Thursday 25 November 2021

O EU, O SILÊNCIO E RAMANA MAHARSHI

O ensaio abaixo, do original em inglês, “Self, Silence and Maharishi Ramana”, é de autoria do doutor em filosofia, educador, ex-professor e chefe do Departamento de Filosofia da Universidade de Nova Deli, Índia, Ashok Vohra (1949-), e que vem adicionar mais brilho em torno da figura carismática de Ramana, considerado o mais famoso sábio vidente do século XX.

Muito se tem escrito sobre Ramana, incluindo o livro Face a Face com Sri Ramana Maharshi, numa série de 202 impressões particulares de pessoas que conviveram com ele e sobre ele. No entanto, Ramana nunca se sentiu movido a formular seus ensinamentos por conta própria, seja verbalmente ou por escrito. O pouco que a ele é creditado, surgiu como respostas a perguntas feitas por seus discípulos ou por sua insistência, e apenas alguns hinos foram escritos por iniciativa própria.

Segundo Mouni Sadhu, autor conhecido do público brasileiro pelo livro DIAS DE GRANDE PAZ, Vivência da Mais Alta Yoga, edição revista e anotada por Huberto Rohden, em Maharshi, “reina o silêncio”, uma vida introspectiva, atenta apenas à sua autorrealização, a despeito de ter sido um homem que vivia no mundo, mas não sendo deste mundo.

“Refletindo sobre a questão humana, Adi Shankracharya, filósofo e teólogo indiano, em seu Bhajagovindam (poemas devocionais), afirma que: “Uma pessoa se interessa por brincar quando é criança; se interessa pelo sexo, quando é jovem, e, quando envelhece, fica perdido em pensamentos, pois ninguém está interessado em indagar o que é o verdadeiramente real”. A natureza do “verdadeiramente real” só pode ser descoberta apenas ponderando sobre as questões: “Quem é você? Quem sou eu? De onde eu vim? Quem é minha mãe? Quem é meu pai?”, persuadindo a “contemplar a natureza mutante da vida que é quase como um sonho e desistir do apego extremo”. O “verdadeiramente real”, segundo ele, não está situado no mundo exterior, mas é interno aos seres humanos, e que é preciso fazer um esforço consciente e diligente para olhar para dentro de si mesmo. O ser humano “foi creado com os órgãos dos sentidos voltados para fora e, portanto, vê o mundo externo e não o Eu interno. Quem é sábio, que deseja a imortalidade, vê o seu interior, voltando os olhos para dentro de si mesmo”.

Ramana Maharshi aprendeu esta dura verdade durante suas duas “experiências de morte”, sendo a primeira, acontecido cerca de seis semanas antes de deixar sua casa, em direção a Arunáchala em 1886, onde ele diz:

Eu estava sentado e só, em uma sala no primeiro andar da casa do meu tio. Raramente eu ficava doente e naquele dia não havia nada de errado com minha saúde, mas um medo violento e repentino da morte tomou conta de mim. Nada que explicasse isso, e nem havia em mim qualquer desejo de descobrir se havia alguma razão para o medo. Eu simplesmente senti que ia morrer e comecei a pensar no que fazer a respeito. Não me ocorreu consultar um médico ou amigos e senti que tinha que resolver o problema por mim mesmo. O choque do medo da morte dirigiu minha mente para dentro, dizendo a mim mesmo sem formular conceitos em palavras: agora, a morte chegou! O que isso significa? O que é isso que está morrendo? Este corpo morre? E imediatamente dramatizei a ocorrência da morte. Deitei-me com os membros estendidos como se a rigidez após a morte se instalasse, imitando um cadáver para dar maior realidade à investigação. Prendi a respiração e mantive meus lábios fechados para que nenhum som pudesse escapar. E, disse a mim mesmo: este corpo está morto. Ele será carregado para cremação e reduzido a cinzas. Mas com a morte do corpo, estou realmente morto? O corpo é o Eu? Está silencioso e inerte, mas sinto toda a força da minha personalidade e até a voz Eu dentro de mim! Consequentemente, eu sou Espírito transcendendo o corpo. O corpo morre, mas o espírito que o transcende não pode ser tocado pela morte. Isso significa que eu sou o Espírito Imortal. Tudo isso passou por mim não como um pensamento tolo, mas como verdade viva que percebi diretamente, quase sem o uso da mente. O Eu era algo real, a única coisa real sobre o meu estado, e toda a atividade consciente conectada com o corpo foi canalizada nesse Eu. Daquele momento em diante, a atenção se concentrou em mim mesmo, no meu Eu, de forma fascinante, desaparecendo, assim, o medo da morte. O ego se perdeu no fluxo da autoconsciência e a absorção no Eu continuou ininterrupta. Outros pensamentos podem ir e vir como as várias notas musicais, mas o Eu continuou como a nota fundamental; nota que está subjacente e se mistura com todas as outras notas.

