Monday 13 December 2021

JESUS, THE LAST GREAT INITIATE

PRÓLOGO

O trabalho que segue foi retirado do livro Os Grandes Iniciados, Um Estudo da História Secreta das Religiões, publicado primeiramente em inglês, em 1908 e de autoria de Édouard Schuré (1841-1929), filósofo francês, poeta, dramaturgo, romancista, crítico musical e publicitário de literatura esotérica.

Schuré foi graduado em direito pela Universidade de Strasbourg, atividade que porém nunca exerceu. Interessou-se pela literatura alemã e francesa, pela música de Richard Wagner, tornando-se seu amigo particular e na convivialidade com Friedrich Nietzche, também cultor do compositor alemão.

Influenciado pelo famoso ocultista francês, Fabre d'Olivet, Schuré direciona seus interesses no esoterismo e ocultismo. Em 1884, conhece a fundadora da Sociedade Teosófica, Helena Blavatsky. Em 1889, publicou, após alguns trabalhos menores sobre temas semelhantes, sua obra principal Les Grands Initiés (Os Grandes Iniciados), e no início do século 20, conhece Rudolf Steiner, o fundador da Sociedade Antroposófica, sociedade essa que postula a existência de um mundo espiritual objetivo, intelectualmente compreensível e acessível à experiência humana. Com Rudolf Steiner, Schuré manteve uma longa amizade.

O livro, Os Grandes Iniciados, é considerado por muitos estudiosos, como uma obra-prima. Nele, Schuré descreve o caminho que provavelmente seguiram alguns dos antigos filósofos em busca de conhecimento esotérico profundo, muitas vezes chamado de “iniciação”.

Os que estão familiarizados com Rama, Krishna, Hermes Trismegistus, Moisés, Orfeu, Sócrates, Pitágoras, Platão, Jesus, encontrarão referências frequentes na obra de Schuré, que entendia que o conhecimento esotérico secreto era conhecido por todos eles, e que essas personalidades representavam os pilares da civilização e os fundadores de formas espirituais e filosóficas de ser, e em alguns casos, religiões.

O que vai apresentado abaixo, é a última parte do livro, Jesus, o Último Grande Iniciado. Divide-se não apenas no Jesus histórico, nas profecias, no tempo em que viveu, sua mãe, os Essênios, João Batista, sua vida pública, os milagres, os apóstolos, as mulheres, as lutas com os fariseus, Cesareia, a transfiguração, a ida a Jerusalém, a última ceia, julgamento, morte e ressureição, a promessa e seu cumprimento, o templo, enfim, a missão de Jesus.

 

PREFÁCIO   

 

Os estudos críticos sobre a vida de Jesus durante o século 19, foram de extraordinário destaque, onde um relato completo desses estudos pode ser encontrado no brilhante esboço feito por M. Sabatier, em seu trabalho no Dicionário de Ciências Religiosas, no tópico sobre Jesus, no qual toda a história e o estado atual dessa investigação são fornecidos. Por ora, basta referir-se às duas fases principais fornecidas por David F. Strauss e Joseph E. Renan, com o objetivo de determinar o ponto de vista inicial apresentado nesta obra.

Partindo da escola filosófica de Georg W. F. Hegel para se aliar à crítica histórica de Ferdinand Christian Baur, Strauss, sem negar a existência de Jesus, procurou provar que sua vida, conforme relatada nos Evangelhos, é um mito, uma lenda criada pela imaginação popular, para atender às necessidades de um cristianismo crescente, e de acordo com a profecia do Antigo Testamento. Sua posição, puramente negativa, mas que defendeu com grande habilidade e erudição, foi considerada verdadeira em alguns detalhes, mas bastante insustentável na totalidade de seus elementos essenciais. Além disso, tem o grave defeito de não explicar nem o caráter de Jesus nem a origem do cristianismo. A vida de Jesus, segundo Strauss, é um sistema planetário sem sol. Um mérito, entretanto, deve ser concedido a esse trabalho, o de ter transferido o problema do terreno da teologia dogmática para o da crítica textual e histórica.

