Thursday 4 February 2021

A ALVORADA DA FILOSOFIA CÓSMICA E O SURGIMENTO DO HOMEM CÓSMICO

Explicação Necessária:

O texto a seguir foi retirado do livro Setas para o Infinito – edição em português somente – livro esse, provavelmente escrito nos princípios de 1960, onde o autor, Huberto Rohden (1893-1981), filósofo, educador e teólogo brasileiro faz um convite aos homens sensíveis e pensantes, ou para aqueles que buscam o verdadeiro significado da vida e de seu propósito, para um voo através da epopeia do Universo e do drama humano; um convite para uma definitiva libertação interior pela disciplina mental e pela sabedoria espiritual.

O homem comum, vivendo as profanidades da vida, de ego tirânico exacerbado, só tem a habilidade de pensar em níveis concretos; o seu pensar está sempre objetivado a objetos sensoriais, às materialidades que tanto o fascinam.

São como setas apontando em todas as direções e que o deixam inebriado sem saber qual seguir; via de regra, ele perambula por toda parte, devido ao caos em que vive. Com isso, o homem deixa de pensar com a razão lógica correta, sem seguir a direção indicada pela seta de sua consciência.

Segundo Rohden, as setas que o homem encontra durante sua peregrinação, tem dupla função: a de serem devidamente observadas e de serem corajosamente abandonadas. A seta indica a direção a seguir, e que deve ser continuada, ultrapassada, e não permitir que o viajor fique estagnado no meio do caminho. Estagnação que não o leva a nenhum lugar. No entanto, as setas para o infinito, indicam o caminho certo do auto conhecimento e subsequente autorrealização.

E conclui, para que o homem “... tenha o bom senso de abandonar as setas colocadas à beira do caminho, pois quem se agarra a elas, falha em sua finalidade, que é ser transcendente e não imanente; não é um espelho refletor, mas uma janela aberta que dá visão para horizontes mais amplos. A missão da seta ultrapassa a sua ideia indicadora presente e se realiza em um desejo ausente, que é a meta, indicando o infinito caminho do destino humano”.

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A Filosofia Cósmica, é a filosofia segundo o Universo, ou Cosmos. Ela não trata apenas da amplitude extensiva da Filosofia Universal, mas da profundidade intensiva que caracteriza o próprio Universo. Não toma por referência nenhum filósofo ou escola de pensamento, mas reflete a própria índole da Constituição do Universo, na síntese do próprio Cosmos, isto é, a mais intensa unidade na mais extensa diversidade – o Universo em toda a sua genuinidade e integridade.

O Universo Integral – como causa e efeito, como essência e existência, como alma e corpo, como fonte e canais – é o único modelo válido para o pensamento e a vida do homem. O homem integral e perfeito, é modelado à imagem e semelhança do Cosmos, Uno em sua essência e múltiplo em suas existências. 

O Uno é o Infinito, Deus – os múltiplos são os finitos, as creaturas. 

Nem o Uno e nem os finitos, quando tomados separadamente, formam o grande Todo do Universo; somente o Uno e os múltiplos finitos – a fonte e os canais – quando tomados conjuntamente, é que completam o Universo em toda a sua genuinidade e integridade. O Infinito da essência se revela sem cessar nos finitos da existência. A transcendência do Deus do mundo aparece na imanência dos mundos de Deus. O Universo é a essência da existência, causa-efeito, alma-corpo, ser-agir, Infinito-finito, eterno-temporário, não manifestado-manifestado, absoluto-relativo.

O homem, esse microcosmo, que é reflexo do macrocosmo, não pode atingir diretamente a transcendência do Uno-Infinito – mas pode atingir a imanência dos múltiplos-finitos de Deus, que se revela em todas as coisas do mundo. Deus é a Divindade em sua imanência finita, que é a existência da causa na própria causa – a Divindade é Deus em sua transcendência infinita que é a sua sublimidade. A Divindade, por assim dizer, se torna finita em Deus. A Divindade “é” – Deus “existe”. Ninguém pode conhecer a Divindade – só pode conhecer o que existe.

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A palavra grega “kósmos” quer dizer belo.

A palavra latina “mundus”, sinônimo de Universo, quer dizer puro.  

O Universo é, pois, belo e puro, quando tomado em sua genuína totalidade.

Quanto mais o homem se assemelha ao kósmos, tanto mais belo e puro é ele. Quando o homem se distancia do kósmos ou mundus, deixa de ser belo e puro. O homem deve, portanto se tornar cósmico para ser integralmente ele mesmo, belo e puro.

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O homem profano é feio e impuro. Conhece apenas os efeitos, o corpo, a periferia do Universo, os finitos, e tudo o mais acessível aos sentidos e ao intelecto.

O homem místico avançou um grande passo; é pseudo belo e pseudo puro; refugiou-se em Deus, à alma, e nele se isolou. De tanto amor ao Uno (ao Infinito, Deus), odeia todas as diversidades (os finitos, as creaturas).  

O homem cósmico, cheio de luz e consciência, depois de se abismar totalmente no Infinito do Cosmos e nele se consolidar definitivamente pela experiência “eu e o Infinito (Pai) somos um”, realiza um movimento reversivo rumo às periferias, aos finitos, mas sem deixar o Infinito. Ele se ramifica através de todos os finitos do mundo, penetrando com sua intensa luz todas as trevas e penumbras das diversidades periféricas. E dentro da sua quietude, consegue dominar toda a agitação e ruídos periféricos do mundo ao seu redor.