A segunda experiência de morte aconteceu em 1912, quando ele tinha 33 anos. Naquela época, Ramana vivia na Caverna Virupaksha na colina de Arunáchala. Seu companheiro Vasudeva Sastri percebeu que Ramana havia falecido e começou a chorar e lamentar. A experiência da morte foi sentida três vezes em rápida sucessão. Ramana sentia como se uma cortina branca estivesse sendo fechada; escuridão e um esmorecimento cobriram sua visão. Como resultado, ele não conseguiu ficar de pé e teve que se sentar na rocha. Sua pele ficou azul; a respiração e circulação sanguínea pararam. Descrevendo essa experiência, ele diz: “Eu pude ver claramente o processo gradual. Houve uma fase em que eu ainda podia ver uma parte da paisagem claramente enquanto o resto estava coberto pela cortina que avançava. Era como uma visão em um estereoscópio. Ao experimentar isso, parei de andar para não cair. Assim que a visão clareou, eu continuei andando. Quando a escuridão e a fraqueza tomaram conta de mim pela segunda vez, encostei-me em uma rocha até que a visão clareasse. Na terceira vez que aconteceu, achei mais seguro sentar perto da pedra. Então, a cortina branca brilhante bloqueou completamente minha visão, a cabeça girou e minha circulação e respiração pararam. A pele ficou de um azul lívido. Era a tonalidade normal da morte e foi ficando cada vez mais escura. Ele narra a segunda experiência de morte, assim:

“Meu nível normal de consciência ainda continuava naquele estado também. Não tive o menor medo e não me senti mal com a condição do corpo. Sentei-me perto da rocha na minha postura habitual. O corpo, deixado sem circulação ou respiração, ainda se mantinha nessa posição. Esse estado continuou por cerca de dez ou quinze minutos. Após, um choque passou repentinamente pelo meu corpo; a circulação e a respiração voltaram, enquanto o corpo suava por todos os poros. A cor da vida reapareceu na pele. Abri meus olhos, levantei e disse: Vamos adiante! Chegamos à caverna sem maiores problemas. Foi a única convulsão que tive em que a circulação e a respiração pararam”.

Ao contrário da primeira experiência de morte, que foi a experiência de um jovem, a segunda foi a experiência de uma pessoa madura. Ramana estava consciente durante todo o período em que passou por esta experiência, podendo sentir Sastri batendo palmas, arrepiado, suas palavras de lamentação e compreender seu significado. Também vi a descoloração da minha pele e senti a interrupção da minha circulação e respiração e o aumento do frio nas extremidades do meu corpo. Meu nível de consciência ainda continuava naquele estado também. Não tive o mínimo medo e não senti tristeza pelo estado do corpo. Segundo ele, “essa foi a única convulsão que tive em que a circulação e a respiração pararam. Não provoquei propositadamente a convulsão e nem queria ver como este corpo ficaria após a morte, tampouco não deixarei este corpo sem avisar os outros. Era uma daquelas crises que eu tinha de vez em quando, só que dessa vez foi de uma forma muito séria”.

