Monday 31 May 2021

FACE A FACE COM SRI RAMANA MAHARSHI

É o título de um livro de reminiscências de 202 pessoas que visitaram o famoso vidente indiano em seu templo. Essas lembranças foram compiladas pelo professor Laxmi Narain da Universidade de Osmania, Hyderabad, Índia, tendo sido pela primeira vez publicado em 2005. 

O livro apresenta em primeira mão, percepções, experiências edificantes, reminiscências e sentimentos de pessoas que tiveram a oportunidade de conviver, servir, interagir ou apenas estar na presença de Sri Ramana Maharshi, fornecendo interessantes aspectos de sua vida e filosofia.

Dentre os que lá estiveram, se destaca a importante figura de Paramahansa Yogananda, famoso guru espiritual e autor do livro Autobiografia de um Iogue Contemporâneo, que visitou Maharshi em novembro de 1935, junto com seu secretário, C. R. Wright.

Abaixo, o relato desse encontro:

 

“Antes de sair do sul da Índia, fiz uma peregrinação à colina sagrada de Arunáchala para um encontro com Sri Ramana Maharshi. O sábio nos recebeu com carinho e apontou uma área no templo, onde pudéssemos conversar.

Durante as horas que passamos com ele e seus discípulos, ele permaneceu em silêncio, com seu rosto gentil irradiando amor e sabedoria divinos.

Para ajudar a humanidade sofredora a recuperar seu estado esquecido de perfeição, Sri Ramana ensina que se deve perguntar constantemente: “Quem sou eu?” - que é, de fato, a mais importante investigação, pois pela severa rejeição de todos os outros pensamentos, o iniciante logo se vê aprofundando cada vez mais no verdadeiro Eu, e as demais distrações dos pensamentos deixam de surgir.

Todos os pensamentos do ego tirânico, dependem de algo, que sem apoio, nunca aparecem e dão lugar à verdade, e nunca deixam o Eu vacilar.

 

Yogananda fez as seguintes perguntas:

 

Y - Como deve ser feita a elevação espiritual do povo? Quais são as instruções a serem dadas a eles?

M - Elas diferem de acordo com o temperamento dos indivíduos e de acordo com a maturidade espiritual de suas mentes. Não pode haver nenhuma instrução em massa.

Y - Por que Deus permite o sofrimento no mundo? Ele não deveria, com Sua onipotência, acabar com isso de uma só vez e ordenar a realização universal de Deus?

M - O sofrimento é o caminho para a realização de Deus.

Y - Ele não deveria ordenar de maneira diferente?

M - É o caminho.

Y - Yoga, a religião etc., são antídotos para o sofrimento?

M - Eles ajudam a superar o sofrimento.

Y - Por que deveria haver sofrimento?

M - Quem sofre? O que é sofrimento?

Sem resposta!

 

Duas das muitas perguntas feitas pelo secretário de Yogananda, C.R. Wright:

 

W - Como devo perceber Deus?

M - Deus é uma entidade desconhecida. Além disso, para o homem, ele é externo. Enquanto o Eu está sempre com você e é o seu íntimo. Por que você deixa de fora o que é íntimo e aceita o que é externo?

W - O que é esse Eu?

M - O Eu é conhecido por todos, mas não claramente. O Ser é o Eu. De todas as definições de Deus, nenhuma é tão bem colocada como a afirmação bíblica “EU SOU O QUE SOU” em Êxodo (Cap. 3). Conhecendo o Eu, Deus é conhecido. De fato, Deus não é outro senão o Eu.”

                                                         * * * 

Nessa sequência, que descreve os encontros de Paul Brunton com o Maharshi, captadas pelo autor do livro, Professor Narain, é também uma compilação resumida dos muitos escritos de Brunton em seus livros, retratando a personalidade, os ensinamentos e a filosofia de vida de Maharshi.

