Saturday 26 June 2021

A ESPIRITUALIDADE É UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE

Na afirmação dessa identidade, implica em que não se trata de encontrar ou buscar um ser especial, invisível, incorpóreo e nem de se comunicar com ele. Neste sentido, é que reside a dificuldade com a palavra “Deus”, ou outro nome que se possa dar à Divindade, ao Sem Nome, porque faz com que pareça uma entidade objetiva, à parte, quando na realidade é a identidade essencial, e a essência de tudo.

Quando a essência tomou forma, a existência teve seu início e se desdobrou por todo o palco da existência. Tudo que existe tem um começo, meio e fim. O único que não existe é a essência, o Ser, que não requer existência para ser; se pode ter até a ousadia de afirmar que o Ser não se restringe ao que existe, “vai mais além”, porque já “era” antes de crear a existência. 1


Se descobre essa essência por meio da consciência. No ser humano, a forma consciente toma conhecimento de si mesma; nos seres não humanos, existe a individualidade com diferentes graus de conscientização; e os inanimados, seus próprios estados conscienciais, mais ou menos despertos, mais ou menos sabedores desse estado. 


Todas as formas têm como essência, o mesmo Ser único, e que creou um “divertimento” cósmico, aparecendo e desaparecendo na existência. E a autoconsciência no homem é a “visão” dessa essência. O homem enxerga o ser que ele é e todas as demais creações, mesmo que não as vejam!


O fato de a forma humana ver o Ser, não a torna melhor do que aqueles que não a veem, porque ainda não despertaram para o fato de seu próprio conhecimento, mas continuam a ser tanto quanto os humanos são, emanações do Ser, que é a essência comum de todas as formas.


Quando uma forma humana ou qualquer outra se desintegra no éter, isso significa que o ser materializado existente, deixou de se manifestar nessa forma, passando para uma outra, ou não, dependendo apenas do livre arbítrio desse ser, mas a essência do Ser continua nessa forma de ser. Quando a consciência humana desperta nessa razão, ela descobre a Vida Eterna, pois embora sua forma tenha se transformado em qualquer dimensão, mesmo etérea, sua consciência integrada, não estará mais sujeita à forma; foi visualizada a Vida Eterna do Ser imutável.


O ser humano em seu desenvolvimento enquanto consciência mais desenvolvida, elabora para sua forma uma identidade externa à qual dá nome e constrói um ego individual ou social, se preocupando ao máximo em prolongar a expressão dessa forma e medo de perde-la, de tanto que se identificou com ela. Daí a separação da presença do Ser, que ingenuamente acredita, e esta é a razão pela qual, em vez de saborear um Cosmos, vive num constante estado de caos emocional e mental.


E assim, por milênios, e muitos mais adiante, o homem luta e lutará incansavelmente para que essas formas transitórias elaboradas pelas ilusões do seu ego tirânico não desapareçam, sem saber que a verdadeira vida não está sujeita à forma, espaço e tempo, que não há problema algum em beber a taça de cicuta do seu destino, onde se desenrolam as comédias nos palcos do circo que é a vida do homem profano. Mas o Ser, a consciência observadora, jamais deixará de ser. 2


Eckhart Tolle, um espiritualista alemão, professor e escritor diz que a existência humana tem apenas dois propósitos: um interno e outro externo. O propósito interno, prioritário é o despertar da consciência para o Ser. E o externo, secundário é a peregrinação na jornada terrena, onde ocorre a possibilidade de libertação do ego, que só se processa através do autoconhecimento, até a total autorrealização, que nada mais é do que o despertar da consciência no Ser.


A expressão: “Que Deus esteja em mim” é válida, mas é confusa, dá a impressão que o homem está dividido, separado, o homem e o Ser. E esse é o problema em dar um nome, Deus, etc., ao Sem Nome, o Ser, essência de tudo, como se fosse uma outra forma objetiva que se pudesse determinar e localizar, convertendo-o em algo à parte, como entidades separadas. A despeito da condição humana exigir uma forma, o homem não é o que ele realmente é. Essa condição, a pessoa humana, se revela como uma máscara apenas, que se usa enquanto se vive na dimensão terrestre, que terá que ser abandonada, com a mudança de um novo nível de consciência quando essa consciência tiver realizado seu verdadeiro papel. Papel esse que está relacionado com o despertar, para a descoberta do verdadeiro Ser, que está oculto pelo ego artificial, ilusório e temporário, ao qual o homem dá todo crédito e valor.

Aqui também se coloca a razão e o significado da palavra: “santo”, que significa “total” ou “totalizante”, pois nas escrituras sagradas referindo-se a Deus, dizem: “Que seu Nome é Santo”, isto é, que se refere ao todo.

Os chamados mensageiros de Deus são aqueles iluminados pela consciência, que estão preparando a humanidade, aprisionada nas algemas de seus condicionamentos primitivos, para um despertar maior de consciência. O Cristo Jesus se referia à imagem de um Pai amoroso, avançando significativamente em relação a Moisés, cuja imagem predominante era a de um Senhor punidor. Jesus incluía a ideia de que “O Pai e eu são um ", preparando assim o caminho para o despertar da consciência única, que hoje urge pela sobrevivência do homem no planeta!

E é por essa mesma razão que Buda é considerado ateu, porque para ele é incorreto e contraproducente identificar o não identificável, o tornando uma entidade separada que nada tem a ver com o conhecimento alcançado pela consciência.

Jesus concordou em ser deus, mas disse que todos os homens são deuses, e quando se referiu ao poder que tinha sobre a vida: “Eu dou a minha vida e a retiro quando quero”, sendo a única creatura gerada do Ser supremo, o Cristo, que se manifestou na forma humana de Jesus, e em que nos homens, marcou a poderosa imagem do crucifixo, como seta indicadora do caminho ao qual o homem deve se submeter para atingir a vida do Ser eterno.

_____________


1)- Existência: o prefixo “ex” significa, que foi extraído, que é um produto.


2)- Daí a paz com que a forma humana chamada Sócrates, ao beber a cicuta, afirmando que ninguém tiraria a sua vida, dizendo ser imortal, mostrando o quanto a sua consciência havia despertado.

Nota:

Esse ensaio sobre a mística da espiritualidade, é de autoria de Hernán Fandiño (1952-2020), estudioso das reflexões e ensinamentos das obras de Huberto Rohden, Emilio Carrillo, além de ter sido leitor, seguidor e tradutor ao espanhol das palestras de Eckhart Tolle. Hernán, depois de reavivar o Cristo que nele habitou durante sua peregrinação terrena, deu um salto quântico de consciência, descobrindo o ser que é seu Eu essencial e divino, e o Ser que é sua essência.

O texto original em espanhol foi traduzido ao português e revisado, obedecendo a sintaxe desse idioma e eventuais arranjos na forma literária e estrutura gramatical.


Devido ao estreito contato com a obra literária e pensamentos de Hernán Fandiño, suas emoções, atitudes, expressões, personalidade, não foi difícil viver a alma de seus pensamentos e intuições, portanto, o sentido e não as palavras “Sensus non verba”, foram criteriosamente observadas nesta tradução.


Flavio de Mello

No comments:

Post a Comment