A inteligência humana capta coisas mais refinadas do que os órgãos dos sentidos, como as realidades do mundo não material, do mundo metafísico, lógico, racional, que são as relações causais existentes entre os seres humanos; percepção sobre a qual está baseada toda a sua cultura tecno científica. A própria palavra “intelecto” ou “inteligência”, do latim inter-legere, define admiravelmente a função específica dessa faculdade: pelo intelecto o homem lê, ou colhe, realidades existentes, realidades que para os órgãos dos sentidos são irrealidades, coisas inexistentes, onde esses órgãos não são afetados ...
O homem meramente intelectual sente dificuldade em compreender as realidades do mundo espiritual, e por mais que o homem espiritual procure e tente explicar a seu irmão intelectual o que é Deus, o Cristo, vida eterna, etc., ele não consegue captar o verdadeiro sentido destas palavras, que passa imperceptível pelo seu intelecto. Para ele, “Deus” é uma “palavra sagrada”, ou mesmo uma “ideia poética”, mas de forma alguma uma “realidade objetiva”.
Um dia, Santo Agostinho foi interrogado sobre o que era Deus, e o grande gênio africano respondeu: “Se ninguém me pergunta, eu sei o que é Deus - mas, se alguém me pergunta, confesso que não sei.” Quer dizer, intelectualmente, ignoro, mas espiritualmente sei o que é Deus; mas, como essa sutil realidade do espírito não é analisável e definível pela inteligência, eu posso ter a experiência intuitiva de Deus, sem poder dar uma definição intelectiva.
O que o homem intelectual deve fazer para compreender o mundo espiritual não é intensificar a sua inteligência - que seria a continuação da mesma linha horizontal - mas sim, tomar outra direção - a nova direção da verticalidade. Evidentemente, não se chega a ter uma vertical pela adição ou multiplicação das horizontais; é necessário abandonar esse nível e iniciar um rumo diferente.
Essa mudança da horizontal para a vertical é o que se chama conversão, redenção, salvação, que não é a soma total das intelectualidades horizontais, mas é um novo início, uma direção inédita, uma “vida nova”, um “renascimento pelo espírito”, o descobrimento de um novo mundo até então ignorado. Não é uma “continuação” de algo pré-existente, mas é um “novo início”, um fato virgem, absolutamente original - é uma deslumbrante luz no meio das trevas.
É esta a razão principal porque esse “novo início” não pode ser manufaturado pelo “homem adâmico”, a partir de certos materiais pré-existentes e por ele criados - ou, no dizer de Paulo de Tarso, a salvação é um dom de Deus, que vem do alto, como obra da graça divina, e não de baixo, graças a obras humanas. O homem pode e deve preparar o caminho para o advento desse “novo início”, desse “renascimento pelo espírito”, mas não o pode criar de dentro de si, ou fabrica-lo de algo nele existente, uma vez que o menos, não pode causar o mais, o negativo não pode produzir o positivo, o pecador não pode fazer de si um justo, porque tudo isto seria uma flagrante contradição às leis eternas da Lógica e da Razão, mas repetindo, o homem pode e deve preparar o caminho para esse advento.
Em última análise, o que o iniciado nas coisas de Deus, o homem crístico, intuitivamente sabe, é lógico e racional. Pode-se afirmar que o místico é o homem integralmente lógico e 100% racional - embora os profanos o considerem exatamente o contrário. Em Deus, o eterno Lógos, se abraçam fraternalmente a Lógica e a Mística, a Razão e a Revelação.
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O sentido original da palavra latina “legere”, não é propriamente “ler”, como é geralmente traduzida, mas “colher”, “prender.” Também em alemão, a palavra correspondente “lesen”, “ler” significa o ato físico de colher. A palavra “compreender” deriva de “prender”; compreendemos aquilo que “prendemos” no intelecto; o que não se prende pela inteligência, o que não se vivencia, não se compreende.
Texto extraído do livro Profanos e Iniciados
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