Paulo de Tarso tem sido acusado de ter introduzido no cristianismo um Cristo diferente de Jesus dos Evangelhos. De fato, ele fala mais do “Cristo, Rei imortal dos séculos” do que do Jesus, que ele não conheceu em carne e osso. Ele se orgulhava de ser apóstolo, não do “Jesus carnal”, mas do Cristo imortal, que lhe apareceu às portas de Damasco, e o transformou radicalmente.
Dizem alguns teólogos que Paulo transformou o humilde Jesus da Galileia num herói e redentor do mundo, à maneira dos super-homens dos escritores gregos.
Sobretudo nas Epístolas aos Colossenses, aos Efésios e aos Filipenses, Paulo exalta as glórias do Cristo cósmico, que bem pouca semelhança tem com o singelo Jesus dos evangelistas. “No Cristo converge como no topo tudo quanto existe no céu e na Terra”. O Cristo é “superior a todos os principados, potestades, virtudes e dominações, não só neste mundo, mas também no outro – ele, que de tudo enche o Universo inteiro”.
Estas palavras lembram o início da Epístola aos Filipenses, em que Paulo canta o Cristo cósmico, que estava na glória de Deus, e não julgou dever aferrar-se a essa divina igualdade, mas esvaziou-se dos esplendores divinos e revestiu-se da natureza humana, tornando-se homem, servo, vítima, crucificado. E por isto Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, de maneira que, em nome do Cristo, se dobram todos os joelhos, dos celestes, dos terrestres e dos infra terrestres, e todos confessam que ele é o Senhor.
Nestas palavras, Paulo descreve a passagem do Cristo pré-humano para um super Cristo pós-humano, tornando-se maior depois da encarnação do que era antes. A Vulgata Latina diz que Deus o exaltou, mas o original grego de Paulo diz enfaticamente que Deus o super exaltou, ou o exaltou soberanamente, tornando-se ele maior do que fora. Os teólogos dogmáticos não admitem uma evolução no Cristo, porque identificam o Cristo com a própria Divindade, em que não há evolução; mas, se o Cristo é o “primogênito de todas as creaturas”, na expressão de Paulo, é possível uma evolução.
Aos colossenses, que identificavam o Cristo com os anjos superiores, Paulo escreve: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de todas as creaturas, porque nele foram creadas todas as coisas, no céu e na terra, visíveis e invisíveis – tudo foi creado por ele e para ele. Ele é anterior ao Universo, e nele o Universo subsiste. Ele ocupa a primazia em todas as coisas, e nele aprouve residir toda a plenitude”. A plenitude é, para Paulo, a Divindade, em oposição à vacuidade. Para Paulo, o Cristo é a primeira e mais perfeita emanação individual da Divindade Universal, anterior a qualquer outra creatura, sendo ele a primeira de todas as creaturas cósmicas, o Alfa e Ômega, no dizer de Teilhard de Chardin, o princípio e o fim, na linguagem do Apocalipse.
O Cristo, é, segundo João, o “Unigênito do Pai”, a creação única da Divindade, ao passo que os humanos e todas as outras creaturas, foram creadas pelo Cristo, como diz o autor do quarto Evangelho: “Por ele foram feitas todas as coisas, e nada do que foi feito foi feito sem ele”.
A confusão que certos teólogos fazem entre Deus e Divindade, tem dado oportunidade a controvérsias seculares. Segundo os livros sacros, sobretudo na visão de João e de Paulo, o Cristo é Deus, mas não é a Divindade, que ele chama “Pai”, que está no Cristo e no qual o Cristo está, mas “o Pai é maior do que eu”. Deus, à luz dos livros sacros é a mais alta emanação individual da Divindade Universal, portanto creatura da Divindade, o “primogênito de todas as creaturas”.
Diante disto, compreende-se que Pedro, numa das suas epístolas previna os cristãos daquele tempo, dizendo que nos escritos do irmão Paulo, há certas passagens difíceis que os ignorantes pervertem para sua própria perdição. De fato, para Pedro e os outros pescadores galileus, deve ter sido difícil ter uma visão exata do Cristo cósmico que foi revelada pelo erudito ex-rabino e iluminado vidente do Cristo, pois uma intuição cósmica nunca é exprimível em termos de análise intelectual. Tanto atualmente como naquele tempo persiste esta mesma dificuldade. Ainda hoje há filósofos e teólogos que consideram Paulo de Tarso como um falsificador dos Evangelhos, como um contrabandista que tenha introduzido no cristianismo um Cristo Cósmico ao lado do humilde Jesus de Nazaré. Entretanto, o Cristo de Paulo é o mesmo Nazareno descrito pelos Evangelistas, mas visualizado da excelsa perspectiva do Logos pré-histórico, que também João, o místico, descreve no início do seu Evangelho: “No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus”.
O Cristo cósmico, pré-humano, e o Jesus feito cósmico pelo Cristo, pós-humano – é esta a grandiosa síntese de Paulo de Tarso, o Alfa e Ômega da sua vivência e de todas as suas epístolas.
Texto revisado extraído do livro QUE VOS PARECE DO CRISTO?
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