Monday 12 April 2021

AGOSTINHO DE HIPONA - Um Drama de Miséria Humana e Misericórdia Divina

Durante seus estudos na Universidade de Princeton, de 1945 a 1946 como bolsista em ciências - onde pode conviver com Albert Einstein - Huberto Rohden fez a doação à biblioteca do Seminário Teológico da universidade, de um dos volumes de seu livro Agostinho, que traça a trajetória de um homem que se notabilizou pela existência profana, comum a qualquer indivíduo na sua idade, até se revelar no salto quântico de sua espiritualidade, com pouco mais de 30 anos.

O volume original, autografado pelo autor, foi digitalizado em 2006 e pode ser encontrado em:

https://drive.google.com/file/d/0B6bn6CL5zMVZczVRU3RvZ2w4blk/view?usp=sharing

Infelizmente, não consta das edições recentes, os escritos preliminares no texto REALIDADES ESPIRITUAIS, que aqui, nesta postagem revisada, é entregue aos leitores como complementação e que oferece alguns parágrafos de absoluta sabedoria atemporal do filósofo, educador e teólogo brasileiro.

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Dentre a série de livros biográficos escritos por Huberto Rohden, constam dois em particular, publicados entre 1939 e 1940: Paulo de Tarso e Agostinho, onde o autor não procura louvar o grande desbravador do Evangelho, e nem a célebre eminência de Agostinho, como discípulo espiritual de Paulo, mas antes, cantar a apoteose daquele que os inspiraram: pelo qual por amor viveu, lutou e morreu o convertido de Damasco, assim como que do abismo, chamou Agostinho às alturas, pois a figura apoteótica de Jesus na vida de um e de outro, só se compara quando se exalta a grandeza do sol nas maravilhas que produz na vida da terra.

-- Paulo, um fanático religioso e ferrenho defensor do formalismo ritual da lei mosaica!

-- Agostinho, apaixonado cultor do materialismo e do sensualismo carnal!

Se esses dois autênticos representantes das suas escolas encontraram no Cristianismo o supremo ideal de vida, a força nas lutas, e a consolação na morte, prova que no Cristianismo habita uma estupenda realidade espiritual; realidade superior a qualquer fanatismo, e a toda sedução da carne.

Se Paulo sacrificou o seu farisaísmo sobre o altar da cruz do Gólgota; se Agostinho ofereceu sobre o altar do Evangelho o holocausto das suas paixões impuras – então, nenhum homem tem o direito de conceber que o Cristianismo seja apenas uma bela teoria, um acontecimento passado ou uma religião para um pequeno grupo de almas piedosas e segregadas da vida real. Não, não tem esse direito! O Cristianismo, assim como brotou da alma de Jesus, é a mais estupenda realidade espiritual, não só no primeiro século, mas em todos os séculos vindouros da história da humanidade.

Paulo e Agostinho juraram lealdade e compromisso ao Evangelho, precisamente no ápice de suas forças físicas e intelectuais, entre os 30 e 40 anos de idade.

Mas essa força divina que vive e palpita no Cristianismo, só atua na alma humana quando ela é tomada na sua plenitude, tal qual existe nas páginas dos quatro Evangelhos.

O Cristianismo na sua integridade, foi o único evento racional histórico que tem o poder de crear heróis de humana grandeza; só ele encerra a divina energia de arrasar todas as potências adversas e fazer despontar dentro da alma um novo universo de realidades espirituais.

E no centro deste cosmos está, como foco de luz e de energias, o “mandamento máximo” do seu autor: o amor de Deus manifestado em ética humana. Todo e qualquer outro evento que se rotule de cristianismo, que desloque do centro e passe para a periferia este sol do sistema planetário evangélico, provoca funestos cataclismos no universo cristão, porque desequilibra as forças cósmicas e perturba a harmonia do verdadeiro Cristianismo.

