PRÓLOGO
O trabalho que segue foi retirado do livro Os
Grandes Iniciados, Um Estudo da História Secreta das Religiões, publicado primeiramente
em inglês, em 1908 e de autoria de Édouard Schuré (1841-1929), filósofo
francês, poeta, dramaturgo, romancista, crítico musical e publicitário de
literatura esotérica.
Schuré foi graduado em direito pela Universidade de
Strasbourg, atividade que porém nunca exerceu. Interessou-se pela literatura
alemã e francesa, pela música de Richard Wagner, tornando-se seu amigo
particular e na convivialidade com Friedrich Nietzche, também cultor do
compositor alemão.
Influenciado pelo famoso ocultista francês, Fabre
d'Olivet, Schuré direciona seus interesses no esoterismo e ocultismo. Em 1884,
conhece a fundadora da Sociedade Teosófica, Helena Blavatsky. Em 1889,
publicou, após alguns trabalhos menores sobre temas semelhantes, sua obra
principal Les Grands Initiés (Os Grandes Iniciados), e no início do
século 20, conhece Rudolf Steiner, o fundador da Sociedade Antroposófica, sociedade
essa que postula a existência de um mundo espiritual objetivo, intelectualmente
compreensível e acessível à experiência humana. Com Rudolf Steiner, Schuré manteve
uma longa amizade.
O livro, Os Grandes Iniciados, é considerado por
muitos estudiosos, como uma obra-prima. Nele, Schuré descreve o caminho que
provavelmente seguiram alguns dos antigos filósofos em busca de conhecimento
esotérico profundo, muitas vezes chamado de “iniciação”.
Os que estão familiarizados com Rama, Krishna, Hermes
Trismegistus, Moisés, Orfeu, Sócrates, Pitágoras, Platão, Jesus, encontrarão
referências frequentes na obra de Schuré, que entendia que o conhecimento
esotérico secreto era conhecido por todos eles, e que essas personalidades representavam
os pilares da civilização e os fundadores de formas espirituais e filosóficas
de ser, e em alguns casos, religiões.
O que vai apresentado abaixo, é a última parte do
livro, Jesus, o Último Grande Iniciado. Divide-se não apenas no Jesus
histórico, nas profecias, no tempo em que viveu, sua mãe, os Essênios, João
Batista, sua vida pública, os milagres, os apóstolos, as mulheres, as lutas com
os fariseus, Cesareia, a transfiguração, a ida a Jerusalém, a última ceia,
julgamento, morte e ressureição, a promessa e seu cumprimento, o templo, enfim,
a missão de Jesus.
PREFÁCIO
Os estudos críticos sobre a vida de Jesus durante o
século 19, foram de extraordinário destaque, onde um relato completo desses
estudos pode ser encontrado no brilhante esboço feito por M. Sabatier, em seu
trabalho no Dicionário de Ciências Religiosas, no tópico sobre Jesus, no qual
toda a história e o estado atual dessa investigação são fornecidos. Por ora,
basta referir-se às duas fases principais fornecidas por David F. Strauss e
Joseph E. Renan, com o objetivo de determinar o ponto de vista inicial apresentado
nesta obra.
Partindo da escola filosófica de Georg W. F. Hegel
para se aliar à crítica histórica de Ferdinand Christian Baur, Strauss, sem
negar a existência de Jesus, procurou provar que sua vida, conforme relatada
nos Evangelhos, é um mito, uma lenda criada pela imaginação popular, para
atender às necessidades de um cristianismo crescente, e de acordo com a
profecia do Antigo Testamento. Sua posição, puramente negativa, mas que
defendeu com grande habilidade e erudição, foi considerada verdadeira em alguns
detalhes, mas bastante insustentável na totalidade de seus elementos
essenciais. Além disso, tem o grave defeito de não explicar nem o caráter de
Jesus nem a origem do cristianismo. A vida de Jesus, segundo Strauss, é um
sistema planetário sem sol. Um mérito, entretanto, deve ser concedido a esse
trabalho, o de ter transferido o problema do terreno da teologia dogmática para
o da crítica textual e histórica.