A Vida de Jesus, M. Renan, deve seu brilhante sucesso às suas qualidades elevadas, estéticas e literárias, bem como à ousadia do escritor, de ser o primeiro que ousou fazer da vida do Cristo um problema de psicologia humana. Mas ele resolveu o problema? Depois do sucesso do livro, a opinião geral de todos os críticos sérios foi negativa. O Jesus de M. Renan começa sua carreira como um sonhador gentil, um moralista entusiasta e simplório, que termina como um taumaturgo violento, destituído de qualquer ideia de realidade. “Apesar de todas as precauções do historiador”, diz M. Sabatier, “é a marcha de uma mente sã na direção da loucura. O Cristo de M. Renan paira entre a ambição e os sonhos de um vidente." O fato é que ele se torna o Messias sem desejar e quase sem saber disso. Ele se permite receber esse título apenas para agradar aos apóstolos e cumprir o desejo popular. Não é com uma fé débil que um verdadeiro profeta cria uma nova religião e muda a alma da terra. A vida de Jesus, segundo M. Renan, é um sistema planetário iluminado por um sol pálido, desprovido de magnetismo vivificante ou calor criador.

Como Jesus se tornou o Messias, é a questão primordial, cuja solução é essencial para a correta compreensão do Cristo; é também aquilo diante do qual M. Renan hesitou e se afastou. M. Théodore Kein viu que essa questão deve ser enfrentada com ousadia (Das Leben Jesu, Zürich, 1875, 3ª edição). No seu livro A Vida de Jesus é a mais notável que apareceu desde a de M. Renan. Ela lança sobre a questão toda a luz fornecida pelos textos e pela história interpretados esotericamente. Mas o problema não pode ser resolvido sem a ajuda da intuição e da tradição esotérica.

É por meio dessa luz esotérica, a chama interior de todas as religiões, a verdade central de toda filosofia fecunda, em que aqui se tenta reconstruir em suas linhas principais, a vida de Jesus, levando em consideração qualquer crítica histórica anterior que tenha esclarecido até agora e preparado o terreno. Não há necessidade de definir o que se quer dizer com o ponto de vista esotérico, a síntese da Religião e da Ciência. Quanto ao valor histórico e relativo dos Evangelhos, foram tomados como base, os três Evangelhos sinópticos (os de Mateus, Marcos e Lucas), e o de João como o arcano do ensino esotérico de Cristo, ao mesmo tempo reconhecendo a linguagem e forma, e a tendência simbólica desse Evangelho.

Todos os quatro Evangelhos, que devem ser examinados e verificados mutuamente, são igualmente autênticos, embora de diferentes considerações. Os de Mateus e Marcos são evangelhos preciosos na letra e fatos; aí se encontram as ações e palavras públicas de Cristo. Em Lucas, se oferece um vislumbre do significado do mistério por trás do véu da lenda poética; é o Evangelho da Alma, da Mulher e do Amor. Em Joao, sao revelados esses mistérios; em seu Evangelho encontram-se as profundezas internas da doutrina, o ensinamento secreto, o significado da promessa, a reserva esotérica. Clemente de Alexandria, um dos poucos bispos cristãos que possuía a chave do esoterismo universal, corretamente chamou-o de Evangelho do Espírito. João tem uma visão profunda das verdades transcendentes reveladas por Jesus e uma grande facilidade em apresentá-las, e por isso mesmo, seu símbolo é a Águia, cuja asa corta o firmamento e o olho flamejante abrange as profundezas do espaço.

 

A CONDIÇÃO DO MUNDO NA ÉPOCA DO NASCIMENTO DE JESUS

 

Um período solene do destino do mundo se aproximava; o céu estava carregado de nuvens negras e cheio de presságios sinistros.

Apesar dos esforços dos iniciados, Rama, Krishna, Hermes Trismegistus, Moisés, Orfeu, Pitágoras, Platão, o politeísmo, em toda a Ásia, África e Europa, terminara apenas com a queda da civilização no tempo desses iniciados. A sublime descrição hipotética da criação do mundo de Orfeu, tão gloriosamente cantada por Homero, não havia sido atingida, e a única explicação possível é que a natureza humana encontrava grande dificuldade em manter uma certa grandeza intelectual. Para os grandes espíritos da antiguidade, os deuses nunca foram nada mais do que uma expressão poética das forças subordinadas da Natureza, uma imagem de seu organismo interior; é como símbolos das forças cósmicas e anímicas que esses deuses vivem indestrutíveis na consciência da humanidade. Essa diversidade de deuses e forças, pensavam os iniciados, era dominada e penetrada pelo Deus supremo ou puro Espírito. O objetivo principal dos santuários de Mênfis, Delfos e Elêusis era precisamente o ensino dessa unidade de Deus com as ideias teosóficas e a disciplina moral daí resultantes.

