O ser humano não necessita de eruditos para instruir seus educandos. O que ele necessita é de educadores de caráter que, com a sua própria vida e vivência ética, deem a seus educandos o exemplo da dignidade do homem, pois o verdadeiro sentido da educação é intensificar a consciência, e esse educador deve ter realizado em si os seus mais profundos valores humanos; só assim poderá servir de guia e mentor a outros, não tanto pelo que diz ou faz, mas sobretudo pelo que esse educador é.
Já se foi o tempo em que se dizia ingenuamente: "Abrir uma escola é fechar uma cadeia", e a experiência da realidade prova que os grandes malfeitores da humanidade não foram analfabetos, mas, sim, homens que não educaram a consciência. Muitos delinquentes em nossos dias, exibindo títulos universitários, estão à frente de governos em todos os sistemas políticos. Inclusive a vasta maioria dos políticos – também diplomados - estão mancomunados com seus partidos, com suas divisões, agindo como delinquentes mafiosos que buscam apenas satisfazer o apetite ganancioso de seus asseclas que estão em parlamentos espalhados pelo mundo, a serviço de um sistema cuja natureza é de delinquência.
O verdadeiro sentido da educação é intensificar a consciência, mas os governos não estão interessados nesse processo de conscientização. O interesse maior é na instrução.
Para que alguém seja um verdadeiro educador não basta estudar a psicologia periférica e superficial que vem exposta na maior parte dos livros sobre educação – é necessário que desça aos mais profundos abismos de seu próprio Eu, entrando em contato direto com o alicerce cósmico da sua natureza humana, daquilo que ele “é”, e consciente dessa sua realidade, caso contrário a humanidade vai continuar na retaguarda do processo educacional e continuamente enfrentando os dramas e dilemas de uma sociedade ignorante de si mesma.
Kurt Gauger (1899-1959), médico, psiquiatra e filósofo germânico, escreveu o livro “Daemon-Stadt”, que poderíamos traduzir como Estado Demoníaco, obra em que o autor, diante de abundantes fatos da época, estudou o alarmante problema da delinquência juvenil, e até infantil, na Alemanha e em outros países, no período que seguiu às duas guerras mundiais.
No livro, ele chegou à conclusão de que a presente geração, produto de gerações anteriores e herdeira de ideologias funestas, perdeu a noção da responsabilidade ética, porque perdeu a noção de ser parte integrante do grande TODO, seja o TODO imediato da humanidade, seja o TODO longínquo do Universo como tal. Entre outros assuntos, ele relata a entrevista com uma criança de 12 anos que mata seu pai com um tiro de revólver; interrogada pelo motivo do crime, responde cinicamente: “Matei porque quis”, dizendo não ter o menor remorso do seu ato porque toda pessoa tem o direito de fazer aquilo que acha interessante.
O homem que perde a visão de um TODO maior no Universo, do qual ele faz parte e que tem que respeitar, perde necessariamente a noção da ética, da obrigação, do dever moral, porque a noção da ética se baseia na consciência de que eu sou parte de um TODO, e que eu tenho certas obrigações naturais e inevitáveis para com o TODO, que tem direitos reais sobre mim.
Como se vê, o problema da criminalidade em todos os tempos afeta o problema da ética, que tem suas raízes no problema da metafísica, ou da questão da íntima natureza humana: “Que é o homem? De onde vem? Para onde vai? Por que está aqui?”. Portanto, não é possível dar base sólida à ética sem responder, satisfatoriamente, a essas perguntas fundamentais da vida.
No citado livro, ele reproduz a impressionante carta de um jovem delinquente condenado a 20 anos de reclusão que escreve uma espécie de exame de consciência para os “homens honestos” do mundo.
Diz o jovem ofensor:
“Por que vocês são homens fracos em fazer o bem, me deste o nome de homem forte em fazer o mal – e com isso condenam uma geração contra a qual vocês mesmos pecaram – porque vocês são fracos.
Pela minha pena de reclusão, concedi dois decênios para me fazer forte – forte no amor, forte na boa vontade – vocês, porém, me fizeram forte no mal, porque vocês são fracos no bem.
Não me indicaram nenhum caminho que tivesse sentido, porque vocês mesmos ignoram esse caminho e descuidaram de procura-lo – porque vocês são fracos. Vosso vacilante "não" assume atitude incerta diante das coisas proibidas; quando crianças, fruto de nossa ignorância, demos uns gritos – e vocês retiraram o vosso "não" e disseram "sim", a fim de poupar os seus nervos fracos. E a isto vocês chamam "amor".
Porque vocês são fracos, compraram de nós o vosso sossego. Quando éramos pequenos, nos davam dinheiro para irmos ao cinema ou para comprarmos sorvete; com isto vocês prestaram um serviço não a nós, mas à comodidade de vocês mesmos – porque vocês são fracos. Fracos no amor, fracos na paciência, fracos na esperança, fracos na fé.
Nós somos fortes no mal – mas as nossas almas têm apenas metade da vossa idade.
Nós nos rebelamos para que não tenhamos de chorar por todas aquelas coisas que deixastes de nos ensinar. Sabemos ler e contar; sabemos quantas pétalas há numa flor, sabemos como vivem as raposas e conhecemos as estruturas de uma planta – aprendemos a ter que calar a boca e ficar quietos nos bancos de escola – mas não nos ensinaram como enfrentar a vida.
Estamos até dispostos a crer em Deus, num Deus infinitamente forte que tudo compreendesse e de nós esperasse que fôssemos bons – mas não nos mostraram um só homem que fosse bom pelo fato de crer em Deus. Vocês ganharam muito dinheiro com serviços religiosos e murmuraram orações segundo a velha rotina.
--- Senhor Policial, deixa de lado seu armamento! Dize-nos antes o que nos interessa saber: é verdade que amas a ordem pública a que serves? Ou não será que amas acima de tudo o direito que tens ao teu salário e à tua aposentadoria?
--- Senhor Ministro da Educação! Mostra-nos se você é forte como homem! Quantas obras boas você pratica, como cristão, às ocultas?
Será que nós não somos as caricaturas da vossa existência toda feita de mentiras?
Nós, os delinquentes juvenis, somos desordeiros públicos e rebeldes – vocês, porém, lutam às ocultas, um contra os outros; se digladiam comercialmente e armam intrigas para conquistar posições mais rendosas.
Em vez de nos ameaçar com armas, nos coloque face a face com homens de verdade, que nos mostrem qual é o caminho certo, não com palavras, mas com a sua vida.
Mas vocês são fracos no bem! Os que são fortes no bem vão para a mata virgem e curam os negros da África – porque os fortes no bem desprezam os fracos no bem, porque vocês são fracos no bem – e nós somos fortes no mal. 1
Mamãe, vamos rezar! Porque esses homens fracos estão armados de pistolas!"
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1)- Referência feita à Albert Schweitzer.
Texto revisado, e em parte extraído do livro Novos Rumos para a Educação
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