Se a cristandade pecou contra o Cristianismo, o seu pecado consiste em lhe ter arrancado a alma, em ter tirado do seu núcleo, a suprema lei do amor de Deus e do próximo. E este pecado não é compensado por nenhuma outra “virtude”, por nenhuma tentativa de transferir, da periferia para o centro, algum outro preceito, por mais importante, sublime e divino que pareça. Ou a humanidade aceita o Cristianismo tal qual ele brotou da alma de Jesus, ou não deve professar outro Cristianismo. Pode criar um cristianismo “condicionando”, um cristianismo do oriente ou do ocidente, um cristianismo antigo, medieval ou moderno, mas, se assim fizer, que tenha a sinceridade de dizer que esta modalidade, se é cristianismo, não é O CRISTIANISMO, e que não cometa o abominável sacrilégio de querer pregar ao mundo um cristianismo subjetivo, como sendo o verdadeiro.

Se algo existe pelo qual possa o homem viver e trabalhar, lutar e sofrer, satisfeito e feliz, é o Evangelho da redenção e do amor, que Jesus espalhou pelas terras da Palestina e propagou até aos confins do planeta.

Depois do homem integral que ele foi, nunca mais existiu homem que personificasse integralmente a alma do Cristianismo. Mas felizmente, também nunca faltaram cristãos que atingissem elevado grau de espírito que vive e palpita nas páginas do Evangelho.

Paulo de Tarso, depois de ver em ruínas o seu mosaísmo farisaico, pode afirmar de plena consciência: “Já não vivo eu - Cristo é que vive em mim ... A minha vida é Cristo, e morrer me é lucro ... Diante da plena sabedoria de Cristo, considero como lixo todas as grandezas do mundo”.

Agostinho, após a derrocada do seu orgulhoso paganismo e do tédio dos seus amores sensuais, arranca da alma um grito de náufrago lançado à praia: “Quão tarde te amei, ó antiga e sempre nova Formosura, quão tarde te amei! ... fizeste-nos para ti Senhor, e inquieto está o nosso coração até que em ti descanse”.

Paulo e Agostinho, ainda que de distintas personalidades, empenharam grandes esforços para concretizarem em suas vidas, a luminosa essência do Cristianismo, deixando um legado de fé e ideal para que a humanidade possa seguir seus passos na jornada ascensional de cristianização.

Agostinho, filho de Mônica, é discípulo espiritual do homem de Tarso, tanto assim que uma epístola paulina lhe deu o derradeiro impulso para a conversão definitiva, e durante toda a vida, foi seguidor devoto do pioneiro do Evangelho. Mas, tanto na conversão como na subsequente atividade apostólica, difícil seria encontrar pontos de contacto entre ambos, a despeito de terem levado o Cristianismo a sério; por ele viveram, por ele lutaram e morreram. Mas cada um desses cristais humanos, reflete diversamente a “luz do mundo que ilumina todo o homem”. O vermelho não deixa de ser luz genuína pelo fato de não ser verde ou azul, uma vez que é o resultado da decomposição da luz branca, incolor, síntese e plenitude de todas as cores do arco-íris. Todo o cristão sincero é um reflexo autêntico do grande foco divino que despontou sobre a humanidade; mas cada cristão representa o sol do Cristianismo através do prisma particular do seu caráter, do seu gênio, da sua educação, do ambiente em que vive, das ideologias que lhe modelaram a inteligência e o coração, colocando-o numa determinada perspectiva para contemplar o sol da revelação cristã. O conjunto de todas as cores e matizes das almas cristãs é que representa a luz solar completa, o “corpo místico” de Jesus, o sol, a luz integral.

Contemplar, estudar, analisar o Cristianismo deste ou daquele discípulo sincero, contribui grandemente para formar uma ideia mais perfeita de Jesus, e dessa forma, uma melhor compreensão de que o Cristianismo é um organismo espiritual ao mesmo tempo rígido e elástico. A sua rigidez lhe garante, à luz da providência e da autoridade divina, a resistência vitoriosa contra todos os assaltos de seus inimigos. A sua elasticidade lhe assegura perfeita adaptabilidade a todo e qualquer ambiente histórico e ideológico, sem sacrifício do caráter do seu espírito.