Mas os discípulos de Orfeu, Pitágoras e Platão falharam diante do egoísmo dos políticos, da sordidez dos sofistas e das paixões da turba. A decomposição social e política da Grécia foi consequência de sua decomposição religiosa, moral e intelectual. Apolo, a manifestação do Deus supremo e do mundo supraterrestre, está em silêncio. Não há mais oráculos, não há mais poetas inspirados para serem ouvidos! Minerva, sabedoria e previsão, velam seu semblante na presença de seu povo convertido em sátiros, profanando os mistérios e insultando os deuses em farsas de Aristófanes no palco de Baco. Os próprios mistérios são corrompidos, pois bajuladores e cortesãs são admitidos nos ritos de Elêusis. (…) Quando a alma fica embotada, a religião cai na idolatria; quando o pensamento se torna materialista, a filosofia degenera em ceticismo. Assim, vemos Lucian de Samosata, pobre micróbio nascido do cadáver do paganismo, transformar os mitos no ridículo, quando uma vez o filósofo cético Carneades havia negado sua origem científica.

Supersticiosa na religião, agnóstica na filosofia, egoísta e dividida na política, cambaleando sob a anarquia e fatalmente abandonada ao despotismo, a Grécia mudou tristemente desde a época em que ela transmitiu a ciência do Egito e os mistérios da Ásia em formas imortais de beleza.

Se houve alguém que entendeu o que o mundo precisava, e se esforçando para restaurar essa necessidade de forma genial e heroica, esse foi Alexandre, o Grande. Esse lendário conquistador, iniciado, como seu pai Filipe, nos mistérios de Samotrácia, provou ser mais um filho intelectual de Orfeu do que um discípulo de Aristóteles. Ele, o chamado Aquiles da Macedônia, atravessou a Ásia até a Índia, sonhando com um império universal, mas não à moda dos Césares, pela opressão do povo e pela destruição da religião e ciência. Sua ideia era reconciliar a Ásia e a Europa por uma síntese de religiões, apoiada por autoridade científica. Impelido por esse pensamento, prestou homenagem à ciência de Aristóteles, como fez a Minerva de Atenas, o Jeová de Jerusalém, o Osíris egípcio e o Brahma hindu, reconhecendo, como faria um verdadeiro iniciado, uma divindade e sabedoria idênticas sob esses diferentes símbolos. Este novo Dioniso possuía uma ampla simpatia e uma visão profética poderosa. A espada de Alexandre estampou o último brilho da Grécia de Orfeu, iluminando o Oriente e o Ocidente. O filho de Filipe morreu na embriaguez da vitória e na gloriosa realização de seu sonho, deixando os fragmentos de seu império para generais egoístas e gananciosos. Mas seu pensamento não morreu com ele; ele havia fundado Alexandria, onde a filosofia oriental, o judaísmo e o helenismo seriam fundidos no cadinho do esoterismo egípcio, até que o tempo estivesse maduro para a palavra da ressurreição do Cristo.

À medida que Apolo e Minerva, as constelações gêmeas da Grécia, empalideciam no horizonte, se viam um sinal ameaçador, a Loba Romana, surgir no céu turbulento.

Qual é a origem de Roma? A conspiração de uma oligarquia gananciosa, em nome da força bruta; a opressão do intelecto humano, da religião, da ciência e da arte, pelo poder político deificado: em outras palavras, o contrário da verdade, pela qual um governo recebe sua justificação, de acordo com os princípios supremos da ciência, justiça e economia.

