As mensagens dos grandes mestres espirituais que a humanidade conhece são, quase todas enviadas numa linguagem filosófica, alegórica, simbólica, que para serem compreendidas, a faculdade mental e analítica deve ser ultrapassada para se poder atingir o nível intuitivo da razão, o Lógos, pois a vivência dessas mensagens representa a mais estupenda verticalidade mística, cujo caráter é essencialmente cósmico.
A grande dificuldade que o homem tem em compreender o espírito dessas mensagens, está na falta de vivência do conteúdo delas. Só se sabe e se compreende aquilo que se vive intimamente nas profundezas do seu ser. Saber é ser. Só quando o homem se despoja de vez do “homem adâmico”, que anda ao sabor das vontades do instinto e desejos do ego tirânico, e se revestir no “homem crístico, feito em verdade, justiça e santidade”, é que ele compreende realmente a alma dessas mensagens.
Para que o homem cruze a invisível fronteira interposta entre a simples análise mental e teológica dessas mensagens e sua intuição espiritual e cósmica, é necessário que ele crie dentro de si um clima ético favorável, porque a vivência ética é a preliminar indispensável para a experiência mística, sem a qual essas mensagens de sabedoria continuam sendo um “tesouro oculto”.
No que se refere às mensagens de Jesus, ao povo e aos chefes espirituais de Israel - sacerdotes, escribas e fariseus - por exemplo, estes foram os únicos homens contra os quais Jesus usou palavras veementes, tão ásperas que, por vezes, causam espanto. Os chama de “sepulcros caiados”, ou seja, pessoa internamente corrupta ou perversa, mas que externamente se declara virtuosa ou santa, em sínteses: hipócrita!
Ou então, de “guias cegos conduzindo outros cegos”, os acusando de “devorarem as casas das viúvas e dos órfãos, a pretexto de longas orações”, de “orarem nas esquinas das ruas a fim de serem vistos pela gente”. Na parábola do bom samaritano, Jesus mostra como dois funcionários da igreja de Israel, o sacerdote e o levita, saturados de liturgia eclesiástica, eram vazios de ética humana.
Entretanto, esta: “Vós roubastes a chave do conhecimento do reino de Deus; vós mesmos não entrais, nem permitis que entrem aqueles que quiserem entrar”, foi a mais severa censura que ele lançou aos líderes da sinagoga. Pois, em vez de mostrar o caminho certo, conduziam o povo por caminhos errados. Impossibilitavam, com as suas doutrinas humanas, que o povo bem intencionado, porém ignorante, conseguisse entrar no Reino de Deus, porque tomavam as teologias dos sacerdotes como se fossem revelação de Deus.
Esse é o maior erro de muitos mestres religiosos, através dos tempos; não serem verdadeiros iluminados por Deus, senão apenas ordenados pelos homens. Falta-lhes a profunda vertical da experiência direta do mundo espiritual, e por isso se contentam com a vasta horizontal dos preceitos humanos, litúrgicos, sacramentais, teológicos; e, quanto mais hipertrofiam o seu dogmatismo humano, tanto mais atrofiam a mística divina. Decoraram as teses e hipóteses da sua teologia escolástica, e servem essa palha seca a seus rebanhos, mantendo-os propositadamente na ignorância da verdade divina; porque no dia e na hora em que o homem chega a conhecer a verdade, liberta-se de todas as pseudoverdades.
Tomás de Aquino é considerado o maior teólogo do cristianismo eclesiástico; escreveu volumosos tratados de teologia. Mas, pelo fim da vida, teve uma visão ou revelação e nunca mais escreveu nada, dizendo: “Tudo o que escrevi é palha”!
E quando aparece no meio desse povo iludido um verdadeiro mensageiro de Deus iniciado nos mistérios do reino dos céus, todas as almas sedentas de luz e força respiram aliviadas e cheias de esperança, dizendo a si mesmas: “Nunca ninguém falou como este homem ... Fala como quem tem poder e autoridade, e não como os nossos escribas e sacerdotes”.
