A questão da felicidade é o problema central e máximo da humanidade.
Desde tempos antiquíssimos existem duas ideologias filosófico-espirituais sobre o segredo da felicidade humana.
Vicente de Carvalho (1866–1914) famoso poeta brasileiro, assim afirma a sua ideia sobre a felicidade:
“Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos...
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.”
Existe essa felicidade, “árvore milagrosa, que sonhamos?”
Em que consiste?
Como alcança-la?
Como conserva-la?
A felicidade existe, sim, não fora de nós, onde em geral a procuramos, mas dentro de nós, onde raras vezes a encontramos.
Em que consiste a felicidade?
De acordo com o filósofo grego Epicuro (341-270), a felicidade consiste na posse e plenitude de bens materiais; tanto mais feliz é o homem, quanto mais possui, tem, goza.
Outro filósofo grego, Diógenes (412-323), ensinava que a felicidade consiste na renúncia de todos os bens materiais; quanto menos o homem possui ou deseja possuir, tanto mais feliz ele é, porque a infelicidade consiste: ou no medo de perder o que se possui, ou no desejo de possuir o que não se pode possuir; quem renuncia espontaneamente à posse de bens e ao próprio desejo de os possuir é perfeitamente feliz.
Entretanto, embora haja elementos de verdade nessas filosofias, existe uma falha no ponto central da questão. A felicidade não consiste nem em possuir nem em não possuir bens materiais, mas sim na atitude interna que o homem estabelece e mantém em face da posse ou da falta desses bens. O que decide não é, em primeiro lugar, aquilo que o homem possui ou não possui, mas sim o modo como ele sabe possuir ou não possuir.
Ou seja, o que é decisivo não é a maior ou menor quantidade objetiva das coisas possuídas, mas a qualidade subjetiva de quem possui essas coisas. Esta qualidade, porém, é conquista do próprio homem, e não algum presente de circunstâncias inesperadas. A felicidade do homem só pode depender de algo que dependa dele.
É possível que a posse, ou mesmo o desejo da posse, escravize o homem – e é possível que a posse real de bens não escravize o seu possuidor.
A questão central não é de ser possuidor ou não-possuidor – mas, sim, de ser possuído ou não-possuído pelos bens materiais. Não há mal em possuir – todo mal está em ser possuído pelas possessões. Ser livre é ser feliz – ser escravo é ser infeliz.
A verdadeira felicidade, portanto, não pode consistir em algo que nos aconteça, mas em algo que seja estabelecido por nós. As quantidades externas nos acontecem – a qualidade interna é creada por nós.
Tudo depende da nossa atitude interna, do modo como possuímos ou não possuímos; ou, no dizer de Jesus, depende da “pobreza pelo espírito” e da “pureza de coração”, quer dizer, na liberdade e no desapego interior do homem.
Pode o possuidor ser livre daquilo que possui – e pode o não-possuidor ser escravo daquilo que não possui.
Mais um filósofo grego, Zenão de Cítio (334-262), fundador da escola estoica, vislumbrou essa grande verdade e ensinava a seus discípulos que a felicidade consistia numa permanente serenidade interior, tanto em face do prazer como em face do desprazer, serenidade baseada na perfeita harmonia com as “Leis Cósmicas”; que o homem perfeito e feliz devia manter uma atitude de absoluta serenidade, espécie de equilíbrio e atitude racional, em face do agradável e do desagradável da vida.
O estoicismo é, certamente, na antiguidade, o tipo de filosofia da vida que mais se aproximou da solução do problema central da humanidade: compreendeu que a felicidade não consiste em ter ou não-ter, mas sim em ser; não em plenitudes ou vacuidades externas, mas numa vitalidade interna; não em circunstâncias objetivas, mas substância subjetiva.
Porém o estoicismo antigo, eminentemente racional, falhou apenas num ponto: em querer banir da vida humana os elementos afetivos e emotivos, que ele considera incompatíveis com a serena racionalidade, indispensável a uma vida perenemente feliz. Entretanto, o fato é que a zona afetiva faz parte do homem completo; excluí-la da vida humana é edificar a felicidade sobre um bloco de gelo.
Uma perfeita e verdadeira filosofia da felicidade humana deve, necessariamente, ter caráter positivo e construtor, porque emoção e afeição são elementos que também fazem parte integrante da natureza humana, e sem essa integridade não pode haver felicidade real e permanente.
Neste ponto, o Evangelho de Jesus representa a solução definitiva, incluindo a Bhagavad Gita e o Tao Te King, essas pérolas da sabedoria oriental, fazem consistir a felicidade do homem na total interposição da sua natureza pela consciência espiritual, realizando assim o homem cósmico, o homem feliz.
Com isso, podemos afirmar que a felicidade:
1)- não consiste, principalmente, em possuir ou não possuir determinadas quantidades de bens materiais, embora seja necessária a posse de certo conforto para podermos prosseguir em nossa evolução superior;
2)- que a felicidade não pode ser baseada apenas em uma parte da natureza humana, mas tem de ser construída sobre a natureza humana total;
3)- que deve vigorar perfeita ordem e harmonia entre todas as partes componentes da natureza humana; não podemos afirmar um elemento humano em detrimento de outro; não deve haver eliminação nem substituição, mas perfeita integração.
Texto revisado extraído do livro O Caminho da Felicidade
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