Tuesday 9 February 2021

ANSEIO UNIVERSAL DE LIBERTAÇÃO

Essa ânsia por uma libertação redentora é provocada por uma consciência profunda de não redenção, por mais paradoxal que seja, pois ter que se afastar da zona de conforto do ego, é um tremendo desconforto. Parece que a função peculiar da inteligência é fazer o homem sentir que nenhum conforto material, por mais luxuoso que seja, pode liberta-lo desse doloroso senso de inquietude e insatisfação. Quanto mais o homem se afasta, pelo poder da inteligência, do seu centro humano, invadindo os espaços externos, tanto mais ele sente, consciente ou inconscientemente, a necessidade de voltar a si mesmo, pela conquista do espaço interno, pelo descobrimento do seu Eu verdadeiro. A progressiva fuga de seu Eu central produzida pelo ego intelectual exige uma correspondente força no sentido contrário e com a mesma intensidade, que só o Eu espiritual pode produzir. Quanto mais liberto o homem se julga pelo conforto material, tanto mais escravizado ele se sente pela falta de consciência do seu verdadeiro destino. E essa consciência de não redenção desperta na alma um crescente anseio de redenção.

A fim de diminuir essa consciência de vácuo e insatisfação, o homem profano procura toda a espécie de satisfações – mas ... satisfações não trazem satisfação! Bens materiais, prazeres sensuais, poder político, ciência, arte, diversões sociais, ou tudo o que a sociedade e cultura oferece, pode atuar como um anestésico artificial temporário, mas a raiz do mal continua, por mais que os sintomas da doença sejam camuflados.

Por isto, os mais sensatos dentre os seres humanos procuram ir além desse charlatanismo barato de cura de sintomas mórbidos, que tanto se anuncia nos meios sociais, e tentam sanar o mal pela raiz. As sociedades humanas dos últimos tempos estão repletas de grupos iniciáticos, místicos, esotéricos, espiritualistas, que prometem a seus adeptos definitiva quietação metafísica e plena integração do indivíduo nos mistérios do Cosmos. As classes menos favorecidas e os crentes radicais, por outro lado, se contentam com a prática de cerimônias rituais e sacramentais, sob a direção de seus respectivos guias.

O homem que passou por duas guerras de extermínio, pelos constantes conflitos armados espalhados pelo mundo e pelo caos em que se vive neste século XXI, não pode mais crer na força redentora da nossa cultura e civilização, como muitos otimistas do passado acreditavam. O homem de hoje perdeu a fé na ciência e técnica como fatores de libertação. Alguns temem até que a ciência vá ainda mais longe, e provoque a total aniquilação da raça humana.

Ciência, tecnologia, política, progresso, civilização, humanismo, ritualismo, nacionalismo, e outros pretensos remédios para curar os males morais e éticos, sofreram tremendo colapso; está provado que nada disto pode libertar o homem, porque tudo isto falhou e mergulha a humanidade num caos maior.

O homem nunca se sentiu tão frustrado e céptico de si mesmo como em nossos dias. O Lúcifer do nosso ego não pode nos redimir dos efeitos do nosso egoísmo. E a perspectiva de um caos maior e aterrorizante, apaga na alma do homem moderno a derradeira centelha de otimismo e de confiança em si mesmo.

No entanto, a humanidade anseia pela redenção. Esses dramas e dilemas históricos precisam de um final, e o homem reconhece que uma solução tem que ser dada.

Mas de onde virá o redentor?

De fora? Através de dogmas, ritos, teologias? Mas esses sempre provocam as guerras!

De dentro? Através da inteligência humana, do ego tirânico? Mas é precisamente isso que vem desgraciando o homem.

Não nos resta senão ultrapassarmos ritualismos e abordagens cientificas e descobrirmos em nós mesmos o “ponto de Arquimedes” em que se possa apoiar a alavanca redentora. Esse ponto de apoio não pode ser o nosso ego, mas tem que ser algo mais profundo e sólido.