A segunda, aconteceu em 1912, aos 33 anos. Naquela época, ele vivia em uma caverna (na colina de Arunáchala. O companheiro de Ramana, Vasudeva Shastri, sentiu que ele havia falecido e começou a lamentar e chorar. A experiência da morte foi sentida três vezes em rápidas sucessões, como se uma cortina branca se fechasse, seguido de uma perda de sentidos e a escuridão tomando conta de sua visão. Como resultado, não conseguia ficar em pé; sua respiração e circulação sanguínea pararam e a pele com coloração azulada. Descrevendo sua experiência, ele diz: Eu pude ver claramente o processo gradual. Houve uma fase em que eu ainda podia ver uma parte da paisagem claramente enquanto o resto estava coberto pela imagem da cortina que avançava. Era como enxergar em uma visão estereoscópica (de terceira dimensão), e ao experimentar isso, parei de andar para não cair. Quando clareou, continuei andando. Quando a escuridão e a fraqueza tomaram conta de mim pela segunda vez, encostei-me em uma rocha até que a visão clareasse. Na terceira vez que aconteceu, achei mais seguro me sentar, e então, a cortina branca e brilhante bloqueou completamente minha visão, minha cabeça girou e minha circulação e respiração pararam. A pele ficou de um azul lívido. Era a tonalidade normal da morte e foi escurecendo mais e mais.

Meu nível normal de consciência continuava naquele estado, e não tive medo e não me senti mal com a condição do corpo. Sentei-me perto da rocha na minha postura habitual, e fechei os olhos; o corpo, deixado sem circulação ou respiração, ainda mantém essa posição. Esse estado continuou por cerca de dez ou quinze minutos. E subitamente, um choque passou pelo meu corpo e a circulação e respiração voltaram, enquanto eu transpirava por todos os poros. A cor da vida reapareceu na pele. Abri então os meus olhos, levantei e disse; vamos adiante! Chegamos à caverna sem maiores problemas. Foi o único ataque que tive em que a circulação e a respiração pararaAo contrário da primeira experiência de morte, que foi a experiência de um jovem, a segunda foi a experiência de uma pessoa madura. Ramana estava consciente durante todo o período em que passava por essa experiência, e que “podia sentir seu companheiro lamentando e ouvir suas palavras e compreender seu significado. Também vi a descoloração da minha pele e senti a parada da minha circulação e respiração e o aumento do frio nas extremidades do meu corpo. Meu nível normal de consciência continuava naquele estado. Não tive o mínimo medo e não senti tristeza pela situação do meu corpo”. Segundo ele: “Essa foi a única convulsão que tive em que a circulação e a respiração pararam. Nada provoquei e nem queria ver como meu corpo ficaria após a morte, nem disse que não deixarei este corpo sem avisar os outros. Era uma daquelas crises que eu tinha de vez em quando, só que dessa vez foi de uma forma muito séria”.

É importante notar que ao contrário da primeira experiência, em que não houve parada da respiração e da circulação, descoloração da pele, etc., havia o medo da morte, de deixar o corpo. Na segunda, não houve medo, nem ansiedade. Ramana estava totalmente ciente da diferença entre “convulsões” e “experiência de morte”, com isso, não se pode concluir, de acordo com os céticos, que Ramana teve realmente a experiência comum de uma convulsão.

A partir dessas “experiências de morte”, Ramana existencialmente percebeu a temporalidade do corpo e a permanência do Eu. Segundo ele: Na visão da morte, embora todos os sentidos estivessem entorpecidos, a autoconsciência era claramente evidente, e então percebi que era a consciência que chamamos de Eu, e não o corpo. Essa autoconsciência nunca se deteriora; a nada está relacionada; mesmo se esse corpo for cremado, ele não será afetado. Portanto, percebi claramente naquele dia o que era aquele Eu. A reflexão sobre a experiência do Eu, levou Ramana a investigar a sua verdadeira natureza. Em sua obra escrita, A Realidade em Quarenta Versos, contêm descrições concisas da auto indagação. No versículo trinta, ele diz: Questionando “Quem sou eu?” mentalmente, e atingindo o Coração, o ego individual desmorona, e imediatamente a realidade se manifesta como o verdadeiro Eu divino, o Ser Absoluto. Os versos dezenove e vinte da Essência de Todas as Instruções Espirituais, também por ele escrito, descrevem o mesmo processo em termos quase idênticos:

