Em 1969, Huberto Rohden foi visitar três continentes: Europa, Ásia e África.
Para que? Em busca
da verdade? À procura de homens diferentes?
Não! Os homens são
fundamentalmente os mesmos, em toda parte...
Porém leitor
amigo, não esperes encontrar nas linhas abaixo, algo como um guia de turismo,
descrições de culturas alheias, visões panorâmicas de países e povos que Rohden
visitou. Nada disto encontrarás. Ele dirá apenas - mais a ele mesmo do que a
você - o que pessoas e povos lhe disseram, mais pelo seu ser do que pelo seu
dizer, enquanto viajavam através dele.
Se você tiver outras
ideias desses continentes e povos, eu as aceito como igualmente verdadeiras, embora
possam ser diferentes das minhas. Diversidade de opinião não é hostilidade. Se
não houve essa diversidade, este mundo seria de uma monotonia insuportável.
Rohden viajou
pelas diversidades de outras civilizações, para sentir mais intensamente sua
própria unidade - unidade na diversidade, é a identidade do caráter diferente
metafisicamente falando. Dessa viagem através do mundo de fora e do seu mundo
particular de dentro, surgiu um livro, MINHAS VIVÊNCIAS NA PALESTINA, NO EGITO
E NA ÍNDIA, cuja primeira edição se deu em 1971, livro que transporta o leitor
aos mais antigos tempos de civilizações passadas e ao mesmo tempo no íntimo das
ideias de um grande pensador do século 20.
“...Enquanto eu viajava
pelos mundos, dava ordem aos mundos para viajarem através de mim, que me
mostrassem o mesmo homem já conhecido, mas em diferentes perspectivas.
Nunca o homem se
conhece tão bem a si mesmo como quando recebe o impacto de homens alheios. A
metafísica do caráter diferente dos outros catalisa e intensifica em nós a
identidade própria. Cristaliza o nosso autoconhecimento.
De todos os povos
que encontrei - que poderiam eles me dizer de novo?
Religiões cristãs
de vários matizes, crenças hebreias e cultos maometanos, filosofias herméticas,
mistérios helênicos, metafísicas brâmanes e místicas budistas; templos,
igrejas, mesquitas, pagodes, sinagogas - nada de novo me disseram, mas tornaram
mais conscientes em mim aquilo que eu já era e sabia.
Nesses espelhos vi
o que sem espelho não poderia ver: o meu próprio semblante refletido neles,
atitude de minha alma, o caráter de meu Eu individual.
Em Beirute, decidi
passar um dia inteiro na solidão das montanhas rochosas onde se formaram cavernas
naturais como se fossem habitações rústicas.
Levantei cedo e me
preparei para essa peregrinação. Levava comigo uma garrafa de água, pão e uvas.
Escolhi o rochedo e fui subindo devagar, através de um mundo de espinhos,
pulando de pedra em pedra até alcançar as rochas mais altas e encontrar uma
caverna, e aí, me separei do mundo. Fiquei doze horas a sós, comigo mesmo e com
Deus, em pé, sentado, deitado, na mais profunda solidão, interrompida apenas
pelo chiar de cigarras e o canto de pássaros.
Naquele momento,
esses rochedos me pareciam o único lugar digno para entrar em comunhão com
Deus. Não havia o menor vestígio de civilização humana. Nenhum turista jamais
profanara esses santuários da natureza. As auras eram virgens e puríssimas,
como no dia do Genesis.
O silêncio e a
solidão são poderosos catalizadores espirituais. São também fatores que
purificam todas as impurezas de nosso ego. O ego vive no barulho e do barulho -
e morre no silêncio. Quando falta ao homem-ego o seu querido barulho diário,
ele começa a agonizar lentamente, e, se não encontrar zonas barulhentas, acaba
por morrer, asfixiado como peixe fora d'água...
E, depois da morte
do ego, nasce o Eu divino, que ama o silêncio como o próprio Deus, que é eterno
e infinito Silêncio.
Como tornar clara
uma água turva? Deixando-a quieta – e ela se tornará clara por si mesma.
Todo o ruído,
tanto físico como mental, é impureza e profanidade – ao passo que o silêncio e
a quietude são pureza e sacralidade.
Depois de algum
tempo de contínuo silêncio e meditação, a alma entra numa grande receptividade
espiritual, de maneira que qualquer sementinha de verdade brota com espontânea
facilidade. Joel Goldsmith, no seu livro “A Arte de Curar pelo Espírito”
menciona o silêncio como fator de preparação para curar enfermidades de toda a
espécie. Parece que existe até uma silêncio-terapia. Não se trata,
naturalmente, do simples fato objetivo do silêncio, mas de uma atitude
subjetiva de estar em silêncio, na quietude. Trata-se do silêncio-presença, e
não do silêncio-ausência. Do silêncio-plenitude, e não do silêncio-vacuidade.
Geralmente as
pessoas falam, falam, falam, mas sem dizer nada, em puras conversações
desnecessárias. Falar para elas parece uma comichão na língua, que para ser
aliviado, precisa falar, falar, falar; o mesmo se passa quando a gente começa a
se cocar, mais coceiras aparecem.
Falar é a melhor
maneira para não ter pensamentos, ou, pelo menos, para não deixar crescer e
desenvolver um único pensamento decente. Quem muito fala pouco pensa. É como se
alguém passasse constantemente a enxada pelo chão, raspando, raspando e
cortando qualquer plantinha que, porventura, quisesse brotar. Nada terá tempo
para brotar e crescer.
Falar afugenta o pensamento
- pensar afugenta a intuição.
Só quem silencia
verbal e mentalmente, mas se conserva plenamente alerta, esse receberá
intuição, inspiração, revelação.
Quando o homem se
habitua ao silêncio, ele entra na “comunhão dos santos” e verifica que o
Universo todo é um deserto povoado, uma vacuidade sonora...
Quando perguntaram
ao grande Heráclito de Éfeso o que ele aprendera em tantos decênios de
filosofia, respondeu: “Aprendi a falar comigo mesmo”. Isto é, falar sem
palavras, em espírito e em verdade.
Quantas vezes,
andando pelas ruidosas ruas de qualquer cidade, acompanhado de alguma pessoa,
se ando calado por um ou dois minutos, me pergunta se eu estou zangado; se
passo cinco minutos em silêncio, pergunta se estou doente, e ficando até
disposta a me levar para o médico.
É esta a estranha
filosofia do homem-ego; para ele, falar é saúde, calar é doença. Deus que é
infinito silêncio, deve estar mesmo muito doente!
A arte de calar
dinamicamente é tão grande que nenhum homem-ego a aprende.
Quem nunca
mergulhou profundamente no silêncio-plenitude só pode falar vacuidades, talvez
brilhantes vacuidades, como bolhas de sabão.
Quando o homem
fala, Deus se cala.
Quando o homem se
cala, Deus fala.
Calar quer dizer
mergulhar no Infinito, no Eterno, no imenso Oceano da Realidade, da Divindade.
Só quando o homem está assim, mergulhado em Deus, é que ele está realmente
calado, carregado de espiritualidade. O homem não espiritual é superficial,
flutuando na superfície das coisas ilusórias do ego ...
Ao fim da tarde,
deixei minha caverna e desci a montanha e um veículo me levou de volta a
Bikfaia para o hotel onde estava hospedado. Sentia-me leve, puro, etéreo, e não
tive o menor desejo de deixar a divina paz daquela caverna, para voltar às ruas
repletas de barulhos humanos!”
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