A Vida de Jesus, M. Renan, deve seu brilhante sucesso
às suas qualidades elevadas, estéticas e literárias, bem como à ousadia do
escritor, de ser o primeiro que ousou fazer da vida do Cristo um problema de
psicologia humana. Mas ele resolveu o problema? Depois do sucesso do livro, a
opinião geral de todos os críticos sérios foi negativa. O Jesus de M. Renan
começa sua carreira como um sonhador gentil, um moralista entusiasta e
simplório, que termina como um taumaturgo violento, destituído de qualquer
ideia de realidade. “Apesar de todas as precauções do historiador”, diz M.
Sabatier, “é a marcha de uma mente sã na direção da loucura. O Cristo de M.
Renan paira entre a ambição e os sonhos de um vidente." O fato é que ele
se torna o Messias sem desejar e quase sem saber disso. Ele se permite receber
esse título apenas para agradar aos apóstolos e cumprir o desejo popular. Não é
com uma fé débil que um verdadeiro profeta cria uma nova religião e muda a alma
da terra. A vida de Jesus, segundo M. Renan, é um sistema planetário iluminado
por um sol pálido, desprovido de magnetismo vivificante ou calor criador.
Como Jesus se tornou o Messias, é a questão
primordial, cuja solução é essencial para a correta compreensão do Cristo; é
também aquilo diante do qual M. Renan hesitou e se afastou. M. Théodore Kein
viu que essa questão deve ser enfrentada com ousadia (Das Leben Jesu, Zürich,
1875, 3ª edição). No seu livro A Vida de Jesus é a mais notável que apareceu
desde a de M. Renan. Ela lança sobre a questão toda a luz fornecida pelos
textos e pela história interpretados esotericamente. Mas o problema não pode
ser resolvido sem a ajuda da intuição e da tradição esotérica.
É por meio dessa luz esotérica, a chama interior de
todas as religiões, a verdade central de toda filosofia fecunda, em que aqui se
tenta reconstruir em suas linhas principais, a vida de Jesus, levando em
consideração qualquer crítica histórica anterior que tenha esclarecido até
agora e preparado o terreno. Não há necessidade de definir o que se quer dizer
com o ponto de vista esotérico, a síntese da Religião e da Ciência. Quanto ao
valor histórico e relativo dos Evangelhos, foram tomados como base, os três
Evangelhos sinópticos (os de Mateus, Marcos e Lucas), e o de João como o arcano
do ensino esotérico de Cristo, ao mesmo tempo reconhecendo a linguagem e forma,
e a tendência simbólica desse Evangelho.
Todos os quatro Evangelhos, que devem ser examinados e
verificados mutuamente, são igualmente autênticos, embora de diferentes
considerações. Os de Mateus e Marcos são evangelhos preciosos na letra e fatos;
aí se encontram as ações e palavras públicas de Cristo. Em Lucas, se oferece um
vislumbre do significado do mistério por trás do véu da lenda poética; é o
Evangelho da Alma, da Mulher e do Amor. Em Joao, sao revelados esses mistérios;
em seu Evangelho encontram-se as profundezas internas da doutrina, o
ensinamento secreto, o significado da promessa, a reserva esotérica. Clemente
de Alexandria, um dos poucos bispos cristãos que possuía a chave do esoterismo
universal, corretamente chamou-o de Evangelho do Espírito. João tem uma visão
profunda das verdades transcendentes reveladas por Jesus e uma grande
facilidade em apresentá-las, e por isso mesmo, seu símbolo é a Águia, cuja asa
corta o firmamento e o olho flamejante abrange as profundezas do espaço.
A CONDIÇÃO DO MUNDO NA ÉPOCA DO NASCIMENTO DE JESUS
Um período solene do destino do mundo se aproximava; o
céu estava carregado de nuvens negras e cheio de presságios sinistros.
Apesar dos esforços dos iniciados, Rama, Krishna,
Hermes Trismegistus, Moisés, Orfeu, Pitágoras, Platão, o politeísmo, em toda a
Ásia, África e Europa, terminara apenas com a queda da civilização no tempo
desses iniciados. A sublime descrição hipotética da criação do mundo de Orfeu,
tão gloriosamente cantada por Homero, não havia sido atingida, e a única explicação
possível é que a natureza humana encontrava grande dificuldade em manter uma
certa grandeza intelectual. Para os grandes espíritos da antiguidade, os deuses
nunca foram nada mais do que uma expressão poética das forças subordinadas da
Natureza, uma imagem de seu organismo interior; é como símbolos das forças
cósmicas e anímicas que esses deuses vivem indestrutíveis na consciência da
humanidade. Essa diversidade de deuses e forças, pensavam os iniciados, era
dominada e penetrada pelo Deus supremo ou puro Espírito. O objetivo principal
dos santuários de Mênfis, Delfos e Elêusis era precisamente o ensino dessa
unidade de Deus com as ideias teosóficas e a disciplina moral daí resultantes.
