Todos os grandes pensadores do Oriente concordam que a vida humana é uma só, mas passa por diversos estágios evolutivos. Admitem também que o conteúdo espiritual-moral (karma) de uma etapa da vida não é anulado pela morte física, mas passa para a próxima etapa, com os seus elementos positivos e negativos.
A ideia comum no Ocidente, de que um homem possa ser obrigado a não progredir nem retroceder, ou até sofrer eternamente por causa de erros cometidos em algum de seus estágios evolutivos, é rejeitada por eles, porque semelhante processo destruiria a Lei de Causa e Efeito que rege todo o Cosmos. Se houvesse pena eterna, por pecados ou erros cometidos, o efeito, punição eterna, seria infinitamente maior que sua causa, e essa desproporção converteria a ordem do Cosmos no caos. Nenhum pecado passageiro, por maior que seja, pode produzir um sofrimento eterno, uma vez que o eterno não se mede pela soma dos pecados ou erros passageiros.
Se a liberdade do homem é atributo do espírito, e este não morre com a destruição do corpo material, consequentemente, o espírito continua livre e pode corrigir o seu erro quando quiser; pode desfazer o que fez!
Sim, o espírito mesmo, como afirmou Teilhard de Chardin, padre jesuíta francês, cientista, paleontólogo, teólogo, filósofo, idealista e professor, por mais que isso choque os céticos materialistas, de que: “Não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual... somos seres espirituais tendo uma experiência humana”.
Esta eterna evolução do homem, porém, não exige necessariamente uma “reencarnação”, isto é, um regresso do espírito a um corpo físico; e, mesmo no caso que essa reencarnação fosse necessária, esta poderia se realizar em outros corpos espalhados pelo Cosmos, pois a vida não é privilégio apenas do planeta Terra.
A reencarnação só se realizaria no caso que o homem desencarnado alimentasse fortes desejos materiais, pelo fato de não ter creado, durante a sua existência terrena, suficiente sabedoria espiritual para lhe garantir compatibilidade com um ambiente superior à matéria física, em outros planos do Cosmos.
Ramana Maharshi, famoso sábio indiano e ser liberto das tendências do ego, afirmou que o conceito de reencarnação é baseado em ideias erradas sobre o eu individual (o ego), como sendo real. Para o sábio, o renascimento do espírito, em corpo material existe como sendo um passo de renovação àqueles que viveram na ilusão e não tiveram a habilidade de compreender a não realidade do eu individual. Mas quando essa ilusão é percebida, não há mais espaço para ideias sobre reencarnação, pois quando cessa a identificação com o corpo, cessa também qualquer noção sobre morte e renascimento, porque não existe nascimento ou morte dentro da dimensão do Eu superior Divino.
É sabido que um desejo intenso, longamente alimentado, se materializa aos poucos, pois as forças mentais são forças creadoras. A força da magia mental crea o objeto correspondente aos seus desejos, seja no plano mental, seja no plano astral ou material. Um materialista, quando fora da matéria, materializa o seu desejo de regressar à matéria, enquanto fora da matéria não encontra ambiente propício para a sua felicidade. É como peixe fora d'água; não pode viver no ambiente da atmosfera sutil e tentará voltar ao seu ambiente aquático.
A reencarnação, portanto, é a concretização de um desejo intenso e constante – mas não pode ser considerada como único meio de alguém saldar o seu débito, ou karma negativo, contraído em uma existência anterior. O pagamento desse débito é possível em qualquer estágio evolutivo, mesmo fora da matéria física, uma vez que a base desse débito não está na matéria, mas no plano mental do homem. A mente, ou intelecto, é o único que erra e peca. Esse elemento mental, porém, não abandona o homem quando ele desencarna fisicamente. Foi a mente do homem que pecou, e ela pode desfazer o que fez em qualquer ambiente do Cosmos.
Muitos filósofos tentam também explicar pela reencarnação as desigualdades dos indivíduos durante a existência terrestre – doenças, pobreza, morte prematura ou violenta, etc. Entretanto, embora estas desigualdades sejam, até certo ponto explicáveis diante de um karma negativo trazido de uma existência anterior, esta explicação falha quando remontarmos ao primeiro elo dessa longa cadeia de existências sucessivas; não explica porque determinado ser humano, tenha creado esse karma negativo, quando, na primeira encarnação, nada havia de negativo que justificasse esse abuso da liberdade. Qual a razão porque a pessoa “A” creou karma negativo, pecando, na sua primeira existência, quando as pessoas “B” e “C” e milhares de outros, iguais a ele no princípio, crearam karma positivo? O apelo à reencarnação, para explicar as desigualdades da vida presente, não fornece, pois, uma solução final.
Embora seja possível o fato histórico e objetivo de uma reencarnação física, não existe vínculo causal necessário entre reencarnação material e renascimento espiritual. O renascimento espiritual pode ocorrer sem a reencarnação, e vice-versa. Todos os renascimentos espirituais narrados no Evangelho, no Novo Testamento e na história da humanidade em geral – Nicodemos, Madalena, Zaqueu, o ladrão na cruz, Paulo de Tarso, Francisco de Assis, etc., aparentemente ocorreram sem nenhuma encarnação. De onde se conclui que o renascimento pelo espírito não está necessariamente ligado, à relação de causa e efeito, ou seja, à reencarnação pela matéria.
O renascimento pelo espírito é um processo autônomo, independentemente de qualquer fator externo, dependente somente do Eu racional ou espiritual no homem; dispensa a intervenção de fatores externos de terceiros, como ocorre na encarnação, que depende, no plano físico, da cooperação dos corpos dos progenitores. O renascimento pelo espírito é obra eminente e exclusivamente individual – ao passo que a reencarnação só é possível por obra dos progenitores. Esta reencarnação pode ser um fato histórico, objetivamente real – mas o renascimento pelo espírito representa um valor humano, subjetivamente realizado. A reencarnação está no plano horizontal das quantidades externas, que pode acontecer ao homem, mas o renascimento espiritual está no plano vertical das qualidades internas, que deve ser realizada pelo homem.
A verdadeira evolução ou auto-realização, não é um fato que aconteça ao homem – mas é uma conquista que o homem realiza.
Texto revisado e acrescentado, retirado do livro O Espírito da Filosofia Oriental
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