Toda a história romana é meramente consequência do pacto iníquo dos senadores romanos que declararam guerra, primeiro, contra a Itália e depois contra toda a raça romana. Eles escolheram um símbolo adequado; pois a loba de bronze, com os cabelos castanhos eretos e a cabeça de hiena voltada na direção do Capitólio, é a imagem desse governo, o demônio que tomará posse da alma romana até o fim.

Na Grécia, pelo menos, os santuários de Delfos e Elêusis foram respeitados por muito tempo; em Roma, desde o início, a ciência e a arte foram rejeitadas. A tentativa do sábio Numa, o iniciado etrusco, fracassou diante da ambição suspeita dos senadores romanos. Trouxe consigo os livros sibilinos, que eram uma coleção de expressões oraculares e que continham parte da ciência de Hermes, nomeou magistrados eleitos pelo povo, distribuiu territórios e submeteu o direito de declarar guerra aos padres, que eram os sacerdotes romanos de guerra ou paz. Assim, o rei Numa, há muito acalentado pela memória do povo, que o considerava inspirado pelo gênio divino, parece ser uma intervenção histórica da ciência sagrada no governo. Ele não representa o gênio de Roma, mas sim o da iniciação etrusca, que seguiu os mesmos princípios da escola de Mênfis e Delfos.

Depois de Numa, o Senado Romano queimou os livros sibilinos, arruinou a autoridade dos sacerdotes que serviam a uma divindade específica, destruiu as instituições arbitrais e retornou aos seus antigos sistemas nos quais a religião nada mais era do que um instrumento de dominação pública. Roma se tornou a hidra que engolfou os povos e sua sujeição e pilhagem. A prisão Mamertina encheu-se de reis do norte e do sul. Roma, decidida a não ter outros reis além de escravos e charlatões, destrói os que possuíam as tradições esotéricas na Gália, Egito, Judéia e Pérsia, finge adorar os deuses, mas o único objeto de sua adoração é a Loba. E agora, na alvorada manchada de sangue, aparece o último descendente desta criatura voraz, a personificação do gênio de Roma - César! Roma conquistou todas as nações da terra, César, sua encarnação, arroga para si o poder universal. Ele aspira não apenas a se tornar o governante da humanidade, pois, com a coroa sobre a cabeça, faz com que seja proclamado Pontífice Chefe. Depois da Batalha de Thapsus, a deificação como herói é votada nele, depois da batalha de Munda, a apoteose divina é concedida pelo senado; sua estátua foi erguida no templo de Quirino, e um colégio de sacerdotes oficiantes foi nomeado, levando seu nome. Para coroar tudo com ironia e lógica, este mesmo César que se deifica, nega na presença do senado a imortalidade da alma! Seria possível proclamar mais abertamente que não existe mais outro Deus do que César.

Sob os Césares, Roma, herdeira da Babilônia, estende seu poder por todo o mundo. O que foi feito do Estado Romano? Se empenhou em destruir toda a vida coletiva, exceto a dos governadores e coletores de impostos nas províncias. A conquista de Roma foi como a de um vampiro que se alimenta do cadáver de um sistema desgastado.

Agora, as orgias romanas são exibidas livre e publicamente com todas os bacanais de vício e crime. Começam com o encontro voluptuoso de Marco Antônio e Cleópatra, e terminam com as devassidões de Messalina e o frenesi louco de Nero, marcando suas presenças libidinosas no Circo Romano, onde virgens nuas, mártires de sua fé, são despedaçadas e devoradas por feras selvagens, em meio aos aplausos de milhares de espectadores.

E, no entanto, entre as nações conquistadas por Roma, havia uma que se autodenominava povo de Deus, cuja origem era exatamente o oposto da de Roma. Como pode Israel, exausta por disputas internas, esmagada por três séculos de escravidão, preservar sua fé indomável? Por que esse povo conquistado se ergueu, como um profeta, para se opor à decadência grega e às orgias romanas? De onde eles tiraram a coragem de prever a queda dos que sufocaram a nação, e falar de um vago triunfo final, quando eles próprios se encaminhavam para uma ruína irremediável? A razão era que uma ideia, inspirada por Moisés, vivia na nação. Sob o comando de Josué, as doze tribos ergueram uma coluna comemorativa com a inscrição: “Este é um testemunho entre nós de que Jeová é o único Deus”.