Se faltasse ao Cristianismo a necessária rigidez, correria perigo de ser destruído, e se lhe faltasse a devida elasticidade, acabaria por se isolar como uma anomalia inerte no meio de um mundo vivo e em continua evolução; deixaria de ser uma religião viva e dinâmica, desaparecendo nos porões de um museu.

Difícil seria encontrar na história do Cristianismo primitivo homem que tão perfeitamente como Agostinho, tenha simbolizado essa rigidez elástica da religião cristã. Mesmo Paulo não representa tão harmonicamente essa admirável sintonização de dois elementos, à primeira vista antagônicos e inconciliáveis. Em Paulo prevalece o primeiro elemento sobre o segundo, devido à sua educação israelita e às circunstâncias em que se desenrola a sua vida.

Todo organismo sadio e dotado de suficiente vitalidade assimila, das substâncias que recebe, apenas aqueles elementos que harmonizam com a índole peculiar do seu princípio vital específico, repelindo ou eliminando ao mesmo tempo as substâncias heterogêneas e inaptas para servirem de material de construção.

Organismo doentio ou decrépito isola-se, recusa-se a receber elementos estranhos, porque não se sente com forças suficientes para incorporá-los no seu Eu, se enfraquecendo, perdendo a primitiva elasticidade e acabando por se petrificar na inércia da sua rigidez.

Todos os períodos de intolerante repulsão de ideias alheias têm sido tempos de estagnação ou decadência espiritual, ao passo que todas as épocas assinaladas por uma intrépida e corajosa assimilação de elementos novos e bons têm sido tempos de expansão e fecunda prosperidade.

Os regimes político-sociais de quase todos os países do globo, se convenceram na primeira metade do século vinte, de que sua vida e prosperidade dependem da assimilação de ideias novas, ideias que em vão procurariam nas legislações dos séculos passados. Quem teria pensado em 1900 que, dentro de poucos decênios, os países mais acentuadamente tradicionais e de motivação capitalista, criassem leis em que ocorre elevada dose de espírito socialista? Foi o próprio instinto de conservação que tal modificação produziu, porquanto essa criteriosa socialização era a única possibilidade de preservar do totalitarismo e ditaduras, a própria sociedade. É o evolucionismo no terreno social. Ou se adaptar - ou perecer. Ou assimilar o assimilável – ou definhar por falta de assimilação orgânica. A injeção de um socialismo sensato e construtor era o único meio de vacinar eficazmente o organismo social e imunizá-lo contra o vírus letal das formas totalitárias e ditatoriais de certos regimes políticos.  

Muitas vezes, as lições que recebemos na escola dos nossos inimigos são mais proveitosas do que as que ministram os amigos. O inimigo conhece, geralmente, melhor as fraquezas, e, sobretudo, tem a sinceridade para dizê-las com o verdadeiro nome. Sempre é preferível a verdade austera à uma mentira sutil.

O que parte do mundo político-social está realizando inteligentemente, poderia realizar também, dentro das devidas normas, no seio da vida espiritual! Não seria possível harmonizar a tradição com a evolução, como aliás, em muitos aspectos se está fazendo?

Porque não poderia o católico dos dias de hoje aceitar a ideologia da maior personalidade da igreja do quarto e do quinto século?

Porque não revestiríamos de trajes novos as verdades antigas? Não era o que dizia Jesus? Porque proporíamos aos intelectuais da sociedade moderna as verdades do Cristianismo como se eles fossem crianças de catecismo, ingênuas, sem nenhuma autonomia espiritual?