Mas os discípulos de Orfeu, Pitágoras e Platão
falharam diante do egoísmo dos políticos, da sordidez dos sofistas e das
paixões da turba. A decomposição social e política da Grécia foi consequência
de sua decomposição religiosa, moral e intelectual. Apolo, a manifestação do
Deus supremo e do mundo supraterrestre, está em silêncio. Não há mais oráculos,
não há mais poetas inspirados para serem ouvidos! Minerva, sabedoria e
previsão, velam seu semblante na presença de seu povo convertido em sátiros,
profanando os mistérios e insultando os deuses em farsas de Aristófanes no palco
de Baco. Os próprios mistérios são corrompidos, pois bajuladores e cortesãs são
admitidos nos ritos de Elêusis. (…) Quando a alma fica embotada, a religião cai
na idolatria; quando o pensamento se torna materialista, a filosofia degenera
em ceticismo. Assim, vemos Lucian de Samosata, pobre micróbio nascido do
cadáver do paganismo, transformar os mitos no ridículo, quando uma vez o
filósofo cético Carneades havia negado sua origem científica.
Supersticiosa na religião, agnóstica na filosofia, egoísta
e dividida na política, cambaleando sob a anarquia e fatalmente abandonada ao
despotismo, a Grécia mudou tristemente desde a época em que ela transmitiu a
ciência do Egito e os mistérios da Ásia em formas imortais de beleza.
Se houve alguém que entendeu o que o mundo precisava,
e se esforçando para restaurar essa necessidade de forma genial e heroica, esse
foi Alexandre, o Grande. Esse lendário conquistador, iniciado, como seu pai
Filipe, nos mistérios de Samotrácia, provou ser mais um filho intelectual de
Orfeu do que um discípulo de Aristóteles. Ele, o chamado Aquiles da Macedônia,
atravessou a Ásia até a Índia, sonhando com um império universal, mas não à
moda dos Césares, pela opressão do povo e pela destruição da religião e
ciência. Sua ideia era reconciliar a Ásia e a Europa por uma síntese de
religiões, apoiada por autoridade científica. Impelido por esse pensamento,
prestou homenagem à ciência de Aristóteles, como fez a Minerva de Atenas, o
Jeová de Jerusalém, o Osíris egípcio e o Brahma hindu, reconhecendo, como faria
um verdadeiro iniciado, uma divindade e sabedoria idênticas sob esses
diferentes símbolos. Este novo Dioniso possuía uma ampla simpatia e uma visão
profética poderosa. A espada de Alexandre estampou o último brilho da Grécia de
Orfeu, iluminando o Oriente e o Ocidente. O filho de Filipe morreu na
embriaguez da vitória e na gloriosa realização de seu sonho, deixando os
fragmentos de seu império para generais egoístas e gananciosos. Mas seu
pensamento não morreu com ele; ele havia fundado Alexandria, onde a filosofia
oriental, o judaísmo e o helenismo seriam fundidos no cadinho do esoterismo
egípcio, até que o tempo estivesse maduro para a palavra da ressurreição do
Cristo.
À medida que Apolo
e Minerva, as constelações gêmeas da Grécia, empalideciam no horizonte, se viam
um sinal ameaçador, a Loba Romana, surgir no céu turbulento.
Qual é a origem de
Roma? A conspiração de uma oligarquia gananciosa, em nome da força bruta; a
opressão do intelecto humano, da religião, da ciência e da arte, pelo poder
político deificado: em outras palavras, o contrário da verdade, pela qual um
governo recebe sua justificação, de acordo com os princípios supremos da
ciência, justiça e economia.
Toda a história romana é meramente consequência do
pacto iníquo dos senadores romanos que declararam guerra, primeiro, contra a
Itália e depois contra toda a raça romana. Eles escolheram um símbolo adequado;
pois a loba de bronze, com os cabelos castanhos eretos e a cabeça de hiena
voltada na direção do Capitólio, é a imagem desse governo, o demônio que tomará
posse da alma romana até o fim.