O legislador de Israel fez do monoteísmo a pedra angular de sua ciência e lei social, bem como de uma ideia religiosa universal. Teve a genialidade de entender que do triunfo dessa ideia dependeria o futuro da humanidade. Para preservar o monoteísmo, escreveu um livro hieroglífico, construiu uma arca dourada e levantou um povo nômade do deserto. Sobre esse testemunho da ideia espiritualista, Moisés trouxe o relâmpago e o raio do céu. Contra eles conspiraram não apenas os moabitas, os filisteus, os amalequitas e todas as tribos da Palestina, e até mesmo as fragilidades e paixões do próprio povo judeu. O livro deixou de ser compreendido pelo sacerdócio; a arca foi capturada por inimigos, numerosos foram os momentos em que o povo quase se esqueceu de sua missão. Por que então, apesar de tudo, eles permaneceram fiéis a esta missão? Por que a ideia de Moisés permaneceu gravada na mente e no coração de Israel com letras de fogo?

A quem se deve essa perseverança exclusiva, essa fidelidade em meio às vicissitudes de uma história conturbada, fidelidade que deu a Israel um caráter único entre as nações? Pode ser atribuído aos profetas e à instituição da profecia; pela tradição oral, pode ser rastreada até Moisés. O povo hebreu teve profetas em todos os períodos de sua história, até sua dispersão. Mas a instituição da profecia aparece primeiro sob uma forma orgânica na época de Samuel. Foi ele quem fundou as escolas dos profetas, as chamadas confrarias de Nebiim, diante de uma realeza crescente e um sacerdócio já degenerado. Ele os fez guardiões austeros da tradição esotérica e do pensamento religioso universal de Moisés contra os reis, nos quais a ideia política e o objetivo nacional deveriam predominar. Nessas confrarias foram preservadas as relíquias da ciência de Moisés, a música sacra, a arte oculta da cura e, finalmente, a arte da adivinhação, exercida pelos grandes profetas com abnegação. A adivinhação existiu sob as mais diversas formas entre todos os povos antigos; mas a profecia em Israel possui uma amplitude, uma elevação e autoridade, pertencentes à natureza intelectual e espiritual em que o monoteísmo mantém a alma humana. A profecia oferecida pelos teólogos, literalmente, como a comunicação direta de um Deus pessoal, negada pela filosofia naturalista como pura superstição, nada mais é do que a manifestação superior das leis universais do Espírito.

“As verdades gerais que governam o mundo”, diz Georg Heinrich Ewald, em sua obra sobre os profetas, “em outros termos, os pensamentos de Deus, são imutáveis ​​e incapazes de ataque, totalmente independentes das flutuações das coisas, ou da vontade e ação dos homens. O homem foi originalmente creado para participar delas e traduzi-las livremente em atos. Mas para a Palavra do Espírito penetrar no homem carnal, ele deve ser fundamentalmente influenciado pela grande comoção da história. Então, a Verdade Eterna brota como um raio de luz. É por isso que tantas vezes se lê no Antigo Testamento que Jeová é um Deus vivo. Quando o homem escuta o chamado divino, uma nova vida é criada nele; assim, ele não se sente mais sozinho, mas em comunhão com Deus e com toda a verdade, pronto para passar eternamente de uma verdade para outra. Nesta nova vida, seu pensamento torna-se um com a vontade universal. Ele possui uma compreensão clara do presente e fé total no sucesso da ideia divina. O homem que experimenta isso, é um profeta, i. e., ele se sente irresistivelmente impelido a se manifestar diante dos outros como um representante de Deus. Seu pensamento se torna visão, e este poder superior que arranca a verdade de sua alma, às vezes com a angústia de um coração partido, constitui o elemento profético. As manifestações proféticas, ao longo da história, foram os raios e relâmpagos da verdade.”

