessa grande alma
atinge o mais profundo nadir da sua angustia espiritual. Quem não segue Agostinho
nas trevas dessa agonia interior, não conhecerá jamais o verdadeiro autor de “Confissões”,
“A Cidade de Deus”. Quem soube harmonizar numa grande síntese essas duas antíteses
- autonomia e autoridade - e sobre ela construir a tese do seu cristianismo,
devia possuir dentro do Eu poderosas energias construtoras.
Se o homem fosse
apenas inteligência, razão pura, talvez faria muito no alto da sua ascensão racional,
independente, autônoma, onde o rochedo desce em linha vertical para um abismo
sem fundo. Lúcifer, inteligência pura, parece ter seguido esta filosofia autonomista.
Mas ... o homem é,
antes de tudo, um faminto de amor e felicidade, um ser totalitário que não
descansa numa realização parcial, mas suspira pela realização completa,
integral, definitiva da sua personalidade.
O centro da sua
personalidade reflete beatitude.
E o amuleto desta
beatitude se chama amor.
Se a autonomia,
potencializada ao infinito, pudesse dar essa beatitude do amor, Agostinho seria,
certamente, o maior revolucionário e o mais violento demolidor da autoridade.
Mas ele era por
demais inteligente para não perceber que o desejo de desenfreada autonomia
acabaria por levá-lo aos solitários glaciares de uma orgulhosa liberdade
pessoal, porém nunca à suave comunhão de almas, a uma assembleia de espíritos,
a uma igreja de filhos de Deus ...
Nem só de ideias
vive o homem - mas também de ideais ...
Nem só da
inteligência - mas também do coração ...
E Agostinho,
sempre mais platônico que aristotélico, sob o impulso do coração, subordinou a
autonomia à autoridade. Não sacrificou o seu Eu, não abdicou da personalidade, mas
a disciplinou a favor da comunidade.
Associou o Eu ao seu
semelhante, e assim, em comunhão de ideias e ideais, seguiu as diretivas de Deus
– manifestando em si mesmo, a ideia e ideal de comunidade ... “Onde quer que
dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estarei eu no meio deles”.
E foi assim que Agostinho,
depois de renunciar ao amor humano, apaixonou-se por um outro amor, sobre-humano;
e, como ao primeiro amor feminino, consagrara as energias da sua ardente
mocidade, assim dedicou ao último amor, divino, todas as potencias da sua
personalidade.
Depois das “Confissões”
não se percebe mais em suas obras, a revolta da carne contra o espírito; mas
continuam, através de todos os seus escritos, até o fim da vida, os clamores da
inteligência, mantida em prudente sujeição pela vontade. E estes clamores só
expiraram no dia e na hora em que a autonomia e a autoridade se fundiram na sinfonia
da Divindade.
Toda fecundidade
espiritual, todo o enriquecimento interior, nasce invariavelmente de um
problema, de um conflito de contrastes que reclamam harmonização. É por isto
que todos os grandes feitos do espírito são o resultado de uma profunda e
dolorosa tragicidade, pois sem resistência não há evolução. E os grandes homens
são quase sempre mártires da sua própria missão. As almas estáticas, planas, medíocres,
sem tenebrosos abismos nem luminosas alturas, sem dinâmica nem paixões, são
geralmente infecundas, estéreis, porque são almas sem alta-tensão, sem
potencialidade, sem a necessária voltagem para provocar grandes movimentos no
cosmos dos espíritos ou da sociedade, e muitas vezes servem de entrave aos espíritos
superiores em suas grandes realizações.
Com a extinção do
fator “problema” estaria estancada a fonte perene das energias vitais da
humanidade.
Da força
centrípeta da atração, contrabalançada pela força centrífuga da repulsão, nasce
a harmonia do universo.
A grande sinfonia
cósmica é resultado de duas energias contrarias sabiamente harmonizadas.
Semelhantemente, da potência centrípeta do egoísmo autonomista e da potência
centrífuga do altruísmo da obediência, nasce a beleza espiritual, que é a
sintonização de contrastes interiores.
* * *
Milhares de exaltações
ao Cristianismo têm sido escritas desde que, no segundo século, Justino Mártir
exibiu ao imperador Adriano a defesa dos Evangelhos, com os principais
documentos da fé cristã, como revelações da verdade divina; mas nenhuma dessas exaltações
verbais equivale à exaltação real que, segundo os Atos dos Apóstolos, Mateus,
Marcos, João e Lucas (Quadratos), representavam a caridade fraterna dos
cristãos do primeiro século.
Agostinho, como
cristão sincero, não podia deixar de colocar no centro da sua vida a caridade,
como alma do Cristianismo.
“Um novo
mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros assim como eu vos tenho amado
... por isto, o mundo há conhecer que sois discípulos meus: em vos amardes uns
aos outros”.
“Se eu falasse a língua
dos homens e dos anjos, mas não tivesse a caridade, não passaria dum metal
sonoro e duma campainha a tinir. E se eu possuísse dom da profecia, se
penetrasse todos os mistérios, se tivesse todos os conhecimentos, se possuísse
uma fé capaz de transportar montanhas, mas não tivesse a caridade - nada seria.
