Thursday 26 November 2020

O UNIVERSO DA UNIFICAÇÃO ESPIRITUAL

No início, o Cristianismo era platônico ou unificador, monista, mas isso não quer dizer absolutamente que Jesus e seus discípulos ou os pioneiros do Evangelho da época tenham estudado essas filosofias dentro dos conceitos de Platão ou Plotino. Na realidade, todo homem que ultrapassa certa barreira na peregrinação de sua evolução interior rumo a Deus e ao mundo espiritual, mesmo que ignore completamente o mundo platônico ou neoplatônico, abandona espontaneamente o terreno do dualismo intelectualista e se dirige cada vez mais profundamente no maravilhoso universo da unificação espiritual. É que o dualismo, representando um grau inferior de experiência espiritual, é incompatível com o grau superior nessa peregrinação, que culmina necessariamente numa completa unificação, uma vez que a verdade integral é unificadora, ao passo que a meia verdade é separadora, dualista ou pluralista.

Uma apenas é a essência, muitas são as aparências. Uma é a Verdade total, muitas são as verdades parciais, ou mesmo as inverdades.

Francisco de Assis, um dos homens mais crísticos que o mundo conhece, é considerado pelos inexperientes como um “panteísta cristão” - por quê? Porque falava com plantas, insetos, pássaros, peixes, lobos, com o sol, a lua e as estrelas, chamando-os seus irmãos e suas irmãs, filhos e filhas do Pai dos céus; pouco antes da sua morte acrescentou ao seu magnífico poema, conhecido como o “Cântico do Sol,” mais um verso em que convida a “Irmã Morte” a entoar também louvores a Deus. É que esse vidente da Suprema Realidade, superior a todos os dogmas e todas as teologias humanas, via Deus intuitivamente em todas as coisas, e via todas as coisas em Deus - não como uma ficção poética, mas como realidade objetiva. Para ele, não se tratava de um suave devaneio sentimental, como acontece com certos poetas, mas era um verdadeiro culto em espírito e em verdade que Francisco de Assis prestava a Deus nos pequenos e grandes altares da divindade erguidos em plena Natureza.

Se diz que a ideia do monismo destrói o horror ao pecado, mas se fosse assim, o grande místico de Assis devia ter sido um dos maiores pecadores, uma vez que nele, o dualismo intelectualista acabara na mais completa unificação espiritual. O verdadeiro monismo cristão e evangélico é o único fator que tem a habilidade de inspirar ao homem uma aversão profunda e duradoura ao mal, ao ponto de o tornar isento ao pecado.

Agostinho de Hipona, que tanto se esforçou por trocar o seu normal e subconsciente platonismo por um aristotelismo consciente e artificial, jamais tentou falsificar a sua alma naturalmente cristã; em momentos mal vigiados torna a irromper das profundezas do seu Eu espiritual o grito da sua unidade divina, temporariamente sufocado pelo dualismo da sua teologia. Sobretudo nos seus magníficos “Solilóquios,” onde o grande gênio ousa ser ele mesmo, volta a ser ingenuamente o discípulo do Evangelho. Um dia, quando ele pergunta a Deus: “Onde estavas tu quando eu vivia nos meus pecados,” e a voz divina lhe responde: “Eu estava no meio da tua alma”; ao que o teólogo eclesiástico, não o cristão evangélico, exclama, cheio de estranheza: “Como podias tu, Senhor, Infinita Santidade, estar dentro de mim, o maior pecador do mundo?” E a voz de dentro lhe responde: “Agostinho, eu estava sempre presente dentro de ti, mas tu andavas sempre ausente de mim.”

No fim se sua vida, Agostinho resumiu todas as suas experiências religiosas nesta oração, brevíssima e imensa: “Deus, noverim te ut noverim me!” (Possa eu conhecer-te a ti, meu Deus, para que me conheça a mim!). Oportunamente, ele também inverte a frase, orando: Possa eu conhecer-me a mim, para que te conheça a ti, Senhor! É que essa alma naturalmente cristã sabia que, conhecendo a verdade sobre Deus, conhecia a verdade sobre o Eu, e vice-versa, uma vez que Deus é a verdadeira essência espiritual do Eu. Assim como Francisco de Assis via a essência divina em todas as plantas, insetos, aves, animais e no homem, Agostinho também sabe intimamente que Deus é a profunda essência do homem, que o reino de Deus está dentro do homem; quando o homem ignora esse reino de Deus dentro dele, é pecador; quando o descobre e o toma por guia e norma de vida, o homem é um santo; renasceu pelo espírito, se desfez do “homem adâmico” e se vestiu em “homem crístico,” tornando-se uma “nova creatura em Jesus”.

Quando o homem superar o seu período dualista-teológico atual, tornará a ser evangelicamente unificador, e muito mais intensamente do que o foram os cristãos do tempo das catacumbas, porque as dolorosas experiências de tantos séculos de dualismo teológico-intelectual irão fechar o caminho para a recaída no satanismo intelectual, fazendo com que esse homem se firme definitivamente no cristianismo espiritual.

Texto revisado, extraído do livro Evangelho ou Teologia? 

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