A partir dessa fonte, os gigantes como Elias, Isaías, Ezequiel e Jeremias, extraíram seu poder. Nas profundezas de suas cavernas ou nos palácios dos reis, eles eram de fato sentinelas de Jeová e, como Eliseu disse a seu mestre Elias, "os carros de Israel e seus cavaleiros". Frequentemente, eles predizem com visão profética a morte de reis, a queda de reinos e as punições a serem aplicadas a Israel, mas com alguns enganam. A tocha profética, embora acesa pelo sol da verdade divina, vacilará e escurecerá em suas mãos sob a influência da paixão nacional. Mas eles nunca vacilaram a respeito das verdades morais, a verdadeira missão de Israel, o triunfo final da justiça para a humanidade. Como verdadeiros iniciados, eles pregam seu desprezo pela adoração externa, a abolição dos sacrifícios de sangue, mas pela purificação da alma e a prática do amor. É com respeito ao triunfo final do monoteísmo, seu papel libertador e pacificador para todas as nações, que sua visão é verdadeiramente notável. Os infortúnios mais terríveis que podem atingir uma nação, invasão estrangeira, cativeiro na Babilônia, não podem abalar sua fé. Assim afirmou Isaías durante a invasão do rei  Senaqueribe em uma campanha de subjugação de Jerusalém:

“Alegrai-vos com Jerusalém e alegrai-vos com ela, todos vós que a amais; alegrai-vos de alegria com ela, todos vós que chorais por ela.

“Para que possas sugar e se fartar com os seios de suas consolações; para que possas ordenhar e se deleitar com a abundância de sua glória.

“Pois assim diz o Senhor: Eis que estender-lhe-ei paz como um rio, e a glória dos gentios como um riacho; então tomarás de seus seios, sereis carregados em seus bracos e embalado nos joelhos.

“Como alguém a quem sua mãe conforta, assim eu o confortarei; e sereis consolados em Jerusalém.

“E quando virdes isso, seu coração se alegrará e você florescerá como a grama; a mão do Senhor será dada a conhecer aos seus servos, mas a sua fúria será mostrada aos seus inimigos.

“Pois eis que o Senhor virá com fogo e com seus carros como um redemoinho, para retribuir sua cólera com fúria e sua repreensão com chamas de fogo.

“Pois com fogo e com a sua espada entrará o Senhor em juízo com toda a carne; e os mortos do Senhor serão muitos.

“Os que se santificam e se purificam nos jardins atrás de uma árvore, comendo carne de porco, onde a abominação e o rato serão consumidos juntos, diz o Senhor.

“Pois eu conheço suas obras e seus pensamentos: virei e que reunirei todas as nações e línguas; e eles virão e verão a minha glória.”

É apenas diante do túmulo de Cristo que essa visão começa a se realizar, mas quem poderia negar sua verdade profética ao pensar no papel que Israel desempenhou na história da humanidade?

Não menos firme do que esta fé no futuro de Jerusalém, em sua grandeza moral e universalidade religiosa, é a fé dos profetas em um Salvador ou Messias. Todos eles falam dele; Isaías ainda é aquele cuja visão é mais clara, e que a retrata com maior força em linguagem ousada e elevada:

“Uma vara sairá do caule de Jessé e um ramo crescerá de suas raízes;

“E o espírito do Senhor repousará sobre ele, o espírito de sabedoria e entendimento, o espírito de conselho e poder, o espírito de conhecimento e temor do Senhor;

“E fá-lo-á ter rápido entendimento no temor do Senhor; e não julgará depois de ver os seus olhos, nem repreenderá depois de ouvir os seus ouvidos;

“Mas ele julgará os pobres com justiça e reprovará com equidade os mansos da terra; e ferirá a terra com a vara de sua boca e com o sopro de seus lábios matará o ímpio.

“E a justiça será o cinto de seus lombos, e a fidelidade o cinto de seus rins.”

Diante dessa visão, a alma sombria do profeta se torna calma e clara, assim como o céu agitado por uma tempestade, que depois se acalma. Por enquanto, é de fato a imagem do Galileu que está presente diante de sua visão interior:

“Pois ele deve crescer diante dele como uma planta tenra e como uma raiz de uma terra seca: ele não tem forma nem formosura; e quando o vermos, não há beleza que possamos desejá-lo.

“Ele é desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores e que conhece o sofrimento; e dele escondemos como que o nosso rosto; ele era desprezado e nós não o tínhamos estima.

“Certamente ele suportou as nossas dores e carregou as nossas tristezas; contudo, nós o consideramos abatido, ferido por Deus e aflito.