Se distribuísse aos pobres todos os meus haveres, se entregasse o meu corpo à
fogueira, mas não tivesse a caridade - de nada me aproveitaria isto. A caridade
é paciente, a caridade é benigna, a caridade não é ciumenta, não é ambiciosa,
não é enfatuada, não é orgulhosa, não é interesseira, não se irrita, não guarda
rancor, não ampara a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo suporta, tudo
crê, tudo espera, tudo sofre - a caridade não acaba jamais ... Por ora ficam a
fé, a esperança e a caridade, e entre estas três - a maior delas, porém, é a
caridade” ...
É por estas
palavras de Paulo e de outros grandes discípulos que o verdadeiro cristão
orienta a sua vida, segundo as mensagens de Jesus.
Agostinho, o “doutor
da graça”, como é chamado, bem podia ser apelidado de “doutor da caridade”. Uma
vez que abraçara o Cristianismo, queria, antes de tudo, abraçar a alma do
Cristianismo. Pois de que lhe serviria um Cristianismo sem alma? Um Cristianismo
ao qual faltasse o testamento de Jesus - esse Cristianismo não passaria de um
pseudocristianismo. Por demais pesado tinha sido o sacrifício que Agostinho
fizera. Só um Cristianismo integral é que lhe encheria o vácuo imenso que na
alma lhe deixara a completa e definitiva renuncia às satisfações da sua vida
pagã e sensual.
O que Agostinho
escreveu sobre o amor de Deus manifestado em caridade humana é o que há de mais
belo, profundo e sublime em toda a literatura cristã, depois da palavra divina
das Escrituras... e ele vivia as suas ideias!
E como poderia um
homem viver o amor de Deus sem viver a caridade ao próximo? como se poderia
amar a Deus sem amá-lo também em sua personificação humana? “Façamos o homem à
nossa imagem e semelhança!” ... A verdadeira caridade é a mais difícil de todas
as virtudes. É a virtude dos heróis, das almas perfeitas, o “vinculo da
perfeição”, no dizer de Paulo. Entrarão na “vida eterna” - diz Jesus - tão
somente os filhos da caridade, e irão para o “suplício eterno” todos os filhos
da falta de caridade. A caridade ou a falta de caridade que o homem fizer ao
“menor de seus irmãos”, a ele mesmo é que a fará. Famintos, sequiosos, nus,
presos, doentes, homens refugiados sem pátria e sem lar, vítimas dos tormentos
do corpo e dos martírios do espírito - estes são os “menores” dentre os irmãos
dos homens. É, pois, necessário amar a suprema perfeição divina na mais caótica
imperfeição humana. É necessário divisar através da mais baixa condição de vida
humana, os mais puros fulgores da Divindade. De tamanho heroísmo, só o homem
crístico é que é verdadeiramente possuidor, o homem que incinerou o próprio Eu
na pira sagrada do amor de Deus, o homem que fez de si mesmo, um voluntário,
espontâneo e irrevogável sacrifício à Divindade.
Agostinho, que, de
experiência própria, sabia e viveu seus amores humanos, sabia também amar de
maneira crística. Nas paredes do seu refeitório em Hipona mandou gravar, em
caracteres enormes, uma legenda que a todo e qualquer hóspede era proibido severamente
a menor alusão não caridosa a pessoas ausentes.
Na encarniçada
luta contra outras ideologias, ele nunca deixou de se guiar pelo clássico lema:
“Guerrear os erros e amar os errantes.”
A sua breve e
célebre sentença: “Descobrir a verdade mesmo no erro”, nascia do sincero desejo
de não ofender o adversário e crer na sua boa-fé.
Se é possível, em
nossos dias, fazer do indivíduo e da sociedade, um conjunto crístico em
harmonia, só será possível sobre o lema da caridade ...
“Agora permanecem
a fé, a esperança e a caridade, dessas três - a maior delas, porém, é a
caridade”.
__________________
1)- Quem nasceu
primeiro: o ovo ou a galinha?
Essa é uma
pergunta que há gerações vive sendo feita, e segundo o que se entende, continua
um grande mistério para a humanidade materialista. Não importa em que círculo
de pensadores ela ocorre, sim, porque desde em centros acadêmicos e em
conversas descontraídas, ela ocorre. Alguns indicam, segundo estudos de DNA,
que o embrião é presente no ovo, e, consequentemente, veio primeiro, ou o contrário,
de que a galinha surgiu primeiro. Outros afirmam o processo evolutivo, pois os
dinossauros também botavam ovos.
Já Aristóteles,
afirmava que: “não pode ter existido um primeiro ovo para dar origem aos pássaros,
nem pode ter existido um primeiro pássaro para dar origem ao ovo”. Assim sendo,
o famoso filósofo e polímata grego já vislumbrava a verdade de que o que nasceu
primeiro, foi exatamente a ideia da existência da galinha. Ela foi pensada
pelas potências creadoras, assim como tudo o que existe no universo. Nada
aconteceu casualmente, mas foi causado, pensado, creado, independentemente de
prováveis processos evolucionários que decorreram durante os séculos.
Srinivasa Ramanujam, um
dos maiores gênios da matemática, afirmou: “Uma equação não significa nada para
mim a menos que expresse um pensamento de Deus.” E Einstein, outro genial
cientista foi enfático quando disse que: “Todo aquele que está seriamente
envolvido na busca da ciência, é convencido de que um espírito é manifestado
nas leis do Universo, o qual é muitíssimo superior ao do homem”.
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