O homem racional e espiritual se contenta cada vez menos com magia mental e técnicas rituais. Tampouco acredita em redenção vinda por fatores externos como em ego-redenção mental, mas sabe que há uma autorredenção espiritual, como aparece na Carta Magna do Sermão da Montanha.

Até ao fim da Idade Média, o homem vivia satisfeito com a sua crença ingênua em ritualismos eclesiásticos, que, segundo seus chefes espirituais, conferiam redenção automática e fácil. Discordar ou duvidar da eficiência redentora de dogmas e sacramentos era pecado mortal contra a fé e acarretava excomunhão na vida presente e eterna condenação depois da morte.

Com o advento do protestantismo, no século XVI, os ritos eclesiásticos, que eram monopólio do clero, foram substituídos pela fé no sangue redentor de Jesus, e a infalibilidade do Papa cedeu lugar à infalibilidade da Bíblia – o conceito da redenção por fatores externos assumiu um novo aspecto. Para que esse tipo de redenção exercesse impacto sobre a vida, o homem devia fechar os olhos e crer cegamente em sua eficácia.

Acontece que os homens racionais e espirituais de hoje, não querem crer de olhos fechados, mas saber de olhos abertos e não voltar atrás na espera da libertação por ritos externos, nem confiar na magia mental de certas técnicas.

Nem mesmo a perspectiva de uma futura reencarnação, em melhores condições, tranquiliza o homem de experiência espiritual mais profunda. Ele quer saber como possa ser liberto aqui e agora. Não crê que a morte lhe possa dar o que a vida não lhe deu. Uma voz íntima lhe diz que nem o nascer nem o morrer nem o viver ou sobreviver o pode redimir, mas que é necessária uma vivência mais abrangente, ou seja, além do que esses fatores lhe possam garantir. Mas estaria a sua redenção em uma intensa vivência experiencial? E como conseguir essa vivência?... Onde está a chave do mistério, fora dele ou dentro dele? ... O homem pode ser liberto de fora – ou ele deve redimir-se de dentro? ... Existe no homem algum elemento redentor? ... Não é ele mau e pecador?

O homem vem progressivamente tomando consciência – mesmo inconscientemente – que essa ideologia libertadora supera todas as modalidades externas, tanto do automatismo legal da ultrapassada ideologia religiosa da sinagoga de Israel, como também a magia ritual das igrejas cristãs, que herdaram esse ranço ideológico e mesmo das escolas iniciáticas e suas técnicas nas sociedades espiritualistas modernas.

A redenção vem de dentro do próprio homem, mas não desse homem-ego, que é precisamente o autor da sua própria escravidão, e sim do homem-Eu, do “espírito de Deus que habita no homem”. O homem-Cristo redime o homem-Satã. Se o “grão de trigo” do homem-ego morrer, a vida do homem-Eu latente nessa semente “produzirá muito fruto”. Do contrário, “ficará estéril”.

Autorredenção não é ego-redenção. O homem é remido não pelo seu ego, apesar de que essa redenção reside dentro dele mesmo, que é o seu verdadeiro centro, o seu divino Lógos que nele encarnou e nele habita, embora em estado ainda latente. Portanto, despertar em si essa vida divina dormente – isto é redenção, salvação, autorrealização.

O ego é um objeto que o homem tem – o Eu é o próprio sujeito que o homem é. O que eu sou me redime daquilo que eu tenho. O meu ser é luz – “vós sois a luz do mundo” – o meu ter é treva – “a luz brilha nas trevas, e as trevas não a prenderam”; as trevas do meu ego humano não conseguem extinguir a luz do meu Eu divino – e é este Eu divino em mim que me redime do meu ego humano e que finalmente me liberta!

E o instrumento mais eficaz para essa libertação é a apreensão e a compreensão da Carta Magna do Sermão da Montanha, o documento máximo de realização existencial, e o mais completo instrumento e programa de autorredenção. O homem que realizar em sua vida esse programa está plenamente liberto.

Texto revisado extraído do livro A Grande Libertação

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