Na Grécia, pelo menos, os santuários de Delfos e
Elêusis foram respeitados por muito tempo; em Roma, desde o início, a ciência e
a arte foram rejeitadas. A tentativa do sábio Numa, o iniciado etrusco,
fracassou diante da ambição suspeita dos senadores romanos. Trouxe consigo os
livros sibilinos, que eram uma coleção de expressões oraculares e que continham
parte da ciência de Hermes, nomeou magistrados eleitos pelo povo, distribuiu
territórios e submeteu o direito de declarar guerra aos padres, que eram os
sacerdotes romanos de guerra ou paz. Assim, o rei Numa, há muito acalentado
pela memória do povo, que o considerava inspirado pelo gênio divino, parece ser
uma intervenção histórica da ciência sagrada no governo. Ele não representa o
gênio de Roma, mas sim o da iniciação etrusca, que seguiu os mesmos princípios
da escola de Mênfis e Delfos.
Depois de Numa, o Senado Romano queimou os livros
sibilinos, arruinou a autoridade dos sacerdotes que serviam a uma divindade
específica, destruiu as instituições arbitrais e retornou aos seus antigos
sistemas nos quais a religião nada mais era do que um instrumento de dominação
pública. Roma se tornou a hidra que engolfou os povos e sua sujeição e
pilhagem. A prisão Mamertina encheu-se de reis do norte e do sul. Roma,
decidida a não ter outros reis além de escravos e charlatões, destrói os que
possuíam as tradições esotéricas na Gália, Egito, Judéia e Pérsia, finge adorar
os deuses, mas o único objeto de sua adoração é a Loba. E agora, na alvorada
manchada de sangue, aparece o último descendente desta criatura voraz, a
personificação do gênio de Roma - César! Roma conquistou todas as nações da
terra, César, sua encarnação, arroga para si o poder universal. Ele aspira não
apenas a se tornar o governante da humanidade, pois, com a coroa sobre a
cabeça, faz com que seja proclamado Pontífice Chefe. Depois da Batalha de
Thapsus, a deificação como herói é votada nele, depois da batalha de Munda, a
apoteose divina é concedida pelo senado; sua estátua foi erguida no templo de
Quirino, e um colégio de sacerdotes oficiantes foi nomeado, levando seu nome.
Para coroar tudo com ironia e lógica, este mesmo César que se deifica, nega na
presença do senado a imortalidade da alma! Seria possível proclamar mais
abertamente que não existe mais outro Deus do que César.
Sob os Césares,
Roma, herdeira da Babilônia, estende seu poder por todo o mundo. O que foi
feito do Estado Romano? Se empenhou em destruir toda a vida coletiva, exceto a
dos governadores e coletores de impostos nas províncias. A conquista de Roma
foi como a de um vampiro que se alimenta do cadáver de um sistema desgastado.
Agora, as orgias
romanas são exibidas livre e publicamente com todas os bacanais de vício e
crime. Começam com o encontro voluptuoso de Marco Antônio e Cleópatra, e
terminam com as devassidões de Messalina e o frenesi louco de Nero, marcando
suas presenças libidinosas no Circo Romano, onde virgens nuas, mártires de sua
fé, são despedaçadas e devoradas por feras selvagens, em meio aos aplausos de
milhares de espectadores.
E, no entanto, entre as nações conquistadas por Roma,
havia uma que se autodenominava povo de Deus, cuja origem era exatamente o
oposto da de Roma. Como pode Israel, exausta por disputas internas, esmagada
por três séculos de escravidão, preservar sua fé indomável? Por que esse povo
conquistado se ergueu, como um profeta, para se opor à decadência grega e às
orgias romanas? De onde eles tiraram a coragem de prever a queda dos que
sufocaram a nação, e falar de um vago triunfo final, quando eles próprios se
encaminhavam para uma ruína irremediável? A razão era que uma ideia, inspirada
por Moisés, vivia na nação. Sob o comando de Josué, as doze tribos ergueram uma
coluna comemorativa com a inscrição: “Este é um testemunho entre nós de que
Jeová é o único Deus”.
O legislador de Israel fez do monoteísmo a pedra
angular de sua ciência e lei social, bem como de uma ideia religiosa universal.