19)- De onde surge o Eu? Busque isso dentro de você. E, consequentemente, o ego desaparece, e está é a busca pela sabedoria.

20)- Onde o ego desapareceu, aparece o Eu essencial divino, o Infinito.

Portanto, a realização do Eu, não é a realização do ego, ou do eu individual, mas do Eu universal não dual. Como consequência desta constatação, não há outro eu (ego), que é uma construção mental. Segundo Ramana: O Ser real (a Divindade) ou o Eu real é, contrário a experiência perceptível, não uma experiência de individualidade, mas uma consciência não pessoal e inclusiva. Não deve ser confundido com o ego individual, que segundo ele, é essencialmente inexistente, sendo uma fabricação da mente, que obscurece a verdadeira experiência do Eu real. Afirmando ainda que o Eu real está sempre presente e sempre experienciado, mas enfatizou que só se tem consciência dele como realmente é quando as tendências autolimitantes da mente, cessam. A autoconsciência permanente e contínua é conhecida como autorrealização. Em seu poema, Cinco Versos Sobre a Unidade do Eu, composto em fevereiro de 1947, ele usa a alegoria do ornamento e do ouro para explicar a essência do Eu e a natureza do relacionamento Eu essencial divino e o Ser, dizendo: “Como o ornamento não está separado do ouro, o corpo (ego) não está separado do Eu. Os ignorantes confundem o corpo com o Eu; o sábio sabe que só o Eu é real”. Só é real porque o Eu é a verdadeira natureza de cada um. Isso não se pode mudar; todo o resto muda e passa e, portanto, não é natural”.

Ramana sempre levou uma vida simples, e era avesso à pompa e ostentação, nunca permitindo que o louvassem. Sempre que tivesse que participar em algumas ocasiões cerimoniais e ouvir elogios e hinos de louvor, ele participava apenas como testemunha do que estava acontecendo e ouvia as aclamações não como dirigidas a ele, mas apenas como mais um na plateia. E não gostava do significado especial atribuído a seu aniversário e da celebração por seus devotos. Quando da única celebração feita em 1912, assim ele expressou seu descontentamento:

“Você, que gosta de comemorar o aniversário de forma grandiosa, procure primeiro, a essência do seu nascimento. O dia do verdadeiro nascimento é aquele em que a pessoa nasce para a Realidade que é uma, e que não tem nascimento nem morte. Observar o dia como um festival é como decorar um cadáver. A sabedoria reside em realizar o Eu e fundir-se nele.”

Ele era contrário a todo tipo de discriminação, tratamento especial ou diferenciado; não tinha preferências e preconceitos, nem gostos e desgostos. Tratava a todos indiscriminadamente, ricos e poderosos, camponeses pobres e pessoas comuns. Ao fazer isso, Ramana praticava o não dualismo em sua vida cotidiana, e que nada existe à parte da Realidade Absoluta, o Espírito Supremo que é a realidade última, pois ele enxergava o Eu essencial divino habitando em todos, sendo equânime e assumindo atitudes de indiferença em todas as situações e circunstâncias. Sentar-se atrás de portas trancadas ou ao ar livre era o mesmo para ele; que não havia ninguém sentado, nenhuma porta estava trancada e nenhum templo servia de abrigo. Ramana não tinha um lar; sua sabedoria havia se firmado na realidade imutável. Não importava o ambiente e nem o estado de vida que levava, Ramana sempre permaneceu fixo no seu estado natural de pleno conhecimento do Eu, ou da verdadeira natureza do ser. Segundo ele, não havia regras a serem seguidas e que tudo estava em perfeita ordem e que quando se atinge um estado de iluminação, de identidade com o Eu, as regras deixam de existir e nem votos a serem cumpridos. Depois de chegar ao fim, qual a utilidade dos meios, por mais remotos que sejam? E isso está de acordo com o destino, afirmando ainda, que mesmo sob uma possível excitação do ego, em um ser realizado, isso não afeta esse ser, pois o ego passa a ser inofensivo.  