O fato de nos aproveitarmos da ideologia dos nossos inimigos e com ela enriquecermos as nossas próprias ideias, já supõe notável elasticidade de espírito e grande plenitude de personalidade. O espírito fraco, mesquinho, inseguro de si mesmo, procura a salvação das suas ideias em fanáticas e intolerantes afirmações, num absoluto e incondicional repúdio de toda e qualquer mentalidade com o qual esse espírito não se afina.

-- O espírito aberto e sensato envolve, abrange e procura a verdade dentro do próprio erro.  

-- O espírito acanhado e tolo é exclusivista e só enxerga erros absurdos para além das fronteiras da própria verdade.

A verdade integral é rara - como raro é o erro total. A verdade só em Deus, e o erro só onde expira a última centelha da divindade. Mas onde seria isto? Quem teria a temeridade de traçar categoricamente a linha divisória entre a verdade integral e o erro absoluto?

Em face disto se compreende a serena aceitação e a carinhosa indulgência que se encontra em espíritos de alta sintonia com a divindade.

Tanto eles, como Paulo, sabem que “imperfeito é o nosso conhecer, imperfeito o nosso profetizar”. Sabem que o atual saber não é luz e nem trevas intensas, mas uma penumbra, e aceitam a ideia de que o que o homem sabe, é apenas uma gota d’água no oceano de sua ignorância. E Agostinho, depois de aceitar plenamente o Cristianismo, nunca deixou de se aproveitar de todos os elementos assimiláveis que o paganismo e sua separação ou cisão em matéria religiosa, lhe forneciam.

Quase 15 séculos antes de Darwin, Agostinho já defendia a Teoria do Evolucionismo e expunha essas ideias nas suas obras. Não temia descer às profundezas do universo e arrancar do desconhecido, novas ideias, mesmo que desconcertantes. Fala de um “universo em germe”. Afirma que o texto bíblico: “Deus creou tudo de uma vez”, significando que naquele único ato estava terminado tudo quanto existe no universo, não somente o céu, com o sol, a lua e as estrelas; não somente a terra e os abismos, mas tudo quanto se ocultava na força germinadora dos elementos, muito antes do que, no decurso dos períodos cósmicos, se desenvolvesse visível, materializado. Como consequência, a obra dos seis dias não significa uma sucessão cronológica, mas uma disposição lógica, onde o homem faz parte daquela creação em germe. Deus o creou assim como creou a erva antes que ela existisse. 1

Crear um ser antes que ele exista é o crear implicitamente, em germe, antes que exista explicitamente, em forma definitiva. Professar ideias tão avançadas, na obscuridade dos primeiros séculos, num ambiente teológico que jamais cogitara semelhante ideia, é prova de coragem e liberdade de espírito. Neste sentido, com toda certeza, o velho e sisudo São Jerônimo de Estridão, lá na sua caverna de Belém, teria balançado a cabeça, ao ler tão estratosféricas ideologias de seu colega africano!

Há quem considere os três decênios de paganismo e maniqueísmo - doutrina segundo a qual o mundo se divide em dois princípios, o bem (Deus) e o mal (Diabo) - de Agostinho como simples produto do seu veemente sensualismo, e quem leu apenas a sua autobiografia juvenil “Confissões”, fica com esta ideia imperfeita e unilateral. Entretanto, quem estuda com atenção as suas obras; quem consegue ouvir os imperceptíveis ecos de certos pensamentos, acaba por se convencer de que a mais intensa luta de Agostinho não foi a do espírito contra a carne, mas o doloroso conflito entre autonomia e autoridade. E esta é a mais angustiosa de todas as tragédias espirituais que transforma num campo de batalha a vida íntima de muitos pensadores da humanidade.

