Tuesday 21 December 2021

A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO

A mensagem do Cristo Jesus, começa a entrar, nesta alvorada do século 21, na idade madura de sua forma crística e cósmica, depois de ter atravessado um longo período de infância e adolescência de cristianismo teológico.

O que Jesus disse, durante o período do barbarismo pagão do Império Romano e do ritualismo judaico da sinagoga de Israel, não foi devidamente considerada por aquela humanidade espiritualmente infantil. Apenas um ou outro espírito intuitivo atingiu a grandeza da compreensão da mensagem que visa uma humanidade espiritualmente adulta.

Ela é da mais elevada metafísica e não foi até hoje compreendida, e por essa razão, os mestres espirituais resolveram apresentar a metafísica cósmica do Evangelho em forma de uma pedagogia teológica, visando moralizar o homem espiritualmente primitivo. Deus, o Cristo, o homem, a vida após a morte... tudo foi divulgado em moldes infantis, “leite para crianças”, como diria Paulo de Tarso.

Sobretudo, a ideologia da redenção ou salvação apareceu em forma de pedagogia infantil: Satanás, o anti-Deus, fez o homem cair no pecado, e o Cristo, Filho de Deus, veio para libertar o homem do poder do anti-Deus. A perdição do homem vinha de fora, de um fator alheio; consequentemente, a redenção devia também vir de fora, de um fator alheio.

Ocorre que durante esses mais de 20 séculos, sempre houve gênios espirituais que anteciparam séculos futuros e vislumbraram a alma divina da mensagem do Cristo.

Ultimamente, está surgindo um número cada vez maior de homens que, para além do cristianismo teológico, vislumbram a forma crística espiritual, pois cada vez maior é a ânsia de uma experiência direta de Deus, em vez de uma simples crença em doutrinas sobre Deus.

Essa intuição, é de uma elite humana reduzida em comparação com a massa dos que não conseguem ultrapassar a crença tradicional, pois essa elite espiritual da cristandade sabe que redenção é autorredenção, é Cristo-redenção, que é a redenção pelo Cristo interno que está presente em todo ser humano.

Segundo o Evangelho, essa autorredenção consiste no despertamento da consciência do Cristo e de uma vivência de acordo com esta experiência.

As teologias eclesiásticas professam até hoje uma ou outra forma de redenção por fatores externos, quando o Evangelho do Cristo só conhece autorredenção. Um setor do cristianismo ensina redenção por meio de objetos e fórmulas sagradas, que ainda são reminiscência dos antigos “mistérios” do império Romano, cujos centros eram Delfos, Eleusis, os Templos de Ísis e Osíris, os Órficos, os Pitagóricos, etc. Era crença geral do paganismo que certos ritos esotéricos conferiam pureza e santidade ao homem, quando ministrados por pessoas idôneas.

Outro setor da cristandade, contaminada pela ideologia da sinagoga, optou por uma redenção pelo sangue, como a do “bode expiatório” que foi humanizado na pessoa de Jesus. Na teologia do clero, um Deus sanguinário, ofendido pelos pecados do homem, exigia como pagamento de reconciliação o sangue de um ser inocente, fosse animal ou um homem sem pecado; em qualquer hipótese, sempre uma redenção por fatores externos.

Desde o início, certas palavras de Jesus foram interpretadas neste sentido: de redenção sacramental, ou de redenção pelo sangue, ainda que o próprio Cristo Jesus tenha proclamado unicamente uma autorredenção, ou seja, uma purificação e santificação do homem pelo espírito de Deus que nele habita.

Em última análise, todas as teologias clericais de todos os setores, admitem a redenção por sangue alheio. Divergem apenas no tocante ao modo da aplicação desse sangue ao homem; para alguns, essa aplicação é feita por meio de objetos sacramentais, para outros, ela é feita por um ato de fé ou crença nesse sangue alheio.

Tomás de Aquino, considerado o maior teólogo cristão, escreveu que uma única gota de sangue de Jesus seria suficiente para redimir de todos os crimes a humanidade inteira. Felizmente, no final de sua vida, o famoso teólogo se retratou, dizendo que tudo o que ele tinha escrito, era “palha”, ou seja, escritos inúteis!

Todas essas difíceis interpretações giram em torno do antiquíssimo problema da natureza humana: que é o homem?

Nos séculos 4 e 5 da Era Cristã, dois teólogos, Agostinho, o africano, e Pelágio, o monge britânico que vivia em Roma, travaram violento duelo mental sobre como se dava a redenção: Pelágio defendia a redenção pelo poder do livre arbítrio humano, enquanto Agostinho defendia a redenção pelo poder da graça divina; Deus salva o homem, o homem só se pode perder por si mesmo, mas não se pode salvar por si mesmo.  

Possivelmente, toda essa polêmica entre os dois teólogos cristãos, que marcou época   e motivou extensas discussões e Concílios, se baseava num equívoco, ou em ignorância sobre a natureza do homem: se Pelágio entendia redenção pelo ego humano, Agostinho não podia aceitar essa redenção. Mas, se Pelágio entendia o Eu essencial e divino como redentor, concordava com o pensamento do filósofo africano.  Infelizmente, os dois nunca se definiram claramente sobre o que eles entendiam por “homem”.  A criança, via de regra, obedece a instruções alheias; somente o homem adulto é que se guia pela autonomia do seu livre arbítrio. Ou seja, o homem espiritualmente infantil só pode dar crédito a uma redenção por fatores alheios, enquanto o espiritualmente maduro, compreende uma autorredenção autônoma.