Ramana era avesso a que o chamassem de guru, e muito menos de avatar. Não reivindicava a posse de nenhum poder oculto e conhecimento do que era mais transcendente: não tinha pretensões e resistiu a todos os esforços para canonizá-lo. Não iniciou uma nova forma de culto ou escola de pensamento. Embora muitos tenham sido influenciados e alegassem ter alcançado a liberação por razões de sua associação com ele. Ramana nunca alegou ter discípulos, ou os reconheceu publicamente como seres liberados; nunca nomeou nenhum sucessor para sua herança e não promoveu nenhuma linhagem.

Na verdade, Ramana tentou mostrar repetidamente que era como qualquer outro homem. E, quanto ao seu conhecimento do Bhagavad Gita, afirmava não ter lido a respeito e nem de comentários para descobrir seu significado. Quando ouvia um dos versos dessa obra, entendia seu significado claramente, dizendo: isso é tudo e nada mais.

Ramana se perturbava algumas vezes com o fluxo crescente e constante de devotos que vinham ao Ashram para estar diante da sua graça e receber bençãos, já que suas atividades normais no Ashram, ficavam restringidas. Ele mesmo confessou que tentou fugir três vezes a fim de retornar a uma vida de solidão. Mas não se aborreceu com seu fracasso, pois estava firmemente comprometido com o destino a ser trabalhado na vida atual de cada um, pois Aquele cuja função é ordenar, faz com que cada um atue. O que não está para acontecer, nunca acontecerá, qualquer que seja o esforço que se faça. E o que está para acontecer, vai acontecer por mais que se busque evitar. Isso é certo! A sabedoria, portanto, é permanecer na quietude e viver de acordo com a plenitude das faculdades humanas.

Ele ensinava, vivia e praticava a filosofia milenar dos Vedas, e tendo na prática do silêncio, a mais perfeita instrução espiritual. Incluindo o seu silêncio sobre seus estudos, pois segundo ele, apenas aquele que busca e num estado espiritual mais elevado, tem a habilidade de compreender essa filosofia. Quando aos demais, estes não têm essa habilidade, pois exigem palavras para explicação das verdades contidas na filosofia. E que indicar a eles o estudo, isto sim é possível, pois ocorre que a verdade está além das palavras, que não justifica explicação. Ramana ensinava o método da auto investigação, contida na filosofia, e que pode ser praticada por todos, independente de classe, casta e o que representa na sociedade, ou por ateus, teístas, agnósticos ou céticos. Mas ele mesmo não utilizava nenhuma categoria absoluta, ou seja, do mundo ser uma ilusão ou real, que são termo relativos. Tanto o real como a ilusão são baseados no senso de dualidade. O Eu é como é, “Sou o que sou”. Qualquer outra forma de expressão, como eu sou X, Y ou Z, etc., dá origem ao ego e não ao autoconhecimento. É por isso que se deve dizer: Eu, Eu; eu sou isso ou eu sou aquilo, é do ego. O Eu não tem localização, periferia e centro. É ilimitado e sem forma, e também é o centro espiritual. Existe apenas um centro desse tipo, seja no Ocidente ou no Oriente, o centro não pode ser diferente. Não tem localidade. Sendo ilimitado, inclui líderes, os mundos, forças de destruição e construção. Mas não se pode falar em seres encarnados como líderes. Espíritos não são corpos; não tem ciência de seus corpos, são espírito: ilimitados e sem forma. Sempre existe unidade entre eles. Essas questões não podem surgir se o Eu for realizado. Para os seres realizados, não há diversidade, mas apenas unidade; não há individualidade, mas coletividade e universalidade.

