Tuesday 14 December 2021

É O CRISTO A SEGUNDA PESSOA DA TRINDADE?

Em Deus não existe nenhuma pessoa, pois a ideia de pessoa é de um invólucro que reveste o ser humano enquanto creatura, ou seja, uma individualidade.

No princípio do século 4, com a ajuda e suporte do Imperador romano Constantino Magno, os cristãos perseguidos tiveram a permissão de sair das catacumbas, onde viviam como adeptos de uma religião proibida. Com o despontar da liberdade, os cristãos começaram a se organizar e analisar intelectualmente a sua experiência intuitiva.

A filosofia cristã da época era o neoplatonismo, com sede em Alexandria, mas as escolas neoplatônicas foram fechadas por ordem do Imperador, porque esta filosofia, essencialmente intuitiva-mística, não favorecia a constituição de uma poderosa hierarquia eclesiástica que unificasse as dezenas de igrejas cristãs, que se digladiavam.

O platonismo intuitivo foi sucedido pelo aristotelismo analítico, que desde então, governava a formação da hierarquia e deu caráter à teologia eclesiástica, até atingir a sua culminância no século 13, pelo prestígio de Tomás de Aquino.

Nesses séculos aristotélicos elaborou-se a ideia de um Deus uno em sua natureza e trino nas personalidades. Tomás de Aquino, em consequência de uma visão ou experiência mística, revogou toda a sua teologia analítica no final de sua vida, declarando que tudo não passava de “palha”.

Entretanto, as doutrinas aristotélico-tomistas continuam até hoje como teologia oficial da igreja.

Sendo a Divindade a própria Realidade ou Essência, nenhuma distinção de personalidade, faz sentido. A teologia clerical, porém, não admite esse monismo que não existe como pessoa, mas organizou um monoteísmo pessoal, dando personalidade a Deus e distinguindo nele três pessoas.

O monoteísmo personalista é incompatível com a mensagem do Cristo – “Eu e o Pai somos um, o Pai está em mim, e eu estou no Pai... O Pai também está em vós e vós estais no Pai”.

A visão de Jesus é inteiramente monista, e não monoteísta; para ele, há uma única Essência, que ele chama de Pai, a qual se manifesta em muitas existências, ou creaturas. Depois de afirmar “Eu e o Pai somos um”, ele acrescenta, “mas o Pai é maior do que eu”, como se afirmasse: Eu, o Cristo, estou na Divindade, mas eu não sou a Divindade, a Divindade é infinitamente maior do que eu. Ou em terminologia filosófica: Eu, a existência individual, sou uma manifestação da Essência Universal, que é maior que qualquer existência; vós também sois existências individuais, manifestações da Essência única da Divindade.

A manifestação individual da Divindade Universal é por ele chamada Deus. Quando foi acusado de se dizer Deus, não o negou, e acrescentou que também os homens eram Deus, isto é, manifestações individuais da Divindade Universal: “Vós também sois deuses”.

Quando o Cristo Jesus se diz Deus, ele afirma que é uma manifestação individual da Divindade, mas não faz de si uma parte ou pessoa da Divindade, como não faz dos homens partes ou pessoas da Divindade. Nenhuma creatura é parte ou centelha, da Divindade, como pensam os poetas; se a Divindade se dividisse, ela deixaria de ser a integridade.

As creaturas são apenas manifestações da Divindade, ou existências múltiplas da Essência.

O Universo é o melhor símbolo da Essência Única manifestado em várias existências, ou por exemplo, se pode simbolizar a Divindade por um pensador, e as creaturas como seus pensamentos. O pensamento é uma manifestação parcial do pensador, mas não pode ser considerado como uma parcela componente e destacada do pensador.

Quando a Divindade Universal infinita se manifesta em quantidades finitas, ela não se divide, mas, continuando íntegra e imutável, manifestando externamente a sua realidade interna.

O Cristo não é a segunda pessoa da Trindade – assim como o Espírito Santo não é a terceira pessoa – como constitutivos da própria Divindade, que não é composta, mas simples.

A doutrina de um Deus Trino, nascida no princípio da teologia eclesiástica, é uma prova convincente de que a Divindade não pode ser analisada, porque toda a análise supõe decomposição, pois a etimologia da palavra grega “analysis” quer dizer dissolução. Quem analisa Deus é ateu.

A suprema Divindade Universal, a Tese Absoluta, só pode ser conhecida por intuição, experiência ou vivência íntima. Tudo que se pode analisar, pensar, falar, é finito. O Infinito não se analisa, não se pensa, e nem se pode exprimir em palavras.

A certeza de Deus não vem da análise, do pensamento – essa certeza acontece ao homem quando ele se torna interiormente aberto e receptivo para receber essa revelação. “Quando o discípulo está pronto, o Mestre aparece”.

Desde o princípio do século 4 até o século 20 a igreja foi dominada pelo aristotelismo analítico, sobretudo de Tomás de Aquino; ultimamente há uma crescente prevalência do neoplatonismo intuitivo, que era a filosofia dos luminares do cristianismo nos primeiros séculos.

A filosofia oriental também admite três entidades na Divindade suprema de Brahman, a saber: Brahma, Vishnu e Shiva. Mas essas três entidades não são indivíduos, e sim funções da Divindade, que se revela como Brahma, o Creador; Vishnu o Continuador, e Shiva, o Consumador.

Neste mesmo sentido monista, podem ser aceitas três entidades como funções da Divindade: A Essência Una se manifesta incessantemente como existência iniciadora, continuadora e consumadora.

O monoteísmo teológico das igrejas está se aproximando cada vez mais do monismo filosófico, admitindo, além da Divindade transcendente, o Deus imanente. Monismo não é panteísmo (tudo é Deus), mas pode ser chamado Panenteísmo (tudo em Deus, que é a crença de que Deus está em todas as coisas e que, portanto, sua presença é permanente, embora possa mudar e seja dinâmica). Como também admite Teilhard de Chardin: unidade da Essência na diversidade das existências. A Divindade transcendente é inacessível à inteligência humana; revelada como o Deus imanente, é acessível.

O Cristo, segundo o Evangelho, é a primeira e mais alta emanação da Divindade, o “unigênito do Pai”, segundo João, e o “primogênito de todas as creaturas”, segundo Paulo de Tarso.

O Cristo é Deus, mas não é a Divindade.

Texto revisado, extraído do livro QUE VOS PARECE DO CRISTO?

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