Quase todas as parábolas de Jesus, giram em torno da ideia do “Reino de Deus” ou “Reino dos Céus”, e como esse Reino está dentro do homem, ele deve consistir numa hierarquia de valores e de fatos que integram a natureza humana.
O reino é um conceito orgânico, que lembra hierarquia. Num reino há superior e súditos, alguém que orienta e os que seguem sua orientação. O Reino de Deus no homem é o Eu divino da sua alma que governa o ego humano da sua mente, das suas emoções e do seu corpo.
Esse Reino de Deus existe em todo homem; mas na maioria, em estado dormente, potencial, embrionário; compete, portanto, ao homem despertar, dinamizar, desenvolver esse reino, que Jesus chama a “luz sob o alqueire”, o “tesouro oculto”, a “pérola preciosa”.
Há no Evangelho algumas dezenas de parábolas que visam esse Reino dos Céus que o homem deve desenvolver dentro de si e o colocar a serviço da sua própria vida e à dos seus semelhantes.
Quem nos conta essas parábolas, já havia realizado plenamente esse Reino de Deus em si mesmo.
Mas, aos seus ouvintes inexperientes, ele não podia dizer o que, na realidade, era esse Reino; só lhes podia indicar, através de comparações e analogias, a que era semelhante esse Reino. O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda … a um fermento … a uma rede de pescar … a uma festa nupcial … a dez virgens … a uma pérola preciosa, etc.
Já aos 12 anos de idade, Jesus já vislumbrava uma indicação desse Reino divino, quando, por ocasião da Páscoa – festa comemorativa do Êxodo do Egito, isto é, da independência nacional de Israel – Jesus ficou 3 dias em silêncio no templo; e, quando sua mãe lhe perguntou pelo motivo desse isolamento, respondeu: “Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas que são de meu Pai?” referindo-se à vivência do Reino de Deus em sua alma. Depois foi com seus pais a Nazaré, onde passou 18 anos, até à idade de 30, e, segundo o Evangelho, “foi crescendo em sabedoria e graça perante Deus e os homens”.
Muitos livros foram escritos sobre esses 18 anos, que os Evangelhos resumem na única frase citada no parágrafo anterior. Alguns escritores inventaram viagens do adolescente para o Egito, Índia, e Tibet. Mas os seus conterrâneos de Nazaré nada sabem dessa suposta ausência do jovem carpinteiro. Se tivesse estado ausente durante quase dois decênios, os nazarenos teriam tido uma explicação plausível para a grande sabedoria que o jovem profeta revela aos 30 anos.
E, contudo, Jesus fez viagens infinitamente mais longínquas do que ao Egito, à Índia e ao Tibete – viajou através das “muitas moradas que há na casa do Pai Celeste”, percorreu as desconhecidas amplitudes dos Reinos de Deus, não fisicamente, mas em espírito e em verdade.
Podemos imaginar o jovem carpinteiro, depois dos labores diurnos, subir os montes escarpados que se erguem por detrás da cidadezinha de Nazaré, sentar-se num dos penhascos, com o rosto voltado para o ocidente, onde o sol mergulhava nas águas azuis do Mediterrâneo … Lá, ele ficava horas e horas em meditação, enquanto sua alma contemplativa mergulhava nas maravilhas do Universo, não apenas do Universo material, mas sobretudo do Universo espiritual, em sintonização cósmica com o Infinito, que só os cosmo-videntes experienciam …
Altas horas da noite, as vezes só pela madrugada, descia o jovem dos montes de Nazaré e voltava para casa. E, enquanto descia, envolto ainda no invisível halo do Reino de Deus, que contemplara, dizia ele a si mesmo: “Como vou falar ao povo dessas maravilhas? … Como fazer-lhe compreender o que é o Reino dos Céus? …” Só balbuciando comparações, alegorias, parábolas primitivas … O Reino dos Céus é semelhante a isto, é semelhante àquilo …
Aos 30 anos, deixou a modesta carpintaria, despediu-se de sua mãe e desceu das alturas da Galileia. Dirigiu-se rumo sul, à Judéia, a fim de se encontrar com seu primo João, que proclamava o Reino de Deus às margens do Jordão.
Mas, antes de fazer transbordar umas gotas da sua plenitude interior para o povo ignorante, Jesus se retirou mais uma vez por 40 dias, ao silêncio do deserto, revivendo as suas experiências de Nazaré sobre o Reino dos Céus.
Só depois dessas profundas experiências é que ele resolveu falar ao povo sobre o que ele vivera e saboreara interiormente, e dessa experiência direta do Reino de Deus, brotaram as parábolas.
“A vós – diz ele a seus discípulos – vos é dado compreender os mistérios do Reino de Deus, mas ao povo só lhe falo em parábolas.”
Nenhuma das parábolas de Jesus, foi pesquisada, investigada por ele mesmo; todas foram vividas por ele – e só podem ser compreendidas por nós quando plenamente vividas.
Toda parábola, que é uma narração alegórica ou comparativa que envolve algum preceito de moral, alguma verdade importante, consta de dois elementos: o símbolo material e o simbolizado espiritual.
O símbolo material, tirado da natureza ou da sociedade humana, é compreensível a todos; mas a compreensão do simbolizado espiritual depende do estado de evolução de cada um. Quem tem 10 graus de evolução espiritual interpreta a parábola como sendo 10; quem tem 50 graus compreende-a no nível 50; quem tem 100 graus de evolução compreende a parábola no grau 100. Devido a essa ilimitada elasticidade do simbolizado espiritual da parábola, esse modo de ensinar se presta para toda e qualquer classe de homens. Por outro lado, porém, não é possível dar uma explicação definitiva e universalmente válida das parábolas; a sua relatividade admite inúmeras interpretações, proporcionais ao estado de evolução espiritual de cada ouvinte ou leitor.
As parábolas não visam uma certa moralidade de agir, mas, acima de tudo, a consciência do Ser. Quando o homem se limita a certa vivência do agir moral, mas não atinge a realidade do seu Ser metafísico e místico, ele corre o perigo de marcar passo na zona superficial de um moralismo convencional, sem atingir a consciência da realidade. Elas nos convidam a um profundo conhecimento metafísico e místico, cujo transbordamento espontâneo se revelará infalivelmente em auto-realização ética. A experiência da mística do “primeiro e maior de todos os mandamentos” se manifestará na vivência da ética do segundo mandamento.
Texto revisado extraído do livro Sabedoria das Parábolas
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