O homem com um certo grau de razão mental, admite tanto o homem-pecador como o homem-redentor, porque conhece a bipolaridade da natureza humana.

A parábola dos talentos é uma deslumbrante apoteose da possibilidade da autorredenção do homem. Os dois primeiros servos - o dos cinco e o dos dois talentos - crearam valores próprios pelo seu livre arbítrio, e são chamados “servos bons e fiéis”, que entraram “no gozo do seu senhor”; dinamizaram as suas potencialidades, se auto redimiram. No entanto, o terceiro servo, embora auto redimível, não se auto redimiu, e é chamado “servo mau e preguiçoso”.

Na parábola da videira “...se vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e será concedido”, aparece o Cristo interno como redentor do homem que conscientizou esse Eu divino e viveu de acordo com ele.

Aliás, no “primeiro e maior de todos os mandamentos”, toda a redenção e santificação do homem é atribuída à consciência mística revelada em vivência ética; e nestes “dois mandamentos” consistem toda a “lei e os profetas”, consiste na redenção ou realização do homem integral. Jesus não menciona com nenhuma palavra a uma redenção sacramental ou a uma redenção pelo seu sangue como se fosse um elixir da redenção, e que pudessem espiritualizar a alma; para ele, toda a redenção é uma autorredenção pela experiência divina e pela vivência humana, pela mística do amor vertical ao Pai (primeiro mandamento) revelada pela ética do amor horizontal aos filhos do Pai (segundo mandamento).

No início do século 4 nasceram as teologias cristãs. E, como quase 90% do cristianismo primitivo era formado de povos bárbaros e escravos do Império Romano, os chefes espirituais se viram obrigados a adaptar as grandes verdades da mensagem do Cristo Jesus à mentalidade desses iniciantes nas coisas do espírito. Desde esse tempo, a palavra “Pai” foi tomada fundamentalmente em sentido hominal, embora altamente sublimada. E desse conceito de um Deus pessoa, se originou a ideia da redenção do homem por fatores externos.

Nessa comparação, se pode compreender a imagem da teologia clerical dessa redenção: Deus se sentia ofendido pelo homem pecador. O devedor era insolvente, incapaz de pagar o seu débito ao credor divino. Apareceu então o único homem sem dívida e emitiu um cheque a favor da humanidade devedora. O preço da redenção era o seu próprio sangue, oferecido a um Deus que só aceitava reconciliação por meio de sangue. O sangue do “bode expiatório” da sinagoga de Israel, foi então substituído pelo sangue do único homem sem pecado. Sendo que o cheque do sangue de Jesus é de infinito valor, todos os pecados da humanidade são pagos por ele. Todo homem pode endossar para si esse cheque e assim se libertar da sua dívida para com Deus.

O modo de endossar esse cheque difere de teologia a teologia: para uns, esse endossamento é feito por meio de sacramentos; para outros, é por um ato de fé. De qualquer maneira, é uma redenção por fatores externos, porque o pagador do débito não é o próprio homem, mas um fator alheio.

De uma certa maneira, se pode considerar essa prática à compra de indulgências que foi enquadrada pela Congregação das Indulgências, criada pelo papa Clemente VIII durante a Idade Média.

Esta teoria de redenção dos teólogos eclesiásticos peca por várias suposições insustentáveis:

1)- Admite que Deus possa ser ofendido – quando ser ofendido supõe a mentalidade mesquinha do ego; quanto mais espiritualmente elevado é um ser, menos ofendido se sente. Homens, como Mahatma Gandhi, chegaram ao ponto de ignorar qualquer ofensa. 

2)- Esta provável impossibilidade de autorredenção supõe que o homem seja integralmente mau, o que nenhuma filosofia ou psicologia admitem, uma vez que o homem é pecador somente no seu ego humano, mas redentor no seu Eu divino.

3)- É absurdo supor que o homem, dotado de livre arbítrio, possa ser redimido por um fator alheio a ele mesmo, o que seria a total negação da autonomia espiritual do homem.

Toda a realização, redenção ou salvação, consiste essencialmente em dois aspectos: Oração e Renúncia, que são as duas asas sobre as quais a alma se ergue e se liberta com Deus.

“Orai sempre, e nunca deixeis de orar” - “Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu discípulo”.

A oração permanente é o mesmo que cosmo-meditação, ou Cristo-conscientização, ou vivência na consciência cósmica, sem a qual é impossível a plena realização.

Quando o Cristo Jesus afirma sobre a renúncia, ele não visa a renúncia aos bens objetivos, essenciais à sobrevivência e conforto, mas sim ao bem subjetivo, daquilo que se passa no espírito ou no pensamento ou resultado das percepções pessoais, ou seja, do ego, que é o maior inimigo do Eu essencial e divino.

Quem não renunciou ao seu ego pessoal não pode renunciar aos objetos impessoais, e, ainda que a estes renunciasse, não seria uma renúncia perfeita, seria uma renúncia forçada e com dor, que não é uma renúncia garantida. Renúncia perfeita é somente aquela que se faz com alegria e espontaneidade. A renúncia aos objetos impessoais só é possível na renúncia ao ego pessoal. Quem renunciou a seu ego subjetivo não encontra nenhuma dificuldade na renúncia aos bens objetivos.

Texto revisado, extraído do prefácio do livro A Metafísica do Cristianismo. 

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