Teve a genialidade de entender que do triunfo dessa ideia dependeria o futuro
da humanidade. Para preservar o monoteísmo, escreveu um livro hieroglífico,
construiu uma arca dourada e levantou um povo nômade do deserto. Sobre esse
testemunho da ideia espiritualista, Moisés trouxe o relâmpago e o raio do céu.
Contra eles conspiraram não apenas os moabitas, os filisteus, os amalequitas e
todas as tribos da Palestina, e até mesmo as fragilidades e paixões do próprio
povo judeu. O livro deixou de ser compreendido pelo sacerdócio; a arca foi
capturada por inimigos, numerosos foram os momentos em que o povo quase se
esqueceu de sua missão. Por que então, apesar de tudo, eles permaneceram fiéis
a esta missão? Por que a ideia de Moisés permaneceu gravada na mente e no
coração de Israel com letras de fogo?
A quem se deve essa perseverança exclusiva, essa
fidelidade em meio às vicissitudes de uma história conturbada, fidelidade que
deu a Israel um caráter único entre as nações? Pode ser atribuído aos profetas
e à instituição da profecia; pela tradição oral, pode ser rastreada até Moisés.
O povo hebreu teve profetas em todos os períodos de sua história, até sua
dispersão. Mas a instituição da profecia aparece primeiro sob uma forma
orgânica na época de Samuel. Foi ele quem fundou as escolas dos profetas, as chamadas
confrarias de Nebiim, diante de uma realeza crescente e um sacerdócio já
degenerado. Ele os fez guardiões austeros da tradição esotérica e do pensamento
religioso universal de Moisés contra os reis, nos quais a ideia política e o
objetivo nacional deveriam predominar. Nessas confrarias foram preservadas as
relíquias da ciência de Moisés, a música sacra, a arte oculta da cura e,
finalmente, a arte da adivinhação, exercida pelos grandes profetas com
abnegação. A adivinhação existiu sob as mais diversas formas entre todos os
povos antigos; mas a profecia em Israel possui uma amplitude, uma elevação e
autoridade, pertencentes à natureza intelectual e espiritual em que o
monoteísmo mantém a alma humana. A profecia oferecida pelos teólogos,
literalmente, como a comunicação direta de um Deus pessoal, negada pela
filosofia naturalista como pura superstição, nada mais é do que a manifestação
superior das leis universais do Espírito.
“As verdades gerais que governam o mundo”, diz Georg
Heinrich Ewald, em sua obra sobre os profetas, “em outros termos, os
pensamentos de Deus, são imutáveis e incapazes de
ataque, totalmente independentes das flutuações das coisas, ou da vontade e
ação dos homens. O homem foi originalmente creado para participar delas e
traduzi-las livremente em atos. Mas para a Palavra do Espírito penetrar no
homem carnal, ele deve ser fundamentalmente influenciado pela grande comoção da
história. Então, a Verdade Eterna brota como um raio de luz. É por isso que
tantas vezes se lê no Antigo Testamento que Jeová é um Deus vivo. Quando o
homem escuta o chamado divino, uma nova vida é criada nele; assim, ele não se
sente mais sozinho, mas em comunhão com Deus e com toda a verdade, pronto para
passar eternamente de uma verdade para outra. Nesta nova vida, seu pensamento
torna-se um com a vontade universal. Ele possui uma compreensão clara do
presente e fé total no sucesso da ideia divina. O homem que experimenta isso, é
um profeta, i. e., ele se sente irresistivelmente impelido a se manifestar
diante dos outros como um representante de Deus. Seu pensamento se torna visão,
e este poder superior que arranca a verdade de sua alma, às vezes com a
angústia de um coração partido, constitui o elemento profético. As
manifestações proféticas, ao longo da história, foram os raios e relâmpagos da
verdade.”
A partir dessa fonte, os gigantes como Elias, Isaías,
Ezequiel e Jeremias, extraíram seu poder. Nas profundezas de suas cavernas ou
nos palácios dos reis, eles eram de fato sentinelas de Jeová e, como Eliseu
disse a seu mestre Elias, "os carros de Israel e seus cavaleiros".
