Friday 31 December 2021

O BODE EXPIATÓRIO NO JUDAÍSMO E NO CRISTIANISMO


 

Por um espaço de tempo de cerca de 2000 anos, desde Abraão, ou, pelo menos, desde Moisés, Israel praticou a cerimônia do bode expiatório. A cada ano, o povo de Israel se reunia na esplanada do templo de Jerusalém, junto a um sumo sacerdote e um cabrito escolhido. O doutor da lei então, colocava as mãos sobre a cabeça desse cabrito e transferia para esse animal os pecados do povo. Depois, esse “bode expiatório” era enxotado para o deserto e precipitado por um barranco abaixo, onde morria. Um mensageiro voltava, agitando uma bandeira branca e exclamando: “Deus extinguiu os pecados de seu povo, aleluia! aleluia!” E, como era crença geral, todos os pecados de Israel eram perdoados. E uma grande alegria se apossava de todos, porque sentiam como que livres para pecar e podiam carregar o carro de lixo desses novos pecados para o próximo ano.

Israel não celebra mais o ritual do bode expiatório. Com a destruição do templo de Jerusalém, no ano 70, e a dispersão dos Judeus por todos os quadrantes do Império Romano, terminou também a cerimônia do bode expiatório.

O novo Estado de Israel, criado em 1948, não mais voltou a praticar esse simbolismo.

Infelizmente, a ideia do bode expiatório, que morreu para a ideologia judaica, continua vivo no cristianismo, com a diferença de que o bode expiatório não é mais um animal inocente que morreu e extinguiu os pecados humanos, mas o único homem sem pecado que, segundo a teologia clerical, paga com sua morte os pecados da humanidade.

No entanto, essa ideologia se baseia em diversos equívocos. Supõe que Deus possa ser ofendido por suas creaturas – quando até homens avançados espiritualmente, como Mahatma Gandhi, atingiram um grau onde jamais se sentem ofendidos. Quem não se sente ofendido não precisa se vingar nem perdoar; mas, quem se sente ofendido, pode vingar-se da ofensa, ou então perdoá-la. Deus, porém, o Deus da teologia clerical, ofendido pelos homens, não se vinga, nem perdoa, mas exige satisfação pela ofensa. Mas, como o homem é pecador e insolvente, incapaz de saldar o seu débito, Deus exige que um homem não pecador pague o débito dos devedores. E, como o único homem sem pecado é Jesus, ele é considerado como único pagador capaz de saldar os débitos da humanidade pecadora. E o pagamento só pode ser feito com sangue, com o sangue inocente do único homem sem pecado. O bode expiatório Jesus tem que morrer, derramando o seu sangue, para que o Deus ofendido se dê por satisfeito. Tanto assim que Tomás de Aquino, considerando o maior teólogo cristão, diz, num dos seus poemas espirituais, que uma única gota do sangue de Jesus seria suficiente para pagar todos os débitos da humanidade, mas que Jesus, por excessiva bondade, quis derramar até a última gota do seu sangue para pagar os pecados da humanidade.

Depois desse pagamento, era de se esperar que o homem estivesse quite com a justiça divina; mas os teólogos ensinam que todo o homem nasce de novo em estado de pecado, vive e morre cheio de pecados... Porém, não se sabe em virtude de que lógica!

Outro equívoco desses teólogos é a ideia de que um não pecador possa pagar os pecados de outro pecador. Na realidade, cada pecador tem que pagar por seus próprios pecados. O que alguém semeou, isto colherá. Ninguém pode encarregar outra pessoa como se fosse um procurador e agir em lugar do culpado, pois não vigora semelhante política no Reino de Deus. Ninguém pode salvar alguém; cada um deve salvar-se a si mesmo.

Mas, como pode um pecador absolver-se dos seus pecados? Não é isto um círculo vicioso?

Assim seria, se o homem fosse apenas o seu ego pecador, insolvente; mas todo o homem é também o seu Eu redentor; apesar de ser pecador na sua humana periferia, continua a ser sem pecado no seu centro divino; a imagem e semelhança de Deus não se apagou com o pecado. Quem peca, é o ego periférico – quem redime é o Eu central, o “Pai em nós”, o “Cristo interno”.

Enquanto o ego pecador não conscientizar e vivenciar o seu Eu crístico, ele continua pecador; mas, se despertar em si a consciência da sua Divindade e viver de acordo com esse princípio, redime-se dos seus pecados; os seus muitos pecados lhe serão perdoados, porque muito amou; e esse “muito amou” é o despertamento do Eu redentor.

Nenhum bode expiatório pode libertar os pecados. O Eu divino no homem, é que liberta os pecados do seu ego humano. Somente a consciência e vivência da essência divina pode libertar os pecados da existência humana. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, isto é, conhecer a verdade, e esta verdade conscientizada e vivida, libertará o homem do pecado. O homem é o seu Eu divino, mas carrega consigo seu ego humano.

Toda a redenção é uma autorredenção, mas não uma ego-redenção. O Eu do homem é o seu Cristo interno. Autoconhecimento transbordando em auto-realização é autorredenção.

Quando o cristianismo teológico culminar na virtude crística divina, então desaparecerá esse equívoco da redenção por fatores externos, e nascerá a verdade da autorredenção, da redenção pelo Cristo interno, sem nenhum bode expiatório.

Texto revisado e extraído do livro QUE VOS PARECE DO CRISTO?  

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