Tuesday 29 June 2021

AS IGREJAS

As numerosas igrejas e seitas cristãs do mundo afirmam que foram fundadas por Jesus; entretanto, ele não fundou nenhuma igreja. Todas as igrejas são de fundação humana, e, assim sendo, tem a sua finalidade pedagógica e educativa.

Jesus proclamou o "Reino de Deus," que não é uma organização externa, visível, de caráter jurídico, porque "o reino de Deus está dentro de Vós". O reino de Deus é uma experiência divina dentro da alma humana, experiência que se revela como verdade, santidade, amor, caridade, pureza, benevolência, alegria espiritual.

A palavra "igreja" é derivada do termo grego ekklesia, que vem de ekkaléo (ek = fora, kaléo = chamar, "chamar para fora," ou evocar, selecionar do meio de uma grande massa). A igreja representa, então, uma elite selecionada do meio de uma massa profana, o pequeno rebanho de que Jesus fala aos seus discípulos; são os poucos escolhidos.

O que determina a participação na igreja ou no reino de Deus, não é uma determinada cerimonia ritual (batismo), nem a aceitação desta ou daquela forma de credo, mas é o "renascimento pelo espírito."

Se Jesus tivesse fundado uma igreja no sentido teológico da palavra, uma organização eclesiástica de caráter jurídico-burocrático, como são as igrejas, ele não seria o Cristo ao qual "foi dado todo o poder no céu e na terra"; não seria o "Filho Unigênito de Deus," porque semelhante iniciativa teria empobrecido o seu caráter. Neste caso, ele seria, quando muito, um inteligente sociólogo e hábil codificador de preceitos e proibições, como Tomás de Aquino ou Gregório VII. Atribuir a Jesus qualquer Teologia Dogmática, Teologia Moral ou Código Eclesiástico, seria revoltante blasfêmia. Nenhum gênio cósmico de experiência divina se degrada ao ponto de organizar uma sociedade ou escrever um livro para garantir a perpetuação das suas doutrinas, porque tem ilimitada confiança na omnipotência e imortalidade da Verdade em si mesma, sem suporte e auxílios externos. "Eu vos enviarei o espírito da verdade, e ele vos introduzirá em toda a verdade e vos lembrará tudo quanto vos tenho dito, porque tomará do que é meu e os anunciará" - esta sim, é a linguagem do gênio cósmico que baseia a eternidade da sua doutrina na presença e atuação infalível do espírito da Verdade, que não depende de nenhuma organização eclesiástica.

Nem a hierarquia eclesiástica nem a existência da Bíblia são o fundamento do Cristianismo; mas é a atuação invisível do "Espírito da Verdade" através dos séculos e milênios; e essa presença e atividade do espírito de Deus não dependem de nenhuma organização nem de um livro. "O espírito sopra onde quer." "Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" - esta indefectível presença do espírito do Cristo é que é a garantia única da perpetuidade e infalibilidade da igreja.

As igrejas, sendo uma iniciativa humana, são relativamente necessárias, diante da imperfeição da humanidade, que necessita ainda de muletas e escoras externas para sua evolução espiritual, pois prova que falta a essa humanidade suficiente firmeza interna. Se os homens tivessem segurança interna não necessitariam dessa segurança externa. Neste sentido, as igrejas cumprem o seu papel pedagógico – assim como uma mãe cumpre a sua missão guiando pela mão um filho incapaz de andar por si só.

O mal não está na existência de igrejas, que são relativamente necessárias enquanto a humanidade não estiver devidamente cristificada e com perfeita autonomia espiritual; o mal está em que essas igrejas se digam fundadas por Jesus, e muitas delas não permitirem a seus filhos ultrapassarem os limites dos dogmas por elas traçados como sendo revelação de Deus. Assim como o dia mais glorioso para o educador ou o mestre, é aquele em que ele se tornar supérfluo e dispensável, por ter levado seu educando à perfeita autonomia ético-espiritual – e dessa maneira, a igreja também terá cumprido integralmente a sua tarefa no dia e na hora em que ela se tornar supérflua, por ter conduzido as almas a Deus.

Infelizmente, as igrejas fazem da sua missão pedagógica uma profissão lucrativa para a classe privilegiada de seus ministros, servindo-se de palavras sagradas para cercarem de prestígio político-social seus membros e promoverem a sua prosperidade econômico-financeira, mantendo o povo na ignorância das grandes revelações de Deus, pois eles sabem que o homem conhecedor do espírito do Cristo passará, um dia, da sujeição imposta pela teologia eclesiástica para a autonomia espiritual.

A igreja deve ser educadora do povo – mas não intermediária entre o homem e Deus, fazendo depender da sua atuação ou não, o efeito da redenção do Cristo no homem, ou da sua frustração. O efeito dessa redenção é independente da presença ou ausência de um ministro eclesiástico, embora este ministro possa auxiliar a aplainar os caminhos que levam a essa redenção, suposto, naturalmente, que ele mesmo seja um verdadeiro remido.

‘A religião da humanidade do futuro, será a mística!’, isto é, o autoconhecimento e a auto-realização - escreveu o grande iniciado Sarvepalli Radhakrishnan (1888-1975), antigo homem de estado da Índia.

Texto revisado, extraído do livro Orientando para a Auto-Realização

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