Friday 26 February 2021

O DEUS QUE TODOS NÓS TEMEMOS

Eu acredito que a educação religiosa que quase todas as crianças recebem, cria um sentimento de estranha revolta e até mesmo vingança, pois o Deus que a elas é apresentado, é um Deus maldoso, que castiga, e não um Deus de amor.

Sim, porque quando eu era um pequeno menino, alguém me disse que eu deveria temer a Deus, pois todo o homem temente a Deus é um santo. Eu pensava então que Deus era um bicho-papão perigoso e que devia ser temido.

O que me fez compreender melhor, depois de adulto, o que aconteceu com Voltaire, o pai do ateísmo, que, quando perguntado por que ele não aceitou a Deus, assim respondeu: “Não posso aceitar um Deus que eu não posso amar; o Deus que me foi apresentado deve ser temido, e como eu não posso ter medo dele, eu prefiro ignora-lo...”

Voltando aos meus tempos de infância, me lembro bem quando uma professora piedosa e sentimental estava me preparando para a minha primeira comunhão. Ela disse que eu não deveria ocultar nenhum pecado durante a confissão, porque era um sacrilégio, mas como eu não sabia o que era um sacrilégio, e, por ser uma palavra tão feia e esquisita, só poderia significar coisa ruim. E, para não cometer esse tal de sacrilégio, eu copiava do catecismo, todos os pecados contra os Dez Mandamentos, dos quais, para mim, muitos eram mortais! Bem... pecado mortal em tão pouca idade, cria um monte de confusões numa cabecinha despreparada. No momento da confissão, eu li toda a lista, incluindo os meus assassinatos e adultérios. Mas o padre confessor, vendo um menino através das grades do confessionário, não me levou muito a sério e me absolveu.

Depois, veio o tormento da primeira comunhão. A professora, sempre muito piedosa e sentimental, me alertava insistentemente e com firmeza, que eu não podia mastigar a sagrada hóstia, que era o corpo de Jesus. A única maneira era de engolir sem deixar a hóstia tocar nos dentes. Por medida de segurança adicional contra os tais possíveis sacrilégios, eu cortei, em casa, uma série de pequenas hóstias feitas com papel e as engolia uma a uma, sem morder ou tocar os dentes.

Como Voltaire, na minha infância, eu só conheci um Deus e um Cristo que deviam ser temidos, mas eu não lembro se cheguei a odiar secretamente esses bichos-papões do além...

Na infância, a percepção ainda é dos sentidos, inclusive pelo que se observa das circunstâncias externas, tanto positivas como negativas. E estar na frente do confessor, não pode deixar de ser uma violência para a sensibilidade de uma criança. Depois, mais tarde, vem a concepção intelectiva, onde muitos fogem dessas coisas do além, para mergulhar nas coisas do aquém. Mas quando, invariavelmente, desponta dentro do além íntimo de cada um, a visão intuitiva, onde os fenômenos percebidos pelos sentidos como desconexos e concebidos pelo intelecto como ligados entre si por causalidades individuais, são intuídos pela visão cósmica como regidos por uma Causa Central e única, é que desperta a real ideia de Deus e seu reino.

A única entrada legítima no reino de Deus e do conhecimento dessa dimensão, é pela porta da frente, isto é, pelo espírito de Deus, que é amor. É esse o “renascimento pelo espírito”, que confere ao homem um novo “ser”, ou seja, uma “vida” nova. O mais profano dos homens pode praticar certas técnicas físico-mentais; pode inclusive atingir o nível misterioso de uma estupenda força mágica, a ponto de deslumbrar os inexperientes e incautos. Pode o “príncipe das trevas” transformar-se em “anjo de luz”, sem por isso deixar de ser o que é intrinsecamente; porquanto ninguém é internamente transformado pelo que faz externamente, mas unicamente pelo que é internamente. O profano não deixa de ser profano pelo fato de se revestir externamente do invólucro do iniciado; a única coisa que o pode redimir da sua profanidade é a definitiva e radical abolição do seu egoísmo, e a aceitação real de um amor universal.

E assim é Deus, Amor Universal, que na intuição de Yogananda segundo a passagem da Bhagavad Gita XI, 12: “Se no firmamento se visse, de repente, a explosão de mil sóis, inundando a terra com inacreditável radiação, talvez então, fosse imaginável o esplendor e a majestade de Deus!”

Hoje, nos tempos do inverno de minha existência, essas ideologias das primaveras em flor ainda vicejam... e tarda em desabrochar uma nova mentalidade, de retirar das prateleiras os antigos, fedorentos e poeirentos manuais de catecismo, deposita-los em museus e evolucionar, e tomar a sério a ideia de Deus.

Texto revisado e em parte extraído da autobiografia de Huberto Rohden, Por Um Ideal. 

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