Schopenhauer disse que o desejo fundamental do homem é a “vontade de viver”; Nietsche afirmou que o mais profundo anseio do homem é a “vontade de dominar.”
Schopenhauer disse meia verdade – Nietzsche enunciou uma verdade total, embora talvez num sentido unilateral. O certo é que nenhum ser – e o homem menos ainda – se satisfaz com o simples fato de viver, de existir apenas no nível horizontal, e continuar a viver onde está. Quanto mais consciente de si é um ser, tanto mais se transforma o seu desejo de viver apenas nesse nível horizontal, indo na busca do nível ascensional, de viver poderosamente, porque poder é felicidade, satisfação pessoal, e a plenitude do poder é a plenitude da felicidade. Em última análise, a felicidade plena consiste fundamentalmente num senso de poder, que dê segurança e liberdade, sem as quais nenhuma felicidade verdadeira é possível. Quem vive poderosamente é feliz. Felicidade é vida abundante. E essa vida abundante é impossível na fraqueza; exige poder, determinação, iniciativa, força de vontade.
Entre o nível horizontal do simples viver e o nível vertical do viver poderosamente, são possíveis inúmeros níveis ascensionais, de maior ou menor grau de distanciamento da horizontal e aproximação da vertical.
Um verme no fundo da terra, comendo húmus a vida inteira, deve viver bastante satisfeito, porque as suas potencialidades rumo à vertical são mínimas, uma vez que a sua consciência se acha num mínimo grau de autonomia. Não sabemos até onde vai a “vontade de dominar” de um verme.
No entanto, uma águia ou um leão revelam uma “vontade de dominar” notavelmente superior, porque vivem mais abundantemente, e seus graus de felicidade devem ser muito maiores que o de um verme.
Está na íntima natureza do homem viver abundantemente. “Eu vim para que os homens tenham a vida – disse Jesus – e que a tenham na maior abundância.”
Todo homem tem o veemente desejo de se realizar plenamente – mesmo que dormente, isto é, de dinamizar as suas potencialidades; o anseio de ser explicitamente aquilo que ele já é implicitamente, de ultrapassar o nível evolutivo em que hoje se acha e subir a um nível superior - mais sentido e intuído do que propriamente conhecedor e compreendido pelo raciocínio objetivo. Quanto mais consciente de si se torna o homem, mais ele reconhece que sua existência compreende numerosas etapas evolutivas, que ele tem que passar por muitas metamorfoses, nascimentos, vidas e mortes – assim como uma lagarta, depois de nascer do ovo, sabe biologicamente que terá de morrer como lagarta, renascer como crisálida, e depois morrer como crisálida e renascer de novo como borboleta; sabe que a sua epopeia vital é uma sucessão de luzes e trevas, de expansão e contração, de atividade e passividade, de vigílias e dormências – rumo a uma meta que a consciência individual da lagarta ignora, mas que a consciência universal do Cosmos conhece desde o princípio dessa cadeia evolutiva.
Todos os seres não humanos, não vivem propriamente falando, mas são vividos pela grande consciência cósmica da vida, subordinados à inteligência determinada por essa potência; têm vida, mas falta-lhes a vivência; não possuem autocracia vital, pois toda a sua vida é determinada por circunstâncias externas a eles; não se governam, mas são governados pelo impacto da grande Vida e Inteligência Universal do Cosmos. E por isto também não são responsáveis por seus atos – o responsável é o próprio Cosmos. Esses seres, não conhecem ética, nem para a direita nem para a esquerda, nem para o bem nem para o mal, porque ética supõe autocracia, autonomia.
Só com o advento do homem, é que se deu início ao fenômeno da autonomia do ego, e, portanto, a consciência ética, a possibilidade do bem e do mal.
O homem eticamente consciente sabe que ele é um viajor de regiões longínquas, um peregrino do Infinito; sabe que, por mais que tenha se distanciado do mundo dos não humanos - e aí se incluem os minerais e vegetais também - ele ainda se acha muito distante da meta final, da plena realização de todas as suas potencialidades latentes. É talvez possível que existam seres humanos que se achem no mesmo nível de evolução ascensional; uns realizaram 10 graus, outros 20, outros talvez 50 graus de despertamento das suas potências dormentes. Mas parece que até hoje, raríssimos homens atingiram a plenitude da sua perfeição, e por isto se chamam homens integrais, cósmicos, crísticos.
Se uma lagarta pudesse raciocinar como um humano, talvez teria medo de se enclausurar no misterioso invólucro da crisálida – que parece ser seu ataúde e que, no entanto, é ao mesmo tempo, o berço de uma nova vida como borboleta! Felizmente, a grande Inteligência Cósmica pensa pela lagarta, e assim a sua inteligência não teme a morte, porque uma voz de dentro lhe diz que este ocaso de hoje é o prelúdio da alvorada de amanhã.
Texto revisado, extraído do livro Ídolos ou Ideal?
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