Esse homem cósmico vive a causa de Deus em todos os efeitos múltiplos, faz transbordar a sua experiência mística em vivência ética, tornando Infinito, todas as finitudes, iluminando todas as trevas e penumbras, vivificando todos aqueles destinados a morrer.

Em virtude dessa sua experiência na centralidade em Deus, ele tem o poder de exprimir em forma concreta o grande Abstrato da Realidade Infinita; vê o transcendente do Infinito como imanente em todos os finitos; enxerga o Deus dos mundos nos mundos de Deus.

Por isto, o homem cósmico é ao mesmo tempo filósofo e artista, porque visualiza o Infinito em todos os finitos – que é próprio da vidência filosófica – e sabe revestir de forma finita, concreta e individual, o que não tem forma, o Abstrato Universal – que caracteriza a vivência artística.

Para ele, a Verdade da Filosofia se revela na Beleza da Poesia, se entendermos por “poesia” a arte em geral. (1)

Quando Mahatma Gandhi disse que “a verdade é dura como diamante e delicada como flor de pessegueiro”, ele teve a intuição do Universo e do homem como sendo a Verdade (dureza do diamante) revelado como a Beleza (delicadeza de flor de pessegueiro).

Toda vez que a Verdade culmina em Beleza, a filosofia nasce como poesia.

O pintor, o escultor, o músico, o poeta, o ético – são homens com a habilidade de dar forma concreta à Realidade abstrata. A intuição da Realidade universal é própria de todos os filósofos – mas a expressão em forma concreta é peculiar aos artistas. O homem cósmico é necessariamente um filósofo-artista, um homem integral.

O pintor usa, como meio de expressão da sua inspiração, tinta e tela.

O escultor se serve de um bloco de mármore, granito ou outros materiais, ou modela o seu ideal em qualquer massa maleável.

O músico revela a sua visão abstrata na vibração concreta de ondas sonoras.

O poeta concretiza a substância mental do universo em formas de palavras estéticas.

O homem cósmico revela a sua intuição divina em atos de ética humana, fazendo transbordar a plenitude do “primeiro mandamento” nas torrentes benéficas do “segundo mandamento”, fazendo o bem aos outros por ser bom ele mesmo.

Todos eles são seres que conseguem materializar a Verdade Universal na Beleza Individual, pois o consórcio da Verdade e da Beleza, do saber e do agir, os fazem viver toda a plenitude da vida, “cheios de graça e de verdade”.

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Se faz necessário hoje, construir a filosofia sobre esse fundamento cósmico, livre da mentalidade ainda estreita de pessoas e de escolas, fazendo da filosofia, um reflexo e eco do próprio Universo.

Os métodos que visam esse ideal, são, por vezes, complicados e laboriosos – mas a meta é simples e gloriosa.

A verdadeira filosofia visa a dar ao homem plena autonomia e autocracia, em todos os setores da vida. Procura isentá-lo de todas as sujeições, necessidades, poder absoluto e paixões, as quais, por algum tempo, são indispensáveis como muletas provisórias, mas que serão abolidas quando o homem convalescer das fraquezas do seu ego telúrico e atingir a plenitude do seu Eu cósmico.

Esse Eu cósmico não é algum elemento estranho, alheio à natureza do homem, mas é o seu reduto central, o seu íntimo ser, o seu genuíno e autêntico EU SOU. O que o homem conhece, ou julga conhecer, conscientemente – o seu ego físico-mental-emocional, a sua persona ou máscara – são apenas as periferias externas da sua natureza; o seu centro interno permanece, ainda desconhecido ou suspeitado, nas profundezas do seu inconsciente, que é o Infinito, o Absoluto.

Quando esse inconsciente do Eu despertar e se interpor entre todos os setores do ego consciente, integrando-os no seu domínio, então nasce o homem Cósmico, que está para o homem Telúrico assim como a planta em plena evolução está para a semente de que brotou.

O homem Cósmico é explicitamente o que o homem Telúrico é implicitamente.

A semente, para dar origem à planta, morre como semente – mas não morre como vida - e, para que a vida em potencial possa brotar em vida dinâmica, a pequenez da semente deve ceder à grandeza da planta.

Toda iniciação, toda autorrealização, supõe algo parecido com uma destruição, uma morte, uma extinção, um aniquilamento. O homem que não está disposto a morrer espontaneamente, não pode viver gloriosamente. Nesse querer-morrer espontâneo está todo o segredo do poder-viver plenamente. Morrer, ou antes, ser morto compulsoriamente – por um acidente, uma doença ou pela velhice, não resolve o problema; é necessário que o homem esteja disposto a morrer espontaneamente antes de ser morto compulsoriamente. Morrer de uma maneira relativa – para poder viver com intensidade. Só assim o homem se realiza plenamente, e para sempre.

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1)- A palavra latina “poesis”, poesia, é derivada do verbo grego “poiéo”, que quer dizer “fazer”, “agir”. Portanto, essa palavra, em sua interpretação cientifica, origem e formação, significa “feito”, “ação”. Poesia e arte significam a concretização individual de uma visão universal, isto é, a beleza como manifestação concreta da verdade abstrata, que é a poesia da filosofia, ou seja: filosofia da arte.

Texto revisado extraído do livro Setas para o Infinito


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