Por favor, os seus documentos de identidade!
É esta a ordem que toda pessoa que queira viajar, ouve nos portões de embarque.
Por favor, os seus documentos de identidade!
E o viajante tem que mostrar um documento onde conste todos os detalhes do portador, números de identificação, validade, data de nascimento, local, endereço e genitores.
Se trata, portanto, de responder à pergunta social: quem sou eu? Pois o poder público não se interessa pelo problema individual: que sou eu? Não se interessa pelo Eu cósmico, mas apenas pelo ego humano; não pela realidade do meu Eu, mas por aquilo que identifica as características do meu ego.
A minha verdadeira identidade não está em nenhum papel. O meu Eu, nada tem a ver com tempo, espaço e história familiar. O meu Eu verdadeiro individual é uma projeção da Realidade Universal que ocorreu fora do planeta Terra, muito antes que meus pais me revestissem de um corpo material. A origem do meu Eu não é terrestre, mas cósmica.
Por favor, os seus documentos de identidade!
A minha identidade, a minha origem, remonta a milhões de anos e séculos, ao tempo quando a eterna Divindade projetou da sua Realidade Universal, a minha individualidade.
Só a Divindade sabe de onde e quando da minha origem; o meu Eu cósmico não tem pai nem mãe – o meu Eu nasceu da Divindade.
Mas, uma pergunta: por que o meu Eu cósmico se fez ego telúrico? Por que a minha individualidade divina se fez personalidade humana? Por que o meu Verbo se fez carne?
Qual o plano cósmico que está por detrás da minha encarnação terrestre? Por que o Eu da minha identidade apareceu aqui revestido pelas características do meu ego, que o faz diferente do meu Eu?
Eu sou a identidade – eu tenho variadas características. Essas características são como uma roupagem que me foi emprestada de meus antepassados, para aparecer no cenário da Terra, mas Eu não sou essa roupagem do meu ego que apresenta umas características terrenas que não são do meu Eu; Eu apenas tenho essa roupagem. Eu sou um ator no palco da vida, que se fantasiou com a pessoa ou máscara de um ego pessoal. O meu nascimento terrestre é o início da minha personalidade que usa uma máscara – a minha morte será o fim dessa peça de teatro que estou desempenhando nos palcos terrestres.
Esse drama da minha encarnação terrestre terá alguma finalidade razoável? Aconteceu por acaso? Ou como punição? Ou talvez para uma possível evolução?
São estas as eternas perguntas da filosofia e da religião.
O escritor inglês G.K. Chesterton, poeta, filósofo, jornalista, escreveu que a humanidade perdeu os seus caminhos, mas agora perdeu também o seu endereço; não sabe de onde veio, para onde vai, a razão do porque está aqui – o homem nem sabe quem ele é, “o homem, esse desconhecido.”
Qual a finalidade da vida terrestre?
Se não existe o acaso, então a minha encarnação terrestre não aconteceu assim, casualmente, mas causalmente, Eu fui causado, Eu tive uma origem. As leis cósmicas devem ter algum plano determinado com o meu aparecimento no cenário terrestre.
Por que eu vim parar aqui?
Na minha existência cósmica, pré terrestre, eu era uma creatura de Deus, uma creação individual da Divindade Universal. Eu era uma creatura – será que eu era também creador? Será que eu possuía algum poder creativo? Será que eu podia modificar o fato da minha existência enquanto creatura potencial por algum fator de creatividade? Será que na minha existência pré ego eu podia me crear melhor, me fazer melhor?
Diante dessas questões, se pode chegar à ideia de que as Leis Cósmicas decidiram que eu encarnasse num corpo material, pois queriam que houvesse aqui na Terra, não só creaturas passivas, mas creadores ativos.
Para quê?
Para estabelecer uma tensão, uma resistência, entre o meu Eu espiritual e o meu ego material, entre o meu Ser e o meu agir.
E desde então eu sou fogo e água em conflito. Quando a água cai sobre o fogo, apaga o fogo. Mas, quando o fogo é colocado debaixo de um recipiente com água, esquenta a água, transforma a água em vapor, e o vapor tem uma potência imensa, que a água em repouso não tem.
O fogo, dominando a água, beneficia a água.
O ego, dominando o Eu, o destrói.
O Eu, dominando o ego, o melhora.
De acordo com a Bhagavad Gita, “O ego é o pior inimigo do Eu, mas o Eu é o melhor amigo do ego. O ego é um péssimo senhor, mas é um ótimo servidor.”
O fogo do meu Eu divino se revestiu da água do meu ego humano para o beneficiar.
