Wednesday 30 June 2021

ALEGRIA!

“Dou-vos a minha paz, para que minha alegria esteja em vós, e ninguém mais tire de vós a vossa alegria.” 

Esta foi a mensagem da paz e da alegria de um homem que se se encontrava a poucas horas de enfrentar a maior humilhação através da mais dolorosa das mortes.

Quase todos os cristãos do mundo estão habituados a ler e ouvir que o Cristianismo é a religião da cruz e do sofrimento, por ser a mensagem da renúncia e do sacrifício. E, como o mais profundo e veemente brado da natureza humana e de todo o ser, é o anseio de vida abundante e perfeita alegria, poucos homens estão dispostos a abraçar a alma do Cristianismo em toda a sua plenitude, contentando-se apenas com certas práticas externas. Para esses cristãos, Cristianismo e alegria são dois polos opostos, eternamente incompatíveis, como treva e luz. Sofrimento e sacrifício lhes parecem coisas ante vitais, profundamente negativas em si mesmas, visto que a vida é essencialmente uma afirmação.

E, no entanto, Jesus afirma que a sua mensagem à humanidade é essencialmente uma mensagem de paz e perfeita alegria, e com isso, o homem enfrenta um difícil mistério, chegando a duvidar seriamente na verdade sobre o que a vasta maioria humana, entende por Cristianismo.

Enquanto o homem profano não descobrir a luz da alegria através das trevas do sofrimento, não está garantido o seu Cristianismo. Tudo o que é difícil e sacrificado é, por sua íntima natureza, precário e incerto – somente o que é fácil, leve e dá prazer é que tem garantia de perpetuidade para o homem desavisado.

O Cristianismo é, essencialmente, uma mensagem de perfeita alegria, mesmo na vida presente, por ser uma alegria baseada na paz. Onde não há paz profunda e sólida, alicerçada na verdade, não pode haver alegria perfeita e duradoura. Alegria não pode, em hipótese alguma, ser um produto da ilusão, mesmo que fosse a mais bela das ilusões.

A alegria do homem profano é algo meramente externa, periférica, porque é motivada por objetos ou acontecimentos de fora, e pode, por isto mesmo, converter-se rapidamente em tristeza e desespero. Só uma alegria vinda de dentro do homem, oriunda da verdade da sua íntima natureza, é que é sólida e indestrutível.

Se o homem não está harmonizado com Deus, não está harmonizado consigo mesmo, não tendo paz, sendo impossível haver verdadeira alegria, pois ela supõe paz e harmonia. Um único grau de alegria nascida da paz interna, vale mil vezes mais que cem graus de alegrias geradas artificialmente por circunstâncias externas.

A pseudo alegria externa, originada de circunstâncias independentes do homem, pode ser tirada dele, porque depende de algo que não depende dele. Essa alegria não é, propriamente, dele, não nasceu dele, mas foi a ele acrescentada inesperada e casualmente, e pode ser destruída pelas circunstâncias externas.

Há uma alegria que não passou pelo sofrimento – é a dos profanos, incerta, mundana, variável, relativa, fragmentada.

Há um sofrimento que não conhece alegria – é a de certos homens que se entregam a práticas espirituais, vivendo vida contemplativa com mortificação dos sentidos, lúgubres, pessimistas, sadistas.

E há uma alegria que nasceu do sofrimento, de longa duração e profundamente compreendido – é a alegria dos homens crísticos, que tiveram que sofrer para entrar em sua glória.

Mas é precisamente aqui, que reside o grande mistério, cuja compreensão é um dom espiritual dos poucos iniciados que a humanidade conhece. Esta alegria crística é algo leve e luminosa, pura, encantadora, pois é um eco dos mundos de Deus e dos seus anjos. Quando este tipo de alegria começa a transparecer de um homem, através das suas palavras, dos seus gestos, dos seus atos, dos seus olhos, e, sobretudo, através da sua vida, o mundo inteiro parece ser outro, e a sua alma canta um hino por ter encontrado esse defensor da eterna Divindade.

Uma vez que o homem saboreou essa felicidade que nasceu do sofrimento redentor, a sua alegria é perfeita, e nunca mais ninguém lhe pode tirar essa alegria, porque ela é o reflexo e a melodia do seu próprio ser. Esse homem venceu o mundo, entrou em sua glória, está definitivamente remido de todas os pecados. Esse homem atingiu um ponto de apoio, fixo, para além de todas as vicissitudes das circunstâncias externas da natureza e da humanidade. E quem encontrou o seu centro fixo, domina com facilidade e leveza todas as periferias flutuantes e movediças do mundo externo. No meio de um mundo de ruídos profanos, ele habita no íntimo do seu grande silêncio. E esse silêncio é força e firmeza, paz e felicidade.

Não há dúvida de que vigora uma relação de estreita afinidade entre sofrimento e redenção, suposto que o sofrimento não tenha feito o homem descer ao abismo negativo da amargura e do desespero, mas o feito subir ao auge positivo da paz e da alegria.

Alegria que nasce do sofrimento é redenção.

É este o mais profundo mistério do Cristo Redentor, que nunca foi explicado por nenhuma teologia; é a última fronteira que o homem pode alcançar, aqui na terra, e talvez, em todos os outros mundos da sua evolução.

cruz telúrica do Calvário tem a haste inferior mais comprida, porque ainda está presa à terra – como o sofrimento doloroso.

cruz cósmica da transfiguração no Tabor tem todas as quatro pontas iguais, porque flutua livremente no espaço – como a alegria que nasceu do sofrimento.

A alegria parece ter algo de profano e impuro, e por isto certas pessoas que se entregam a práticas espirituais, levando vida contemplativa com mortificação dos sentidos, a detestam, mas, quando a alegria passa pelo fogo do sofrimento, perde todas as impurezas se tornando inteiramente sacra, como a luz da Divindade.

Uma vez que o homem entrou nessa zona da alegria espiritual, resultado do sofrimento redentor, todas as coisas da sua vida material passam por uma metamorfose inexplicável. Há uma purificação e iluminação geral em todos os setores da sua vida.

Em primeiro lugar, esse homem não necessita mais de impulsos externos para ser alegre e feliz, uma vez que possui, dentro de si mesmo, a fonte perene de alegria e felicidade.

Em segundo lugar, as coisas mais insignificantes e ingênuas do mundo externo lhe são motivo de alegria pura, profunda e intensa. Uma flor à beira da estrada, o zumbir de um inseto, o cântico de um pássaro, o sorriso de uma criança, o sussurro do vento na ramagem, as areias brancas duma praia, uma palavra amiga, o bater de um sino ao longe, o brilho de uma estrela – tudo atua sobre ele como suave carícia, tudo lhe traz fragrâncias do Infinito, tudo é para ele uma mensagem do poder e do amor de Deus.

“Eu vos dou a minha paz, para que a minha alegria esteja em vós, e seja perfeita a vossa alegria, e ninguém mais a tire de vós a vossa alegria” – palavras como estas só podem ser compreendidas, em toda a sua intensidade, somente pelo homem que descobriu o mistério da alegria através do sofrimento.

Só esse homem, plenamente realizado, é que pode ser um redentor para outros que necessitem de redenção.

Texto revisado, extraído do livro O Triunfo da Vida sobre a Morte

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