Tuesday 13 April 2021

NA IMENSIDÃO DO AMAZONAS

Durante o ano de 1937, o Prof. Huberto Rohden, considerado o Paulo de Tarso brasileiro, viajou na vasta região amazônica, divulgando as mensagens do Evangelho de Jesus por meio de seus livros, palestras, conferências, encontros e distribuindo um famoso jornal de sua autoria, a “Cruzada da Boa Imprensa”, que espalhava para a humilde população local as verdades contidas no Evangelho.

Anos mais tarde, esse mesmo jornal, que chegou a ser publicado na Europa e África, acabou sendo proibido pelo clero romano, que não admitia uma voz defendendo o verdadeiro Evangelho, pois para o clero, a imagem humilde dessa pratica cristã, colocava em risco a ostentação e o luxo em que vive o evangelho do clero.

Infelizmente, até os dias atuais, os fiéis católicos são mantidos artificialmente na ignorância da verdadeira catolicidade cristã, e toda essa adulteração começou no século 4, quando o sacerdócio, de ideal apostólico, passou a ser uma profissão lucrativa, fonte de prestigio social, político e econômico. Enquanto o sacerdócio não se reintegrar no espírito de absoluta gratuidade proclamada por Jesus, o pseudo catolicismo clerical não será substituído pela catolicidade de Cristo.

Huberto Rohden, após 25 anos de sacerdócio, com quase 100 obras literárias escritas e posteriormente proibidas pelo clero, decidiu abandonar a igreja católica e se voltar ao pensamento independente, filosófico e educacional-crítico, de seu trabalho cristão em favor de toda a humanidade.

Abaixo, um pequeno trecho de sua visão objetiva e mística dessa grandiosidade na natureza, retirado de sua obra autobiográfica de dois volumes, “Por Um Ideal”, que é uma fascinante jornada pelo interior de sua dimensão humana, assim como, pelos mais distantes rincões de um país cheio de cores e diversidades.

“A estupenda exuberância e deslumbramento da sua flora e fauna, não pode ser descrita na silenciosa brancura de uma folha de papel inerte e dar ao leitor a exultante e vibrante epopeia viva da realidade objetiva que é a floresta amazônica, pois quem não viu com os seus próprios olhos, e viveu com sua alma, essas magnificências, nunca terá exatamente a ideia do que seja essa maravilhosa creação de Deus.

Calor perene, umidade abundante, solo fértil – eis os requisitos básicos para esse eldorado do mundo vegetal e animal no clímax da sua expansão e vitalidade. Aqui imperam ainda, em toda sua majestade, os longínquos períodos pré-históricos da era mesozoica, quando as condições no planeta se achavam empenhadas nessa dramática evolução que assinala a transição da adolescência para a maturidade. Aqui, o livro do Genesis continua aberto, em plena evolução do segundo ou terceiro “dia da creação” ...

No meio dessas selvas tropicais, novamente me invadiu o desejo de estar a sós para sempre, com Deus e minha alma - a voz do meu estranho egoísmo místico. Porque será que o contato com a natureza virgem nos inspira essa profunda e benéfica quietude interior – quietude que poderá, ao mesmo tempo converter-se em malefício, num veneno inebriante?

Os místicos orientais costumam dizer que a natureza revela e vela a Deus, e isso é profundamente verdadeiro. Revela, manifesta, porque é obra de Deus: vela, oculta, porque esta revelação é incompleta. Na natureza não humana, Deus aparece como um poder impessoal, revelado pelo imperativo ético do dever moral. No entanto, Deus não é impessoal, como aparece na natureza, nem pessoal, como aparece na consciência humana, mas supra personal, ou melhor, Todo-pessoal, como aparece na experiência íntima dos grandes videntes e místicos, quando “arrebatados ao terceiro céu”, percebem “ditos indizíveis”, como diz Paulo de Tarso, depois de passar pela zona do impessoal e do pessoal e aterrissar nas praias desconhecidas do Todo-pessoal cujo conteúdo é “dito” à alma, mas não pode ser dito pelo intelecto ou pelos lábios humanos. Permitir-se ser absorvido e embriagado pelo fascínio impessoal da natureza é um perigo sutil, um veneno suavemente mortal para o homem sensível o suficiente a essa sedução, mas ainda não suficientemente iniciado na personalidade única do mundo divino ...

Quem jamais experimentou, no seu subconsciente, essa veemente sucção dos misteriosos abismos da natureza não humana, sabe do perigo que há nessas inebriantes melodias das tenebrosas Circes das profundezas e das fascinantes Sereias de ilhas longínquas ... E sabe também que esses demônios dos abismos de mundos desconhecidos só se transformam em anjos de alturas celestes depois que o homem ingressou na intensa luz de uma experiência do reino de Deus dentro dele mesmo. Para esse homem cessou a funesta sucção do redemoinho rumo ao abismo; a natureza se lhe tornou amiga e aliada no seu caminho em demanda ao Creador comum de ambos.

Eu pensava em tudo isto e muito mais, na misteriosa penumbra que me envolvia por entre os gigantescos troncos e as altíssimas frondes dessa imensa catedral das selvas amazônicas, ao trovejante Te-Deum da cachoeira e das discretas melodias das aves e dos insetos em redor.”

Texto revisado extraído do livro Por Um Ideal, volume II

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