Passados mais de 2000 anos depois do nascimento de Jesus, a humanidade inteira, cristã e não cristã, estabeleceu a sua cronologia de tempo pelo nascimento de um homem que ajudava o pai em uma modesta carpintaria - e até hoje essa humanidade não sabe bem porquê...
A resposta que os teólogos cristãos costumam dar a esta pergunta é conhecida: “para salvar a humanidade”.
Entretanto, o próprio Jesus nada sabe dessa suposta salvação; ele mesmo nunca afirmou que viera ao mundo para este fim, e nem mesmo os evangelhos citam a respeito disso.
De acordo com a tradição cristã, Jesus apareceu a dois de seus discípulos na estrada para Emaús após sua crucificação e ressurreição, justo quando ambos lamentavam sua morte. Diante da cena, Jesus lhes perguntou o que os atormentava, que dúvida os acompanhava, quando ele mesmo lhes respondeu: “Não devia então o Cristo sofrer tudo isto para entrar em sua glória?”
Mas nenhuma palavra sobre a suposta salvação da humanidade!
Paulo de Tarso, na epístola aos Filipenses, escreve: “Ele (o Cristo), que estava na glória de Deus, não julgou necessário se apegar a esta divina igualdade; mas se esvaziou dos esplendores da Divindade e se tornou homem, servo, vítima, crucificado. Por isto, Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, de maneira que, em nome do Cristo, se dobrem todos os joelhos dos seres celestes, terrestres e infra terrestres, confessando que ele é o Senhor”.
Nenhuma palavra sobre o intuito de salvar a humanidade. Assim, de forma velada, Paulo deixou bem claro que o Cristo Jesus, pela encarnação, se tornou maior do que era, a tal ponto que todas as creaturas do Universo, proclamem a sua grandeza.
E neste sentido, mais uma vez, se volta à questão incompreensível dos avatares, da descida de uma entidade espiritualmente elevada, para mundos de vibração espiritual inferior, como o da Terra, pois todo o avatar se desapega dos esplendores da sua grandeza e desce à pequenez de mundos inferiores. Mas... para quê?
Não para redimir os habitantes destes mundos, mas para realizar a sua própria evolução futura.
Para compreender essa estranha peregrinação em direção contrária ao seu mundo superior, é necessário lembrar novamente que a lei suprema do Universo é evolução. Nenhuma creatura, por mais evolvida que seja, se acha no termo final da sua evolução. Esse termo, não existe; toda creatura está numa permanente jornada para mundos superiores.
Quanto mais liberto se sente um avatar, tanto maior é o seu desejo de se escravizar, porque a voz cósmica da sua consciência lhe diz que esta espontânea escravização é o único caminho para uma libertação futura.
Quem é menos liberto não tem desejo de se escravizar – mas quem se sente mais liberto se escraviza voluntariamente.
Não se trata aqui, de uma “reencarnação”, no sentido tradicional, que seria compulsória. Trata-se de uma descida por amor, por se sentir mais livre.
O amor que serve de motivação ao avatar para realizar a sua descida, é um autoamor, o amor a uma auto-realização maior. O avatar, para “entrar em sua glória”, sai externamente dessa glória, e desce à inglória da escravidão voluntária, da humilhação, do sofrimento, da morte, por ser este o único caminho de subir a regiões superiores, conforme exigem as Leis Cósmicas, inexoravelmente.
Os horrores que Jesus sofreu no fim da sua vida são totalmente incompreensíveis senão diante dessa gloriosa peregrinação a um mundo inferior. Para que pudesse dizer na cruz, a sua última e mais gloriosa palavra: “está consumado”, ele se humilha até o grau mais baixo da servidão, do desprezo, do descrédito voluntário, onde no fim da sua vida terrestre, ele reúne tudo que se possa imaginar de horrível e infamante. E, como se os sofrimentos físicos não lhe fossem suficientes, acrescentou sofrimentos metafísicos.
No alto do Calvário, os chefes da sinagoga o desafiam para que, em prova da sua missão divina, desça da cruz: “Se tu és o Cristo, desce da cruz, e nós teremos fé em ti”.
Provavelmente, muitos dos chefes da sinagoga receavam que Jesus atendesse ao desafio e descesse, glorioso, da cruz, que seria a derrota máxima da sinagoga.
Jesus, porém, não deu esta prova suprema da sua messianidade, tomando sobre si a infâmia de ser um falso Messias, de enganar o povo com três anos de imposturas e magia negra.
E, para cúmulo de humilhação, em vez de descer da cruz e assim provar a sua missão divina, fez exatamente o contrário: bradou em alta voz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”
Os inimigos de Jesus devem ter se satisfeito de escárnio e de triunfo, ao ouvirem estas palavras. Ouvistes? – perguntou Caifás - o que ele disse? Que foi abandonado por Deus, que é um pseudo Cristo... Nós tínhamos razão em dizer que ele era um falso Cristo, um aliado de satanás... Agora, no momento supremo, confessou a verdade – Deus o abandonou...
É difícil conceber maior auto difamação do que esta. Na sua corrida rumo ao abismo da voluntária humilhação, Jesus não poupa nenhuma oportunidade para demolir a sua grandeza. Com este grito, ele entregou a seus inimigos o melhor punhal contra si mesmo.
E seus discípulos e amigos, que ouviram este grito de abandono, que deviam eles pensar? Sua mãe, seu discípulo amado João, sua fiel discípula Madalena, todos eles ouviram que seu querido Jesus se confessou abandonado por Deus... E como eles podiam continuar a amá-lo e segui-lo se o próprio Deus o havia abandonado?...
Esta cruel decepção dos seus devotados amigos e discípulos deve ter sido o derradeiro passo, nessa marcha acelerada rumo à auto difamação e ao ego-esvaziamento.
Estava terminada a corrida rumo ao nadir.
Jesus, com sua mãe e seu discípulo, ao pé da cruz, disse à mãe: “Eis aí teu filho”, e disse ao discípulo: “Eis aí tua mãe”.
Depois de se desfazer desses últimos tesouros que ainda tinha na Terra, se fez totalmente liberto de tudo e de todos, e seu Cristo podia dizer: “Está consumado”. E por fim: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”.
É este o drama trágico e glorioso da encarnação do Cristo Jesus.
Texto revisado, extraído do livro QUE VOS PARECE DO CRISTO?
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