Os leigos ouvintes não sabem definir o estranho feitiço que lhes acontece; sentem algo que não podem descrever ... Têm a impressão de sair de um calabouço iluminado apenas por fumegantes tochas, e entrar subitamente na imensa claridade solar.
Não há maior crime do que alguém se atribuir em guia espiritual de outros sem ter experiência pessoal de Deus e do mundo invisível. O homem profano pouco mal faz aos seus semelhantes, porque ninguém o considera por guia nos caminhos incertos do universo espiritual; mas o profano que se considera iniciado nas coisas do espírito é um perigo para outros profanos que o consideram um iluminado. “Guia cego conduzindo outros cegos”.
O que leva um pseudo iluminado a se apresentar como iluminado é, quase sempre, a ambição do prestígio, a cobiça do dinheiro ou o orgulho exacerbado do ego tirânico.
Ultimamente, o Ocidente cristão foi invadido por gurus orientais, que se cercam de mistérios e vestem roupas iniciáticas, desorientando sobretudo a juventude; usam certas técnicas exóticas e termos sânscritos, fazendo crer aos incautos que com isso entram em contato direto com Deus. Alguns chegam até recomendar o uso de drogas para produzir a experiência do mundo espiritual!
Todos eles “roubaram a chave do conhecimento do reino de Deus” porque essa chave consiste numa experiência interna, de um poder de dentro, não condicionada por nenhuma formalidade externa.
“A letra mata – mas o espírito dá vida.”
O ritual dá prestígio externo – o espiritual dá força interna.
Quem exerce o ritual sem possuir o espiritual é falso profeta; roubou a chave do conhecimento do reino de Deus. Iludido, ilude os outros. Cego, conduz outros cegos e ambos tombam nos abismos da ignorância.
A ignorância do mundo espiritual é treva - a experiência é luz.
Só pode iluminar quem é iluminado.
Só pode dar aos homens quem recebe de Deus.
Só pode distribuir aos homens quem possui os tesouros da divindade.
É necessário que o guia espiritual compreenda que a única possibilidade de guiar os outros está em que ele se deixe guiar por Deus, e que nenhuma igreja ou seita lhe pode dar essa experiência. Todas as igrejas e seitas são como marcos colocados à beira do caminho da vida, nas encruzilhadas incertas; quem parar ao pé desses marcos ou se contentar em olhar na direção indicada pelas flechas, nunca chegará ao final da jornada. O marco não deve ser adorado como fim, deve apenas ser olhado como meio de orientação, e depois ultrapassado. Quem não ultrapassa os marcos dogmáticos da sua seita não cumpre o seu destino.
A alma de qualquer religião baseada no princípio da crença em um poder divino creador e na harmonia com todos os seres da creação, não é algo que se possa ensinar ou aprender intelectualmente, num curso de teologia ou de interpretação de termos bíblicos; é algo que deve ser vivido e sentido, e até sofrido, em profundo silêncio e solidão. Podem, na melhor das hipóteses, outros me guiar até ao limiar do santuário, mas só eu é que posso transpor esse limiar e encontrar o Creador, face a face.
Ninguém pode me dispensar da experiência pessoal que devo ter de Deus.
Ninguém pode ser bom e santo em meu lugar.
Ninguém pode ser meu procurador perante Deus.
A única entrada legítima no reino de Deus é a entrada honesta da experiência própria.
Todo e qualquer guia que não prepare seu discípulo para que ele possa, um dia, ter, por ele mesmo e sem o auxílio de ninguém, esse encontro pessoal com Deus é guia cego, não é condutor, mas sedutor.
O dia mais glorioso para o verdadeiro mestre é o dia em que ele se torna supérfluo e dispensável, o dia em que a alma por ele guiada já não necessita de orientador, por ter se tornado espiritualmente autônoma e independente, para andar segura e firme nos caminhos de Deus.
Texto revisado, ampliado e extraído do livro Assim Dizia o Mestre
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