Os seguintes louvores concedidos a Sri Ramana Maharshi pelos vários colaboradores do livro, é mais do que extraordinário. É de se duvidar que qualquer outra pessoa na história tenha recebido, em sua vida, ou nas décadas seguintes, elogios semelhantes. Os colaboradores tentaram descrever de inúmeras maneiras a Verdade indescritível, quem foi Sri Ramana. O Maharshi é a exemplificação do tributo histórico de Einstein a Mahatma Gandhi, quando afirmou: “As gerações futuras, dificilmente acreditarão que alguém como ele, em carne e osso tenha andado sobre a terra”. Não é de se admirar que o Maharshi seja encarado pelos que com ele estiveram, como o mais alto pináculo da Verdade e da Sabedoria, para o qual a humanidade precisa se esforçar para avançar nas próximas gerações.

Paul Brunton, jornalista britânico, atraído pelo misticismo indiano visitou a Índia pela primeira vez em 1930. Autor de onze livros, enfatizou o valor e a importância do Eu em nós. Brunton é considerado como o introdutor da meditação no Ocidente, tendo escrito certa vez que: “Sri Ramana era uma tocha espiritual carregada de encontro às almas que esperavam no Ocidente. Eu era apenas o “office boy”, um humilde portador. A Fundação Filosófica Paul Brunton de Nova York, publicou postumamente seus escritos pós 1952 (o ano em que seu último livro A Crise Espiritual do Homem foi publicado), em 16 volumes, recebendo doutorado em filosofia pelo Roosevelt College, EUA.

Durante sua primeira visita, entre muitos santos e iogues, Brunton também conheceu Sri Ramana, e se instalou por algumas semanas em um abrigo improvisado perto do templo. Como o número de devotos em período integral era limitado naquele momento, Brunton teve ampla oportunidade de observar o Maharshi de perto e de interagir com ele, fornecendo em seu livro, A Índia Secreta, publicado em Londres em 1934, no capítulo A Montanha do Farol Sagrado, um relato desapaixonado, esclarecedor e íntimo da divindade do Maharshi.

Em sua maneira inimitável, ele diz:

 

“Há algo neste homem que prende minha atenção como limalhas de aço presas por um ímã. Não consigo desviar o olhar dele. Percebo uma mudança silenciosa e sem resistência, que ocorre em minha mente. Uma a uma, as perguntas que eu preparei com precisão meticulosa, desaparecem. Só sei que um rio constante de quietude parece estar fluindo perto de mim; que uma grande paz está penetrando nos confins do meu ser e que meu cérebro torturado pelos pensamentos está começando a chegar a algum descanso. Percebo com súbita clareza que o intelecto cria seus próprios problemas e depois se sente infeliz tentando resolvê-los. Este é realmente um conceito novo para alguém que até agora atribuiu um alto valor ao intelecto.

Eu me rendo à sensação cada vez mais profunda de descanso. A passagem do tempo agora não provoca irritação, porque as cadeias de problemas criados pela mente estão sendo descartadas. E, pouco a pouco, uma pergunta penetra na consciência. Esse homem, o Maharshi, emana o perfume da paz espiritual assim como a flor emana a fragrância de suas pétalas? Começo a me perguntar se, por alguma radioatividade da alma, algum processo telepático desconhecido, a quietude que invade a perturbada água da minha alma realmente vem dele? A paz me domina.

O Maharshi se vira e olha para o meu rosto; eu, por sua vez, olho com expectativa para ele. Percebo uma mudança misteriosa que ocorre com grande rapidez em meu coração e mente. Os velhos motivos que me atraíram começam a me abandonar. Os desejos urgentes que enviaram meus pés para cá e para lá desaparecem com uma rapidez incrível. As antipatias, mal-entendidos, frieza e egoísmo que marcaram minhas relações com muitos dos meus colegas caíram no abismo do nada. Uma paz indizível cai sobre mim e sei que não há mais nada que eu deva pedir da vida.

O sábio parece trazer algo de intenso momento para mim, mas não consigo determinar facilmente sua natureza. É intangível, imponderável, talvez espiritual. Cada vez que penso nele, uma sensação peculiar me atinge e faz meu coração palpitar com expectativas vagas, mas elevadas.