Embora Ramana não tenha criticado outras escolas ou métodos de ensino, ele afirmou que sua técnica de auto inquirição, “Quem sou eu?” é diferente das técnicas de meditação ensinadas pela tradição filosófica da não-dualidade, ou seja, “Eu sou Shiva” ou “Eu sou Ele”, diferenciando-os nas seguintes palavras:

“A busca pelo Eu, de que falo, é um método direto e superior. No momento em que se busca profundamente pelo Eu, ele já está à espera, e então tudo é realizado de forma distinta, e não como o indivíduo que procura, que não tem nenhuma participação nisso. Nesse processo, todas as dúvidas e discussões são automaticamente abandonadas, assim como quem dorme esquece dos cuidados do corpo.”

Trabalhando a distinção entre o seu ensino e o de outros, disse ao famoso filósofo e orientalista francês, Olivier Lacombe: “O ensino de Maharshi é apenas uma expressão de sua própria experiência e realização”, e de que “Uma pessoa realizada usará seu próprio idioma, e o silêncio é a melhor linguagem.” Ramana escolheu o método do silêncio para a comunicação e transmitiu seus ensinamentos por meio do silêncio.

A outra grande diferença entre a escola tradicional não dualista, de que nada existe a não ser o Espírito Supremo e os ensinamentos de Ramana é que, embora essa escola tenha uma atitude negacionista – “não isso”, “não isso”, para descrever a realidade última, também ensina as afirmações mentais de que o Eu era a única realidade, como “Eu sou a Absoluta Realidade”, ou “Eu sou Ele”, Ramana enfatiza na indagação: “Quem sou eu?”

Embora Ramana não tenha reivindicado o status de guru, muitos estudiosos se tornaram seus devotos a fim de se tornarem seus discípulos. Enquanto o homem comum queria conhecê-lo para obter ganhos materiais, os estudiosos de todo o mundo tornaram-se seus discípulos para aprender a natureza e a prática da sua espiritualidade, sentindo que Ramana poderia dar este impulso iniciático com o toque ou com um olhar. Sentado em silêncio, ele se virava repentinamente, fixava um olhar intenso e a pessoa se tornava diretamente consciente do seu centro espiritual, da sua atual consciência essencial. Aqueles que experimentaram o poder do olhar de Ramana relataram que a iniciação foi tão clara e vívida que não tiveram dúvidas de que ele não era outro senão seu próprio ser consciente essencial.

Alguns dos discípulos sentiam que Ramana também iniciava as pessoas em sonhos ao olhar fixamente em seus olhos, e ele às vezes viajava no corpo sutil para visitar as pessoas. Apareceria para um discípulo a centenas de quilômetros de distância como uma figura luminosa, e a pessoa reconhecia sua aparência nessa forma, observando que a vida desperta e a vida onírica eram ambas uma espécie de sonho, cada qual com diferentes níveis de consciência. Ele se referiu a esses estados como “sonho 1” e “sonho 2”. E que não fazia distinção entre aparecer a um discípulo acordado e a um discípulo que sonhava, pois considerava que as duas esferas da existência eram sonhos. Na verdade, o próprio Ramana admitiu isso para um devoto que queria ver sua forma real e que teve essa experiência. Quando o devoto contou a ele sobre sua experiência, Ramana disse: “Você queria ver minha forma; você viu meu desaparecimento; Eu sou sem forma. Então, essa experiência pode ser a verdade”.