Eu estou aqui na Terra para realizar um teste. As Leis Cósmicas querem que uma parte da matéria seja espiritualizada pelo poder do espírito. Para que a minha existência enquanto creatura creada se transforme em creatividade creadora, para que a minha potencialidade creadora culmine em dinâmica creadora – é esta a razão da minha encarnação terrestre. Se não houvesse tensão entre o meu Eu e o meu ego, não haveria creatividade em mim.
A água, dominando o fogo, apaga o fogo.
O meu Verbo se fez carne para que a minha carne se faça Verbo, para que a minha existência enquanto creatura objetiva culmine em creatividade subjetiva.
Parece que o supremo Creador do Universo não quis monopolizar a sua Infinita creatividade; distribuiu-a em muitas creatividades finitas; quis que houvesse creaturas creadoras, creaturas-deuses. “Vós sois deuses.”
Será que Moisés quis dizer isto quando escreveu que o homem é “imagem e semelhança de Deus?” Que o homem é um creador subalterno, assim como Deus é o Creador supremo.
Estamos aqui na Terra para nos tornarmos creadores, para nos tornarmos melhores a partir do poder creativo que Deus nos ofereceu. Deus me fez creatura potencialmente creadora – e eu me faço uma creatura dinamicamente creadora, ou seja, efetivamente creadora.
Quando o senhor daqueles três servos da parábola dos talentos distribuiu os seus pertences, mandou que os servos trabalhassem com esses recursos, lhes ofereceu uma potencialidade creadora, para que eles fizessem dessa potencialidade uma dinâmica creadora. Os dois primeiros servos corresponderam com a tarefa: de creativos se tornaram creadores, duplicando o seu potencial dinamizando suas creatividades. E são chamados “servos bons e fiéis.”
Apenas o terceiro servo se contentou passivamente com a sua potencialidade creadora, e não realizou efetivamente, nenhuma creatividade – e esse é chamado “servo mau e preguiçoso,” e perdeu a sua própria creatividade, acabando em creatura não creadora. Quem não põe em prática a sua creatividade perde até a sua potencialidade creadora, perde o potencial que o faz humano.
O teste da vida terrestre consiste, pois, em interpor a identidade do nosso Eu divino em todos os atributos do nosso ego humano, nas nossas peculiaridades físicas, mentais e emocionais.
Isto é auto-realização.
Por favor, os seus documentos de identidade!
Sem essa identidade ninguém pode viajar para mundos superiores.
A identificação com as características do nosso ego, que ignora a consciência que nos identifica com o nosso Eu, é o grande pecado da humanidade, é o nosso pecado original. E esse pecado original da ilusão da ego-identidade não é extinto por nenhum batismo ritual – é extinto somente pelo mergulho de todas as nossas características terrenas no oceano da nossa identidade divina. “Eu e o Pai somos um.”
Quem não mergulha na verdade da sua identidade divina não se liberta do pecado das suas características egóicas.
A presença inconsciente da Divindade no homem é um presente de berço, faz parte da natureza humana; mas essa Divindade inconsciente pode tornar-se uma Divindade consciente; o consciente potencial pode se tornar um consciente dinâmico pelo poder da consciência ou livre-arbítrio do homem.
Quando o Eu ultrapassa o ego, ocorre um sofrimento para o ego que acaba sendo desintegrado pelo Eu, e, ao mesmo tempo, integrado no Eu, pois toda evolução do Eu que ultrapasse a barreira do ego é um sofrimento. Não há integração do ego no Eu sem uma desintegração desse ego; não há redenção sem sofrimento.
É esse o “caminho estreito e a porta apertada” de que fala Jesus; é esta a “dureza de diamante” de que fala Mahatma Gandhi.
Mas, uma vez integrado no Eu, o ego entra na zona do “jugo suave e peso leve,” ou seja, na “delicadeza da flor de pessegueiro.” É esse o caminho doloroso-glorioso da evolução do homem rumo à sua auto-realização, rumo ao homem integral, ao homem cósmico.
Quando o homem ainda se identifica com o seu ego humano, ele anda no “caminho estreito” e passa pela “porta apertada” do dever compulsório, sempre difícil e com sacrifício; mas, depois de despertado para a consciência da realidade do seu Eu divino, entra na zona do “jugo suave e do peso leve” do querer espontâneo; passa da boa vontade da virtuosidade da moral para a sapiência da compreensão, e sua moral dolorosa se transforma numa ética jubilosa – e só então ele encontra “repouso para sua alma”.
Quando Mahatma Gandhi escreveu que “a Verdade é dura como diamante e delicada como flor de pessegueiro,” ele compreendeu que a dureza do dever se pode associar à delicadeza do querer – eu quero espontaneamente o que devo necessariamente – suposto que o meu ego entre na zona do meu Eu sapiente.
“Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará.”
Texto revisado e em parte, extraído do livro Lúcifer e Logos
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