Eu olho para o sábio. Ele, sentado num pedestal olímpico observando o panorama da vida como se estivesse alheio a ela. Há uma propriedade misteriosa neste homem que o diferencia de todos os outros que conheci.

Permanece misteriosamente distante, mesmo quando cercado por seus próprios devotos, homens que o amaram e viveram perto dele por anos. Às vezes me pego desejando que ele seja um pouco mais humano, um pouco mais suscetível e que pareça normal.

Por que, sob seu olhar estranho, invariavelmente experimento uma expectativa peculiar, como se em breve alguma revelação estupenda me fosse feita? Este homem se libertou de todos os problemas, e nenhuma aflição pode tocá-lo.

Ele parece falar não como um filósofo, não como um erudito indiano, tentando explicar sua própria doutrina, mas do fundo de seu próprio coração.

Eu não sou religioso, mas não posso resistir à crescente sensação de admiração que começa a tomar conta da minha mente, assim como uma abelha não pode resistir à tentação de uma flor exuberante. A sala do Maharshi está se tornando permeado por um poder sutil, intangível e indefinível que me afeta profundamente. Sinto, sem dúvida e sem hesitação, que o centro desse poder misterioso não é outro senão ele mesmo.

Seus olhos brilham surpreendentemente. Sensação estranha começa a surgir em mim. Aqueles orbes luminosos parecem estar observando os recantos mais íntimos da minha alma. De uma maneira peculiar, sinto-me consciente de tudo o que ele pode ver no meu coração. Seu olhar misterioso penetra meus pensamentos, emoções e desejos; fico desamparado diante disso.

A princípio, seu olhar desconcertante me incomoda; me sinto desconfortável. Sinto que ele percebeu páginas que pertencem a um passado, que eu esqueci. Sabe tudo, tenho certeza. Fico impotente para fugir; mas ao mesmo tempo, não quero essa fuga.

Percebo que ele definitivamente está ligando minha mente à dele, que está provocando meu coração naquele estado de calma estrelada, da qual ele parece perpetuamente desfrutar. Nesta paz extraordinária, encontro uma sensação de exaltação e leveza. O tempo parece parado. Meu coração está liberado de seu fardo.

Creio que nunca mais a amargura da raiva e a melancolia do desejo insatisfeito me afligem. Minha mente está submersa na do Maharshi e a sabedoria está agora em seu centro de luz. Qual é o olhar deste homem senão uma varinha taumatúrgica, que evoca um mundo oculto de esplendor inesperado diante dos meus olhos profanos?

Às vezes me pergunto por que esses discípulos permanecem ao seu lado há anos, com poucas conversas, quase sem conforto e sem atividades externas. Agora começo a entender - não pelo pensamento, mas pelos raios de luz - que durante todos esses anos eles têm recebido como recompensa profunda e silenciosa.

Até agora, todos silenciosos no salão, uma quietude mortal. Por fim, alguém se levanta e sai em silêncio. Ele é seguido por outro, e depois outro, até que todos se foram. Estou sozinho com os Maharshi! Nunca antes isso aconteceu. Seus olhos começam a mudar; eles se estreitam e focalizam um ponto. Curiosamente, o efeito é como “parar” o foco de uma lente. Há um tremendo aumento no brilho intenso entre as pálpebras, agora quase fechadas. De repente, meu corpo parece desaparecer, e nós dois estamos no espaço! É um momento crucial. Hesito - e decido quebrar o feitiço do feiticeiro. A decisão traz poder e mais uma vez estou de volta à carne, de volta ao corredor. Nenhuma palavra é dita. Coleto minhas coisas, olho para o relógio e me levanto silenciosamente. A hora da partida chegou. Inclino minha cabeça em despedida e me vou.