Frequentemente, eles predizem com visão profética a morte de reis, a queda de
reinos e as punições a serem aplicadas a Israel, mas com alguns enganam. A
tocha profética, embora acesa pelo sol da verdade divina, vacilará e escurecerá
em suas mãos sob a influência da paixão nacional. Mas eles nunca vacilaram a
respeito das verdades morais, a verdadeira missão de Israel, o triunfo final da
justiça para a humanidade. Como verdadeiros iniciados, eles pregam seu desprezo
pela adoração externa, a abolição dos sacrifícios de sangue, mas pela
purificação da alma e a prática do amor. É com respeito ao triunfo final do
monoteísmo, seu papel libertador e pacificador para todas as nações, que sua
visão é verdadeiramente notável. Os infortúnios mais terríveis que podem
atingir uma nação, invasão estrangeira, cativeiro na Babilônia, não podem
abalar sua fé. Assim afirmou Isaías durante a invasão do rei Senaqueribe em uma campanha de subjugação de
Jerusalém:
“Alegrai-vos com
Jerusalém e alegrai-vos com ela, todos vós que a amais; alegrai-vos de alegria
com ela, todos vós que chorais por ela.
“Para que possas
sugar e se fartar com os seios de suas consolações; para que possas ordenhar e
se deleitar com a abundância de sua glória.
“Pois assim diz o
Senhor: Eis que estender-lhe-ei paz como um rio, e a glória dos gentios como um
riacho; então tomarás de seus seios, sereis carregados em seus bracos e
embalado nos joelhos.
“Como alguém a
quem sua mãe conforta, assim eu o confortarei; e sereis consolados em
Jerusalém.
“E quando virdes
isso, seu coração se alegrará e você florescerá como a grama; a mão do Senhor
será dada a conhecer aos seus servos, mas a sua fúria será mostrada aos seus
inimigos.
“Pois eis que o
Senhor virá com fogo e com seus carros como um redemoinho, para retribuir sua
cólera com fúria e sua repreensão com chamas de fogo.
“Pois com fogo e
com a sua espada entrará o Senhor em juízo com toda a carne; e os mortos do
Senhor serão muitos.
“Os que se santificam
e se purificam nos jardins atrás de uma árvore, comendo carne de porco, onde a
abominação e o rato serão consumidos juntos, diz o Senhor.
“Pois eu conheço
suas obras e seus pensamentos: virei e que reunirei todas as nações e línguas;
e eles virão e verão a minha glória.”
É apenas diante do
túmulo de Cristo que essa visão começa a se realizar, mas quem poderia negar
sua verdade profética ao pensar no papel que Israel desempenhou na história da
humanidade?
Não menos firme do
que esta fé no futuro de Jerusalém, em sua grandeza moral e universalidade
religiosa, é a fé dos profetas em um Salvador ou Messias. Todos eles falam
dele; Isaías ainda é aquele cuja visão é mais clara, e que a retrata com maior
força em linguagem ousada e elevada:
“Uma vara sairá do
caule de Jessé e um ramo crescerá de suas raízes;
“E o espírito do
Senhor repousará sobre ele, o espírito de sabedoria e entendimento, o espírito
de conselho e poder, o espírito de conhecimento e temor do Senhor;
“E fá-lo-á ter
rápido entendimento no temor do Senhor; e não julgará depois de ver os seus
olhos, nem repreenderá depois de ouvir os seus ouvidos;
“Mas ele julgará
os pobres com justiça e reprovará com equidade os mansos da terra; e ferirá a
terra com a vara de sua boca e com o sopro de seus lábios matará o ímpio.
“E a justiça será
o cinto de seus lombos, e a fidelidade o cinto de seus rins.”
Diante dessa
visão, a alma sombria do profeta se torna calma e clara, assim como o céu
agitado por uma tempestade, que depois se acalma. Por enquanto, é de fato a
imagem do Galileu que está presente diante de sua visão interior:
“Pois ele deve
crescer diante dele como uma planta tenra e como uma raiz de uma terra seca:
ele não tem forma nem formosura; e quando o vermos, não há beleza que possamos
desejá-lo.
“Ele é desprezado
e rejeitado pelos homens, um homem de dores e que conhece o sofrimento; e dele
escondemos como que o nosso rosto; ele era desprezado e nós não o tínhamos
estima.
“Certamente ele
suportou as nossas dores e carregou as nossas tristezas; contudo, nós o
consideramos abatido, ferido por Deus e aflito.