Quanto mais o homem pensa, tanto mais se acentua a autonomia da sua personalidade, tanto mais se definem os contornos do seu Eu. O homem obtuso, o homem medíocre, o morto vivo, que usa mais da emoção que da razão, é semiconsciente da sua própria personalidade; e por isso mesmo não tem a consciência integral da sua liberdade e autonomia espiritual. Mas o homem habituado a projetar as luzes da sua inteligência no mundo das externalidades e no mundo de seu interior, se torna aos poucos um ser plenamente consciente da sua personalidade e do valor dessa personalidade. Atinge, por isso mesmo, o apogeu da autonomia pessoal.

A autoridade, porém, exige obediência e sujeição, não a razões conhecidas, mas simplesmente a uma ordem recebida. Pode esta ordem coincidir ou não com a razão conhecida, e pode até contradizer a mesma. Neste último caso, arma-se um conflito entre autonomia e autoridade. O triunfo desta é necessariamente a derrota daquela, e vice-versa.

Agostinho, dono de uma poderosa inteligência e dotado de forte senso de personalidade, não podia deixar de sentir em si uma intensa autonomia personal. E foi precisamente este anseio de liberdade intelectual, dentro do ambiente cristão, que o levou a abraçar o maniqueísmo, o cristianismo racionalista, no qual viveu nove anos.

E, no entanto, ele se torna mais tarde, árduo defensor da autoridade, e não apenas defensor teórico, e também cumpridor real de mandatos superiores.

Como se harmonizam nele a autonomia e a autoridade? E, antes de tudo, o que o levou a admitir o que parecia destruir a sua autonomia personal? Será que um homem tão personal como Agostinho se despersonalizou? Que imolou sobre o altar da autoridade a sua liberdade e independência espiritual?

É precisamente aqui, no supremo zênite da sua intensidade, que o drama dessa grande alma atinge o mais profundo nadir da sua angustia espiritual. Quem não segue Agostinho nas trevas dessa agonia interior, não conhecerá jamais o verdadeiro autor de “Confissões”, “A Cidade de Deus”. Quem soube harmonizar numa grande síntese essas duas antíteses - autonomia e autoridade - e sobre ela construir a tese do seu cristianismo, devia possuir dentro do Eu poderosas energias construtoras.

Se o homem fosse apenas inteligência, razão pura, talvez faria muito no alto da sua ascensão racional, independente, autônoma, onde o rochedo desce em linha vertical para um abismo sem fundo. Lúcifer, inteligência pura, parece ter seguido esta filosofia autonomista.

Mas ... o homem é, antes de tudo, um faminto de amor e felicidade, um ser totalitário que não descansa numa realização parcial, mas suspira pela realização completa, integral, definitiva da sua personalidade.

O centro da sua personalidade reflete beatitude.

E o amuleto desta beatitude se chama amor.

Se a autonomia, potencializada ao infinito, pudesse dar essa beatitude do amor, Agostinho seria, certamente, o maior revolucionário e o mais violento demolidor da autoridade.

Mas ele era por demais inteligente para não perceber que o desejo de desenfreada autonomia acabaria por levá-lo aos solitários glaciares de uma orgulhosa liberdade pessoal, porém nunca à suave comunhão de almas, a uma assembleia de espíritos, a uma igreja de filhos de Deus ...

Nem só de ideias vive o homem - mas também de ideais ...

Nem só da inteligência - mas também do coração ...

E Agostinho, sempre mais platônico que aristotélico, sob o impulso do coração, subordinou a autonomia à autoridade. Não sacrificou o seu Eu, não abdicou da personalidade, mas a disciplinou a favor da comunidade.

Associou o Eu ao seu semelhante, e assim, em comunhão de ideias e ideais, seguiu as diretivas de Deus – manifestando em si mesmo, a ideia e ideal de comunidade ... “Onde quer que dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estarei eu no meio deles”.

E foi assim que Agostinho, depois de renunciar ao amor humano, apaixonou-se por um outro amor, sobre-humano; e, como ao primeiro amor feminino, consagrara as energias da sua ardente mocidade, assim dedicou ao último amor, divino, todas as potencias da sua personalidade.