Afirmando ter tido uma visão de Ramana, Francis Henry Humphreys, foi o primeiro europeu a se encontrar com ele. Aprendeu o telugo, a língua local, com seu professor, Ganapati Sastri e diante dele, desenhou a figura dessa visão, sendo que a figura, era a de Ramana, guru de Sastri. Organizaram um encontro que se deu em novembro de 1911, na caverna onde vivia. Impressionado com a experiência de conhecer o vidente, ele registrou os detalhes desse encontro em uma carta que foi publicada no International Psychic Gazette com as seguintes palavras:

“Às duas da tarde, subimos a colina para vê-lo. Ao chegar à caverna, sentamo-nos diante dele, a seus pés, e nada dissemos. Ficamos assim por um longo tempo e me senti alçado para fora de mim mesmo. Por meia hora, olhei nos olhos do Maharshi, que nunca mudaram sua expressão de profunda contemplação. Comecei a perceber então, que o corpo é o templo do Espírito Santo; Eu pude sentir que seu corpo não era o do homem; era o instrumento de Deus, meramente um cadáver imóvel sentado, do qual Deus irradiava. Meus sentimentos eram indescritíveis.

O Maharshi é um homem indescritível em sua expressão de dignidade, gentileza, autocontrole e serena força de convicção.”

Humphreys encontrou Ramana várias vezes depois. Suas ideias sobre espiritualidade mudaram fundamentalmente como resultado de seus encontros com o guru. E registrou assim, no Gazette, suas impressões dessas reuniões. “Não se pode imaginar a beleza do seu sorriso, e a mudança que provoca estar em sua presença. Paul Brunton, um jornalista conhecido, também registrou que teve uma experiência de consciência sublimemente abrangente, um momento de iluminação enquanto permanecia no ambiente de Ramana.” Murgnor narrou a sua experiência, com as seguintes palavras: “Da mesma forma que a cera derrete ao encontrar o fogo, ao ver seus pés, minha mente se dissolveu e perdeu sua forma. Assim como o bezerro encontrando sua mãe, meu coração se derreteu e se alegrou a seus pés, e um arrepio pelo meu corpo. A devoção cresceu em mim como um oceano que viu a lua cheia. Pela graça do poder inerente à consciência, minha alma ficou em êxtase”. A maioria das pessoas que viram Ramana, sentiam que “sentar-se diante dele já era uma profunda educação espiritual. Olhar para ele era acalmar a mente. Cair na esfera de sua visão beatífica era ser elevado interiormente”. Paul Brunton expressou assim, o que a maioria dos visitantes e devotos sentiram ao ver Ramana:

“Sua expressão é modesta e suave, os grandes olhos escuros são extraordinariamente tranquilos e bonitos. O nariz é curto, reto e regular. No queixo tem uma barba rala e a significância de sua boca é mais perceptível. Tal rosto pode ter pertencido a um dos santos que agraciaram a Igreja Cristã durante a Idade Média, exceto que este possui a qualidade adicional de intelectualidade. Ele tem os olhos de um sonhador, e há algo mais do que meros sonhos por trás daquelas pálpebras pesadas”.

Os visitantes e devotos vinham com perguntas sobre assuntos espirituais, e outros assuntos enfrentados por eles, com a intenção de buscar respostas de Ramana. Mas suas perguntas e dúvidas eram dissolvidas assim que chegavam diante de sua presença, pois as questões que consideravam significativas e cruciais para eles pareciam tolas e pueris. Na presença de Ramana, eles permaneciam “cheios de alegria e paz que o desejo de fazer perguntas desapareceu”. A maioria dos devotos e visitantes em sua presença, como Brunton registrou, “sentiam segurança e paz interior. As radiações espirituais que emanavam dele eram todas penetrantes. Aprendi a reconhecer em sua pessoa, as verdades sublimes que ensinava, e da paz de sua atmosfera incrivelmente santa. Ele possuía uma personalidade divina que desafiava qualquer descrição. Não se podia esquecer o seu sorriso maravilhoso e repleto, com um toque de sabedoria e paz conquistados com o sofrimento e a experiência. Era o homem mais compreensivo que já conheci; se podia ter certeza sempre, de que algumas de suas palavras, suavizam os caminhos, e essas palavras, intimamente, já davam as respostas à todas as perguntas.”