O que quer que eu esteja fazendo, nunca deixo de estar consciente da atmosfera misteriosa do lugar, da radiação benigna que penetra em meu cérebro. Gosto da tranquilidade inefável apenas sentando ao lado de Maharshi. Observando e analisando, chego à conclusão de que essa simbiose surge sempre que nossas presenças se avizinham. De uma adequação inconfundível!

Uma força maior do que minha mente racionalista me pressiona até me esmagar.

Essa realização maravilhosa de saber que todas as minhas perguntas são movimentos de um jogo sem fim, um jogo que não têm limite de extensão; que em algum lugar dentro de mim existe um poço que fornece todas as águas da verdade que eu procuro; e que será melhor interromper meu questionamento e tentar perceber as potências de minha própria natureza espiritual. Permaneço em silêncio e espero.

Estou perfeitamente ciente de que a sublime realização que se abateu sobre mim nada mais é do que uma onda crescente de radiação telepática desse homem misterioso e imperturbável.

O Maharshi me disse uma vez que: “O maior erro de um homem é pensar que ele é fraco por natureza, mau por natureza. Todo homem é divino e forte em sua natureza real. O que são fracos e maus são seus hábitos, seus desejos e pensamentos, mas não ele próprio.” Suas palavras vieram como um tônico revigorante inspirador. Dos lábios de outro homem, de uma alma profana, me recusaria a aceitar. Um monitor interno me assegura que o sábio fala das profundezas de uma grande e autêntica experiência espiritual, e não como um filósofo teorizador especulativo.

Muitas mentes ocidentais podem considerar que a vida do Maharshi é desperdiçada. Mas talvez seja bom que tenhamos alguns homens distantes do nosso mundo de atividades intermináveis e examinar esses homens. Também pode ser que um sábio da selva, que mente a si mesmo, não seja inferior a um tolo do mundo que vive ao sabor dos ventos das circunstâncias.

Todos os dias trazem novas indicações da grandeza deste homem. Seu silêncio e reserva são habituais. Pode-se facilmente contar o número de palavras que ele usa em um único dia.

Estou aprendendo que a maneira do Maharshi de ajudar os outros é através de uma expansão discreta, silenciosa e constante de vibrações curativas em almas perturbadas. Um dia, a ciência será obrigada a prestar contas desse misterioso processo telepático.

A sua mera presença fornece segurança espiritual, felicidade emocional e, mais paradoxal de tudo, fé renovada em seu credo. Pois o sábio trata todos os credos da mesma forma e honra a Jesus assim como honra a Krishna.

Durante a meditação diária, aprendi a trazer meus pensamentos para dentro de um ponto cada vez mais profundo, e me torno consciente de que ele está atraindo minha mente para sua própria atmosfera durante esses períodos de repouso silencioso. E é nessas ocasiões que se começa a entender por que o silêncio desse homem é mais significativo do que suas palavras.

Há momentos em que sinto tanto esse poder que sei que se ele emitir a mais perturbadora ordem, obedecerei prontamente. Mas o Maharshi é a última pessoa no mundo a colocar seus seguidores na cadeia de obediência servil e permite a todos a maior liberdade de ação. A esse respeito, ele é bastante diferente da maioria dos mestres e iogues que conheci na Índia.

A essência de sua mensagem é: “Prossiga na pergunta: Quem sou eu? Incansavelmente. Analise a sua personalidade. Tente descobrir onde começa o Eu. Continue com suas meditações. Continue voltando sua atenção para dentro de si mesmo. Um dia a roda do pensamento desacelerará e uma intuição surgirá misteriosamente. Siga essa intuição, deixe seu pensamento calar e isso acabará por levá-lo ao objetivo.”

Luto diariamente com meus pensamentos e me afasto da mente. Na proximidade do Maharshi, minhas meditações e solilóquios se tornam cada vez menos cansativos e mais eficazes. Uma forte expectativa e uma sensação de ser guiado inspiram meus esforços constantemente repetidos. Há horas em que estou claramente consciente de que o poder invisível do sábio está em mim, resultando penetrar ainda mais na fronteira que circunda a mente.

