Monday 23 November 2020

A FÉ

Ter fé é a mais arrojada aventura cósmica do homem. É fechar os olhos dos sentidos e do intelecto e lançar-se ao desconhecido, na certeza de que esse imenso vácuo de trevas é a plenitude da luz, e que essa morte total é vida integral, renascendo para tudo que ignoramos. É ultrapassar todas as horizontais do ego e entrar na grande vertical de Deus.

Ter fé é uma atitude vital e experiencial; é a total submersão da individualidade no mar imenso da Divindade; é a radical renúncia ao ego tirânico e uma integral entrega do mesmo ao Espírito Infinito.

No princípio, o “crer,” não passa de um ato de boa vontade, de um ingênuo “querer crer.” Nem jamais deixará de ser esse “querer crer,” enquanto não for fecundado pelo “viver,” isto é, por uma vida diária em perfeita harmonia com a fé. O crente deve viver como se já possuísse experiência de Deus - e é precisamente nesse “como se,” que reside todo o tormento, pois trilhar o caminho da vivência ética antes de atingir o mundo da experiência mística - é imensamente difícil, é martírio de cada dia, é o “caminho estreito e a porta apertada,” é o “fundo da agulha” de que fala Jesus. Transcender o ego antes de atingir o Eu, renunciar ao Lúcifer entes de encontrar o Cristo - isso é uma espécie de salto ao abismo, ou uma suspensão no vácuo.

Como pode o homem negar a vida horizontal antes de afirmar a vida vertical? É da íntima natureza da psicologia humana que não renuncie a um valor antes de descobrir outro valor maior ou, pelo menos, igual ao primeiro. Só quem descobriu o “reino dos céus que não é deste mundo” é que pode renunciar a “todos os reinos do mundo e sua glória.”

Ter fé é, pois, idêntico a possuir algo espiritualmente antes de o ter materialmente; é operar numa dimensão que se acha além de todas as dimensões que o homem profano conhece e ama; é a morte do ego, que precede necessariamente o nascimento do Eu da “nova creatura em Cristo.”

Quem não morreu não vive plenamente - e quem não tem vida plena não tem fé.

Morrer para viver - é esta a grande verdade! Não basta morrer compulsoriamente, como passar pelo nascimento, vida e morte, mas é necessário morrer espontaneamente, para poder crer. Só um ser humano que morreu voluntariamente é que é um crente verdadeiro, e, neste caso, o seu “crer” e “saborear,” após a morte voluntária e mística do ego, é que introduz o homem na vida eterna, numa vida que ultrapassou o precário nascer e morrer e é um pleno viver. Vida que ainda conheça nascer e morrer não é vida plena, é apenas uma pseudo vida ou uma agonia prolongada, um ligeiro momento de luz entre as trevas. Somente uma vida que brotou de uma morte voluntária é que é vida integral.

Isso é ter fé! É essa fé, que é um saber vital, é que garante vida eterna.

Texto revisado, extraído do livro Assim Dizia o Mestre

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