O verdadeiro homem místico se torna um com o grande Todo e com cada parte desse Todo – um com Deus e um com qualquer creatura de Deus.
O homem profano,
quanto mais goza, tanto mais incapaz se torna de gozar, e, por fim, expira o
último resquício da sua capacidade de gozar – então, só lhe resta um inferno de
tédio, o manicômio ou o suicídio. O próprio gozo impossibilita o gozo – é esta
a maldição de todo o gozo profano.
O místico, porém,
graças à bendita disciplina da renúncia, abre infinitas portas para um gozo
intenso, puro e sem fim. Deus é um, como a luz incolor, mas as revelações de
Deus são sem conta nem medida, como as cores criadas pela luz, e cada novo
aspecto de Deus causa nova alegria ao homem místico.
O verdadeiro
místico exulta ao contemplar uma pedrinha, um inseto, uma ave, um peixe, uma
planta, uma gota de orvalho, porque vê a Realidade eterna através dessas
roupagens efêmeras, celebrando a sua liturgia cósmica em milhares de catedrais,
sobre inúmeros altares.
--- Ó! Folhinha de
capim! Como te agradeço porque existes! ...
--- Ó! Besourinho
verde-claro! Como sou feliz porque tu vives! ...
--- Ó! Nuvens do
céu! Como alegrais a minha existência! ...
--- Ó! Florzinha à
beira da estrada! Bendita sejas pelo bem que me fazes e o perfume que me
ofereces! ...
--- Ó! Ventos e
chuvas, relâmpagos e pirilampos, montanhas e mares! Que seria a minha vida sem
vós? ...
Recebei, todas
vós, a homenagem da minha gratidão, porque existis na minha existência! ...
Devido a essa
divina intimidade com a natureza, o místico é um homem amigo e aliado da
natureza e que usa as leis naturais com a mesma espontânea facilidade com que
um amigo usa os bens de outro amigo, porque existe entre eles uma comunhão.
O homem profano,
intelectualizado, não é amigo e aliado, mas inimigo e explorador da natureza; a
natureza não coopera com esse homem, como nenhum escravo colabora com seu
tirânico senhor; a natureza obedece ao homem a contragosto, intimamente
revoltada, em face dos monstruosos crimes que o homem “civilizado” comete contra
ela, dia a dia, a serviço de seu abominável egoísmo e ganância. O homem está
divorciado da natureza e a natureza vinga-se do homem explorador, não apenas em
forma de milhares de acidentes, mas também com uma legião de moléstias, físicas
e mentais, que ela desencadeia, em escala crescente, contra o seu impiedoso
usurpador.
Hubert Reeves,
astrofísico canadense e popularizador da ciência, diante da tirania humana
contra a natureza, forneceu um belo exemplo desse divórcio, quando afirmou que:
“O homem é a espécie mais insana. Venera um Deus invisível e vive
diariamente em conflitos com a natureza visível, sem ter a consciência de que
nessa mesma natureza que ele devasta e chacina, habita a essência do Deus
invisível que ele venera!”
Quem percebe a essência única nas muitas existências,
e nessas muitas existências, percebe a única essência, esse homem é um místico,
e a mística é a encarnação do eterno Logos e ressurreição da matéria efêmera,
eternizada. Assim é o homem Universal, e quanto mais esse homem penetra
na natureza, mais ele está no íntimo do Creador.
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