Eu o estudo atentamente e gradualmente vejo nele o filho de um passado remoto, quando a descoberta da verdade espiritual era considerada menos valiosa do que a descoberta de uma mina de ouro hoje. Ocorre com crescente intensidade que, nesta fronteira do sul da Índia, fui levado a um dos últimos super-homens espirituais do país.

A figura serena deste sábio vivo traz a figura lendária dos antigos santos deste país. Se sente que a parte mais maravilhosa desse homem é retida. Sua alma mais profunda, que se reconhece como sendo carregada de rica sabedoria, ilude. Às vezes, ele ainda permanece curiosamente indiferente e, outras, a bênção de sua graça interior me liga a ele com argolas de aço. Aprendo a me submeter ao enigma de sua personalidade e a aceitá-lo.

Gosto dele, porque ele é muito simples e modesto, mesmo quando a atmosfera de grandeza autêntica está ao seu redor; porque ele não reivindica poderes ocultos, de alguém que conhece para impressionar seus compatriotas, e porque ele é totalmente despretensioso, resistindo fortemente a todos os que o qualificam como santo.

Me parece que a presença de homens como o Maharshi garante a continuidade das mensagens divinas. Me parece, além disso, que é preciso aceitar o fato de que esse sábio venha revelar algo para nós, não para discutir conosco. De qualquer forma, seus ensinamentos são de um forte apelo para mim.

Ele não possui poderes sobrenaturais e não exige fé cega. Ele evita as águas escuras e discutíveis da magia, nas quais tantas viagens promissoras terminaram em naufrágios. Ele simplesmente apresenta uma forma de autoanálise que pode ser praticada independentemente de quaisquer teorias e crenças antigas ou modernas que alguém possa ter, que levará o homem à autocompreensão.

Estou ciente de que a mente do Maharshi está transmitindo algo à minha, embora nenhuma palavra possa estar se cruzando entre nós. Espiritualmente, minha vida está chegando ao seu auge.

Entro no corredor e imediatamente assumo minha postura regular de meditação. Uma intensa interiorização da consciência vem com o cerrar das pálpebras. A sua postura flutua diante da minha mente. Depois, a imagem desaparece, deixando nada além de uma forte sensação de sua presença íntima.

Alguma força nova, poderosa e veloz entra em ação dinâmica dentro do meu mundo interior e me leva para dentro de meu ser, sem resistência. No próximo estágio, eu me afasto do intelecto, consciente de que ele está pensando e assisto os pensamentos com um desapego estranho. O poder de pensar, que até então era motivo de orgulho, agora se torna algo do qual fugir, pois percebo com uma clareza que fui um inconsciente prisioneiro dos pensamentos.

É estranho ter a habilidade de ficar de lado e observar a ação do cérebro como se fosse de outra pessoa e ver como os pensamentos vem e se vão, mas é mais estranho ainda perceber intuitivamente que alguém está prestes a penetrar nos mistérios que se escondem nos recantos mais íntimos da alma. Me sinto como um Cristóvão Colombo prestes a pousar em um continente desconhecido.

Finalmente, o pensamento é extinto como uma vela que se apaga. A mente se eleva em uma fonte transcendental. Permaneço perfeitamente calmo e plenamente consciente de quem sou e do que está ocorrendo. No entanto, meu senso de consciência foi extraído dos limites estreitos da personalidade; tornou-se algo subliminarmente abrangente. O Eu ainda existe, mas é um eu modificado e radiante. Com isso, um surpreendente senso de liberdade acontece, pois o pensamento é como uma ferramenta de tear que vai e volta, e ser libertado de seu movimento tirânico é sair da prisão para o ar livre.

Me encontro fora das fronteiras da consciência mundial. O planeta, que até agora me abrigou, desaparece. Estou no meio de um oceano de luz ardente. A luz é a matéria primeira da qual os mundos são criados, o primeiro estado da matéria. Ela se estende para o espaço infinito, incrivelmente viva.