“Mas ele foi
ferido por nossas transgressões; ele foi ferido por nossas iniquidades: o
castigo de nossa paz estava sobre ele; e por suas pisaduras fomos sarados.
“Todos nós, como ovelhas,
nos extraviamos; cada um segue o seu caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a
iniquidade de todos nós.
“Ele foi oprimido
e afligido, mas não abriu a boca; como um cordeiro é levado ao matadouro, e
como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abre a boca.
“Ele foi tirado da
prisão e do juízo: e quem contará a sua geração? porque foi cortado da terra
dos viventes; pela transgressão do meu povo ele foi atingido.”
Durante oito
séculos, as palavras dos profetas fizeram com que a idéia e a imagem do Messias
pairassem sobre todas as dissensões e infortúnios nacionais, às vezes sob a
forma de um terrível vingador, e como um anjo de misericórdia. A ideia
messiânica, nutrida sob o despotismo assírio no exílio babilônico, e trazida à
luz sob o domínio persa, continuou a crescer sob o reinado dos selêucidas e dos
macabeus. Quando o domínio romano e o reinado de Herodes se estabeleceram, o
Messias estava vivo na consciência de todos. Os profetas o viam como um grande
homem, um mártir, um verdadeiro filho de Deus ... o povo, fiel à ideia judaica,
o imaginava como um Davi, um Salomão ou um novo macabeu. Seja o que for, esse
restaurador da grandeza de Israel era acreditado e esperado por todos. Tal é o
poder da ação profética.
Uma vaga
expectativa pairava sobre as nações. No excesso de suas maldades, toda a
humanidade teve o pressentimento de um salvador. Durante séculos, a mitologia
sonhou com uma criança divina; os templos falavam dele em mistério; astrólogos
calcularam sua vinda; sibilas (mulheres que nos tempos antigos acreditavam
profetizar um deus), proclamaram a queda dos deuses pagãos. Os iniciados haviam
anunciado que um dia o mundo seria governado por um deles, um Filho de Deus (do
significado esotérico da lenda dos magos vindos do Extremo Oriente para adorar
a criança de Belém). O mundo esperava o rei espiritual, alguém que seria
compreendido pelos pobres e humildes.
Ésquilo, o
dramaturgo conhecido como o "pai da tragedia", filho de um sacerdote
de Elêusis, quase foi morto pelos atenienses por ousar dizer no teatro lotado,
pela boca de Prometeu, que o reinado de Júpiter-Destino chegaria ao fim. Quatro
séculos depois, sob a sombra do trono de Augusto, o poeta Virgílio anuncia uma
nova era e sonha com uma criança maravilhosa, onde ele canta: “Oh! Casta
Lucina! Acelere as dores da mãe, e apresse esse nascimento glorioso”.
Quando essa criança
vai nascer? De que mundo divino virá essa alma? Com que relâmpago de brilhante
amor descerá à terra? Com que pureza, com que energia sobre-humana ela se
lembrará do céu abandonado? Com que poderoso esforço ela retornará das
profundezas de sua consciência terrena, levando consigo a humanidade em seu
encalço?
Ninguém poderia
prever, mas todos estavam esperando… O rei Herodes, o Grande, o usurpador
idumeu, protegido de Augusto César, estava à beira da morte em Jericó, após um
reinado suntuoso e sangrento, que cobriu a Judéia com esplêndidos palácios e
massacres humanos. Estava morrendo de uma enfermidade terrível, decomposição do
sangue. Odiado por todos, dilacerado pela fúria e remorso, assombrado pelos
fantasmas de suas inúmeras vítimas, entre as quais sua esposa inocente, a nobre
Marianne, e três de seus próprios filhos. As sete mulheres de seu harém fugiram
da sua presença; seu próprio guarda-costas o havia abandonado. Impassível ao
lado do desgraçado moribundo estava sua irmã Salomé, seu gênio do mal, a
instigadora de seus crimes mais hediondos. Com a tiara na testa e peito
cintilando com pedras preciosas, ela manteve vigilância, esperando o último
suspiro do rei, quando ela por sua vez tomaria as rédeas da soberania.
Assim morreu o
último rei dos judeus, e nesse exato momento acabava de nascer o futuro rei
espiritual da humanidade, e os poucos iniciados de Israel preparavam-se
silenciosamente para o seu reinado em profunda humildade e silêncio.
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