Todos os visitantes sentiam uma mudança interior depois de conhecer Ramana, reconhecendo como um momento decisivo em suas vidas. U.G. Krishnamurti, então com 21 anos de idade, conheceu Ramana no ano de 1939, e perguntou a ele: “Esse algo chamado de emancipação, iluminação, liberdade e liberação, você pode dá-lo para mim?” Ao que Ramana Maharshi supostamente respondeu, eu posso dar, mas você pode pegá-lo?” Esta resposta alterou completamente as percepções de U.G. sobre o caminho espiritual e seus praticantes, e nunca mais procurou o conselho de pessoas religiosas. Mais tarde U.G. diria que a resposta de Maharshi - que ele havia originalmente percebido como arrogante, o colocou de volta no caminho, afirmando depois que Ramana era um verdadeiro mestre.

Mahatma Gandhi aconselhava as pessoas, em busca de paz, a visitar o Ashram de Ramana. Ele mesmo, orientou Rajendra Prasad (o primeiro presidente da Índia) que por algum tempo desejou ficar longe da vida agitada pela liberdade da tirania inglesa, disse: “se você quer paz, vá para o Ashram de Ramana e permaneça por alguns dias na presença dele, sem falar ou fazer qualquer pergunta”. Rajendra Prasad obedeceu e passou alguns dias sob a sombra benigna de Ramana. No dia de sua partida, enquanto se despedia do vidente, disse-lhe que tinha vindo aconselhado por Mahatma Gandhi e agora estava voltando e pediu a Ramana que lhe desse uma mensagem a ser entregue a Mahatma Gandhi. A isso, Ramana respondeu: “O mesmo Poder que atua aqui está atuando lá também! Onde está a necessidade de palavras quando o coração fala ao coração?” Ramana tinha grande estima por Mahatma Gandhi e apoiava o movimento de independência liderado por ele, pois considerava Gandhi uma figura comprometida com a causa divina, e que ficou muito perturbado ao ouvir a notícia do assassinato de Gandhi. Com a morte de Gandhi, ele consolou a si mesmo e a sua audiência narrando o episódio do diálogo entre o deus da morte (Yama) e o maior deus do hinduísmo (Rama), num dos maiores épicos antigos da literatura mundial, o (Uttara Ramayana). Nesta narrativa, após Ramarajya (o reino védico perfeito) ser estabelecido, Yama diz a Rama que a obra para o qual Gandhi havia vindo à terra havia sido concluída e que era hora de ele retornar ao céu. Tomando essa narrativa como ilustração, Ramana disse: “Isso é o mesmo que a liberdade ser obtida; seu trabalho acabou; por que você ainda está aqui? Você não deveria voltar?”.

Quando do sofrimento dos devotos em saber que Ramana estava enfrentando um tumor cancerígeno, ele, que era indiferente à dor, os confortou dizendo: “Eles levam este corpo como sendo o Supremo Ser e atribuem sofrimento a ele. Que pena! Eles estão desanimados porque este corpo vai deixá-los, mas para onde ele vai e como?” Lhes assegurando que: “Eu estarei onde estou sempre.” Ramana deixou o corpo sentado em posição de lótus, e a palavra final que saiu de seus lábios foi a sagrada sílaba OM! Uma vida efêmera que começou no dia 30 de dezembro de 1879, para a vida eterna e imortal aos 71 anos de idade às 20h47 em 14 de abril, 1950.

Milhões de indianos continuam a ver Ramana como a “fonte de autenticação do hinduísmo no mundo moderno; um sábio sem o menor toque de mundanismo, um santo de pureza incomparável, uma testemunha da verdade eterna dos Vedas; um sábio que atua como um símbolo que continua a inspirá-los a preservar sua cultura e identidade nacionais; um sábio cujos ensinamentos têm um ar atemporal, uma estrutura clássica que parece tão apropriada para o hinduísmo do século XX quanto para o hinduísmo do primeiro século”.

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