Eu, o novo Eu, descansa nos braços da felicidade. Bebi da água do esquecimento para que as lembranças amargas de ontem e as preocupações ansiosas de amanhã tenham desaparecido completamente. Consegui uma liberdade divina e uma felicidade indescritível. Abraço toda a creação com profunda simpatia, pois compreendo que conhecer tudo não é apenas perdoar a todos, mas amar a todos. Meu coração está remodelado em êxtase.

Com o cair da noite, me despedi de todos, exceto do Maharshi. Sinto-me silenciosamente contente porque minha batalha pela certeza espiritual foi vencida sem sacrificar o meu racionalismo, por uma credulidade cega. No entanto, quando o Maharshi chega ao pátio um pouco mais tarde, meu contentamento de repente me deserta.

Esse homem me conquistou e isso afeta profundamente meus sentimentos em deixá-lo. Ele me prendeu à sua própria alma com ganchos invisíveis que são mais duros que o aço, embora ele tenha procurado apenas restaurar um homem para si mesmo, libertá-lo e não o escravizar. Ele me levou para a presença benigna do meu Eu espiritual e me ajudou a transformar algo profano em uma experiência viva e feliz. Minha aventura em auto metamorfose terminou.

No Maharshi, descobri os últimos remanescentes daquele “Oriente Místico” de que ouvimos falar, mas que poucos encontram. Conheci um homem incomum que rapidamente ganhou minha veneração. Pois embora ele pertencesse por tradição à classe dos Reis Magos do Oriente, uma classe que desapareceu amplamente do mundo moderno, ele evitou todos os registros de sua existência e desdenhou todos os esforços para lhe dar publicidade.

O mundo quer que seus grandes homens meçam suas vidas por medidas insignificantes. Mas ainda não foi elaborada uma regra que atinja seu auge, pois tais homens, se realmente valem seu nome, derivam sua grandeza, não de si mesmos, mas de outra fonte. E essa fonte se estende até o Infinito. Tais sábios habitam exteriormente, mantendo vivos os segredos divinos que a vida e o destino conspiraram para confiar a seus cuidados.

O Maharshi muito me interessou, apesar do fato de que sua sabedoria não é facilmente aparente, apesar da forte reserva que o envolvia. Ele quebrou seu silêncio habitual apenas para responder perguntas sobre tópicos de profundidade, como a natureza da alma do homem, o mistério de Deus, os estranhos poderes que não são utilizados pela mente humana, e assim por diante, mas quando ele se arriscava a falar, me sentava encantado enquanto ouvia sua voz suave e inspiração brilhava naqueles olhos luminosos. Cada frase que saía de seus lábios parecia conter algum fragmento precioso da verdade essencial.

Na presença do Maharshi, segurança e paz interior é sentida. As radiações espirituais que emanavam dele eram todas penetrantes. Aprendi a reconhecer em sua pessoa as sublimes verdades que ele ensinava, enquanto silenciava em reverência à sua atmosfera incrivelmente santa. Ele possuía uma personalidade divina que desafia a descrição. Eu poderia ter feito anotações abreviadas de seus discursos, talvez até imprimisse o registro deles; mas a parte mais importante de suas declarações, o sabor sutil e silencioso da espiritualidade que emanava dele, nunca pode ser relatado.

Não se podia esquecer aquele maravilhoso sorriso fértil, com sua pitada de sabedoria e paz conquistada pelo sofrimento e pela experiência. Ele era o homem mais compreensivo que eu já conheci; tinha certeza que qualquer palavra emitida, ajudasse a peregrinação de alguém, e essa palavra certificava o que seu sentimento mais profundo já lhe dizia.

As palavras do Maharshi acendem minha memória como luzes de farol. “Colho frutas douradas de reuniões raras com homens sábios”, escreveu Emerson em seu diário, e é certo que peguei cestos inteiros durante minhas conversas com ele. A sua luz apaga o pensamento dos melhores filósofos da Europa.