Depois das “Confissões” não se percebe mais em suas obras, a revolta da carne contra o espírito; mas continuam, através de todos os seus escritos, até o fim da vida, os clamores da inteligência, mantida em prudente sujeição pela vontade. E estes clamores só expiraram no dia e na hora em que a autonomia e a autoridade se fundiram na sinfonia da Divindade.

Toda fecundidade espiritual, todo o enriquecimento interior, nasce invariavelmente de um problema, de um conflito de contrastes que reclamam harmonização. É por isto que todos os grandes feitos do espírito são o resultado de uma profunda e dolorosa tragicidade, pois sem resistência não há evolução. E os grandes homens são quase sempre mártires da sua própria missão. As almas estáticas, planas, medíocres, sem tenebrosos abismos nem luminosas alturas, sem dinâmica nem paixões, são geralmente infecundas, estéreis, porque são almas sem alta-tensão, sem potencialidade, sem a necessária voltagem para provocar grandes movimentos no cosmos dos espíritos ou da sociedade, e muitas vezes servem de entrave aos espíritos superiores em suas grandes realizações.

Com a extinção do fator “problema” estaria estancada a fonte perene das energias vitais da humanidade.

Da força centrípeta da atração, contrabalançada pela força centrífuga da repulsão, nasce a harmonia do universo.

A grande sinfonia cósmica é resultado de duas energias contrarias sabiamente harmonizadas. Semelhantemente, da potência centrípeta do egoísmo autonomista e da potência centrífuga do altruísmo da obediência, nasce a beleza espiritual, que é a sintonização de contrastes interiores.

* * *

Milhares de exaltações ao Cristianismo têm sido escritas desde que, no segundo século, Justino Mártir exibiu ao imperador Adriano a defesa dos Evangelhos, com os principais documentos da fé cristã, como revelações da verdade divina; mas nenhuma dessas exaltações verbais equivale à exaltação real que, segundo os Atos dos Apóstolos, Mateus, Marcos, João e Lucas (Quadratos), representavam a caridade fraterna dos cristãos do primeiro século.

Agostinho, como cristão sincero, não podia deixar de colocar no centro da sua vida a caridade, como alma do Cristianismo.

“Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros assim como eu vos tenho amado ... por isto, o mundo há conhecer que sois discípulos meus: em vos amardes uns aos outros”.

“Se eu falasse a língua dos homens e dos anjos, mas não tivesse a caridade, não passaria dum metal sonoro e duma campainha a tinir. E se eu possuísse dom da profecia, se penetrasse todos os mistérios, se tivesse todos os conhecimentos, se possuísse uma fé capaz de transportar montanhas, mas não tivesse a caridade - nada seria. Se distribuísse aos pobres todos os meus haveres, se entregasse o meu corpo à fogueira, mas não tivesse a caridade - de nada me aproveitaria isto. A caridade é paciente, a caridade é benigna, a caridade não é ciumenta, não é ambiciosa, não é enfatuada, não é orgulhosa, não é interesseira, não se irrita, não guarda rancor, não ampara a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre - a caridade não acaba jamais ... Por ora ficam a fé, a esperança e a caridade, e entre estas três - a maior delas, porém, é a caridade” ...

É por estas palavras de Paulo e de outros grandes discípulos que o verdadeiro cristão orienta a sua vida, segundo as mensagens de Jesus.

Agostinho, o “doutor da graça”, como é chamado, bem podia ser apelidado de “doutor da caridade”. Uma vez que abraçara o Cristianismo, queria, antes de tudo, abraçar a alma do Cristianismo. Pois de que lhe serviria um Cristianismo sem alma? Um Cristianismo ao qual faltasse o testamento de Jesus - esse Cristianismo não passaria de um pseudocristianismo. Por demais pesado tinha sido o sacrifício que Agostinho fizera. Só um Cristianismo integral é que lhe encheria o vácuo imenso que na alma lhe deixara a completa e definitiva renuncia às satisfações da sua vida pagã e sensual.