“Mas ele foi ferido por nossas transgressões; ele foi ferido por nossas iniquidades: o castigo de nossa paz estava sobre ele; e por suas pisaduras fomos sarados.

“Todos nós, como ovelhas, nos extraviamos; cada um segue o seu caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós.

“Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a boca; como um cordeiro é levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abre a boca.

“Ele foi tirado da prisão e do juízo: e quem contará a sua geração? porque foi cortado da terra dos viventes; pela transgressão do meu povo ele foi atingido.”

Durante oito séculos, as palavras dos profetas fizeram com que a idéia e a imagem do Messias pairassem sobre todas as dissensões e infortúnios nacionais, às vezes sob a forma de um terrível vingador, e como um anjo de misericórdia. A ideia messiânica, nutrida sob o despotismo assírio no exílio babilônico, e trazida à luz sob o domínio persa, continuou a crescer sob o reinado dos selêucidas e dos macabeus. Quando o domínio romano e o reinado de Herodes se estabeleceram, o Messias estava vivo na consciência de todos. Os profetas o viam como um grande homem, um mártir, um verdadeiro filho de Deus ... o povo, fiel à ideia judaica, o imaginava como um Davi, um Salomão ou um novo macabeu. Seja o que for, esse restaurador da grandeza de Israel era acreditado e esperado por todos. Tal é o poder da ação profética.

Uma vaga expectativa pairava sobre as nações. No excesso de suas maldades, toda a humanidade teve o pressentimento de um salvador. Durante séculos, a mitologia sonhou com uma criança divina; os templos falavam dele em mistério; astrólogos calcularam sua vinda; sibilas (mulheres que nos tempos antigos acreditavam profetizar um deus), proclamaram a queda dos deuses pagãos. Os iniciados haviam anunciado que um dia o mundo seria governado por um deles, um Filho de Deus (do significado esotérico da lenda dos magos vindos do Extremo Oriente para adorar a criança de Belém). O mundo esperava o rei espiritual, alguém que seria compreendido pelos pobres e humildes.

Ésquilo, o dramaturgo conhecido como o "pai da tragedia", filho de um sacerdote de Elêusis, quase foi morto pelos atenienses por ousar dizer no teatro lotado, pela boca de Prometeu, que o reinado de Júpiter-Destino chegaria ao fim. Quatro séculos depois, sob a sombra do trono de Augusto, o poeta Virgílio anuncia uma nova era e sonha com uma criança maravilhosa, onde ele canta: “Oh! Casta Lucina! Acelere as dores da mãe, e apresse esse nascimento glorioso”.

Quando essa criança vai nascer? De que mundo divino virá essa alma? Com que relâmpago de brilhante amor descerá à terra? Com que pureza, com que energia sobre-humana ela se lembrará do céu abandonado? Com que poderoso esforço ela retornará das profundezas de sua consciência terrena, levando consigo a humanidade em seu encalço?

Ninguém poderia prever, mas todos estavam esperando… O rei Herodes, o Grande, o usurpador idumeu, protegido de Augusto César, estava à beira da morte em Jericó, após um reinado suntuoso e sangrento, que cobriu a Judéia com esplêndidos palácios e massacres humanos. Estava morrendo de uma enfermidade terrível, decomposição do sangue. Odiado por todos, dilacerado pela fúria e remorso, assombrado pelos fantasmas de suas inúmeras vítimas, entre as quais sua esposa inocente, a nobre Marianne, e três de seus próprios filhos. As sete mulheres de seu harém fugiram da sua presença; seu próprio guarda-costas o havia abandonado. Impassível ao lado do desgraçado moribundo estava sua irmã Salomé, seu gênio do mal, a instigadora de seus crimes mais hediondos. Com a tiara na testa e peito cintilando com pedras preciosas, ela manteve vigilância, esperando o último suspiro do rei, quando ela por sua vez tomaria as rédeas da soberania.

Assim morreu o último rei dos judeus, e nesse exato momento acabava de nascer o futuro rei espiritual da humanidade, e os poucos iniciados de Israel preparavam-se silenciosamente para o seu reinado em profunda humildade e silêncio.

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