Encontrei minha própria sorte e não precisava de outra, pois descobri um dos últimos super-homens espirituais da Índia, o sábio iluminado de Tiruvannamalai. Sentei-me a seus pés, e assim aprendi, através de uma experiência dinâmica, o que o homem divino e imortal é realmente feito. Que sorte maior do que essa, nós, pobres mortais, podemos exigir?

Ele sentava imóvel como uma rocha no oceano, de pernas cruzadas em meditação. Imaginávamos que esse homem não tenha conseguido suportar a movimentada procissão da vida; nunca nos ocorre que ele possa ter superado isso.

Uma vez ele disse: “O sofrimento direciona os homens para o seu creador”. Palavras tão simples - mas filosofia inteira está contida nessa frase. E derivavam de um homem que sabia do que estava falando, porque ascendeu a regiões espirituais além de nossa compreensão, a regiões onde Deus está.

Ramana Maharshi era um daqueles poucos homens que aparecem de tempos em tempos e que são únicos - não são cópias de ninguém. Face a face com ele, se sentia na presença de um visitante de outro planeta, outras vezes com um ser de outra espécie.

Olhando para este homem, cujos olhos sem visão estão olhando para o infinito, pensei no conselho ousado de Aristóteles: “Vamos viver como se fôssemos imortais”. Aqui estava alguém que talvez não tivesse ouvido falar de Aristóteles, mas que estava seguindo esse conselho até a última instância.

Quarenta anos se passaram desde que coloquei os pés em sua residência e vi o Maharshi meio reclinado, meio sentado no sofá. Após um período tão longo, a maioria das lembranças do passado se desvanece um pouco, se não perder a existência por completo. Mas posso declarar sinceramente que, nesse caso, nada disso aconteceu. Pelo contrário, seu rosto, expressão, figura e ambiente são tão vívidos agora como eram então. O que é ainda mais importante para mim é que - pelo menos durante meus períodos diários de meditação - o sentimento de sua presença radiante é tão atual e tão imediato hoje quanto no primeiro dia.

Uma impressão tão poderosa não poderia ter sido feita, nem continuada através das inúmeras vicissitudes de uma encarnação que me levou ao redor do mundo, se o Maharshi fosse um iogue comum. Eu conheci dezenas de iogues, em suas variedades orientais e ocidentais, e muitas pessoas excepcionais. Qualquer que seja o status atribuído ao Maharshi por seus seguidores, minha própria posição é independente e imparcial. É baseado em nossas conversas particulares nos primeiros dias em que essas coisas ainda eram possíveis, antes da fama trazer multidões para visitá-lo; mediante observações e conversas com aqueles que estavam ao seu redor; em seu registro histórico; e, finalmente, sobre minhas próprias experiências pessoais. Sob todas as evidências, um fato é incontestavelmente claro de que ele era um canal puro de uma Fonte Superior.

Nenhum fenômeno físico ocultista foi testemunhado na época; nada aconteceu externamente. Mas aqueles que não estavam muito mergulhados no materialismo para reconhecer o que estava acontecendo dentro dele e dentro de si mesmos na época, ou aqueles que não estavam congelados, em suspeita ou crítica, passivos e sensíveis intuitivamente, sentiram uma mudança distinta na atmosfera mental. Era animador e inspirador: os empurrava para fora de si mesmos, mesmo que apenas parcialmente.

Desde o dia em que o encontrei, absorvido em misterioso êxtase, eu viajei por muitas terras, mas meus pensamentos sempre se voltavam para Tiruvannamalai, assim como o muçulmano vira o rosto em oração a Meca, sabia que em algum lugar no mundo, havia um lugar sagrado para mim.

Aos pés do sábio, peguei uma tocha espiritual e a levei para as almas que esperavam no ocidente. Eles acolheram a luz com ansiedade. Não tenho crédito nisso, pois qualquer benefício conseguido a esses buscadores espirituais, vem da tocha que foi acesa pelo próprio Maharshi. Eu fui apenas o instrumento de ligação, sem importância, o humilde portador da tocha.”

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