O que Agostinho escreveu sobre o amor de Deus manifestado em caridade humana é o que há de mais belo, profundo e sublime em toda a literatura cristã, depois da palavra divina das Escrituras... e ele vivia as suas ideias!

E como poderia um homem viver o amor de Deus sem viver a caridade ao próximo? como se poderia amar a Deus sem amá-lo também em sua personificação humana? “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança!” ... A verdadeira caridade é a mais difícil de todas as virtudes. É a virtude dos heróis, das almas perfeitas, o “vinculo da perfeição”, no dizer de Paulo. Entrarão na “vida eterna” - diz Jesus - tão somente os filhos da caridade, e irão para o “suplício eterno” todos os filhos da falta de caridade. A caridade ou a falta de caridade que o homem fizer ao “menor de seus irmãos”, a ele mesmo é que a fará. Famintos, sequiosos, nus, presos, doentes, homens refugiados sem pátria e sem lar, vítimas dos tormentos do corpo e dos martírios do espírito - estes são os “menores” dentre os irmãos dos homens. É, pois, necessário amar a suprema perfeição divina na mais caótica imperfeição humana. É necessário divisar através da mais baixa condição de vida humana, os mais puros fulgores da Divindade. De tamanho heroísmo, só o homem crístico é que é verdadeiramente possuidor, o homem que incinerou o próprio Eu na pira sagrada do amor de Deus, o homem que fez de si mesmo, um voluntário, espontâneo e irrevogável sacrifício à Divindade.

Agostinho, que, de experiência própria, sabia e viveu seus amores humanos, sabia também amar de maneira crística. Nas paredes do seu refeitório em Hipona mandou gravar, em caracteres enormes, uma legenda que a todo e qualquer hóspede era proibido severamente a menor alusão não caridosa a pessoas ausentes.

Na encarniçada luta contra outras ideologias, ele nunca deixou de se guiar pelo clássico lema: “Guerrear os erros e amar os errantes.”

A sua breve e célebre sentença: “Descobrir a verdade mesmo no erro”, nascia do sincero desejo de não ofender o adversário e crer na sua boa-fé.

Se é possível, em nossos dias, fazer do indivíduo e da sociedade, um conjunto crístico em harmonia, só será possível sobre o lema da caridade ...

“Agora permanecem a fé, a esperança e a caridade, dessas três - a maior delas, porém, é a caridade”.

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1)- Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?

Essa é uma pergunta que há gerações vive sendo feita, e segundo o que se entende, continua um grande mistério para a humanidade materialista. Não importa em que círculo de pensadores ela ocorre, sim, porque desde em centros acadêmicos e em conversas descontraídas, ela ocorre. Alguns indicam, segundo estudos de DNA, que o embrião é presente no ovo, e, consequentemente, veio primeiro, ou o contrário, de que a galinha surgiu primeiro. Outros afirmam o processo evolutivo, pois os dinossauros também botavam ovos.

Já Aristóteles, afirmava que: “não pode ter existido um primeiro ovo para dar origem aos pássaros, nem pode ter existido um primeiro pássaro para dar origem ao ovo”. Assim sendo, o famoso filósofo e polímata grego já vislumbrava a verdade de que o que nasceu primeiro, foi exatamente a ideia da existência da galinha. Ela foi pensada pelas potências creadoras, assim como tudo o que existe no universo. Nada aconteceu casualmente, mas foi causado, pensado, creado, independentemente de prováveis processos evolucionários que decorreram durante os séculos.

Srinivasa Ramanujam, um dos maiores gênios da matemática, afirmou: “Uma equação não significa nada para mim a menos que expresse um pensamento de Deus.” E Einstein, outro genial cientista foi enfático quando disse que: “Todo aquele que está seriamente envolvido na busca da ciência, é convencido de que um espírito é manifestado nas leis do Universo, o qual é muitíssimo superior ao do homem”.             

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