Wednesday 24 February 2021

ACUMULAI PARA VÓS TESOUROS NOS CÉUS

Os objetos que costumeiramente escravizam o homem podem reduzir-se a três categorias:

1) Bens de fortuna;

2) Prazeres corporais;

3) Ambição mental.

São esses os “tesouros na terra”, que predem o homem e lhe tornam difícil ou mesmo impossível enxergar e possuir o “tesouro nos céus”, que é um “tesouro oculto”, uma “pérola preciosa”. Terra é tudo que é externo, objetivo, horizontal. Céu simboliza tudo que é interno, subjetivo, vertical.

Em última análise, o que impede o homem profano de enxergar as coisas do seu céu interior é uma estranha ignorância ou cegueira. O homem profano acha-se, de fato, num estado de sono e sonho. A sua vida é totalmente dominada por uma espécie de “sonho mental”. Julga estar acordado, em plena vigília, mas é puro engano; a sua vigília é muito incompleta, pois ele está mais dormente do que acordado já que o estado físico-mental é um estado de sono ou sonambulismo.

Quando o homem dorme profundamente, é inconsciente, não tem sonhos, e quando dorme menos profundamente, passa a ser semiconsciente, e muitas vezes tem sonhos. Esses fragmentos da sua vida sensitiva e mental passam pelo ambiente do seu semiconsciente, sem ordem nem nexo. O homem sonha como real o que é irreal. E o conteúdo dos seus sonhos continua a ser real para ele enquanto continuar nesse mesmo plano semiconsciente do sonho. Ele compra, por exemplo, um bilhete na loteria e ganha alguns milhões, a sorte grande; vai depositar a sua inesperada fortuna num banco, sai à rua – e é atropelado por um automóvel que o mata instantaneamente. Tanto aqueles milhões como essa morte são realidades para o sonhador, e só consegue sair desse mundo de ilusões, tido por real, quando acorda do seu sono e sonho. Só então verificará a irrealidade daquilo que no sonho lhe era real.

Isso quer dizer que o conceito da realidade é algo muito relativo, precário, fragmentado e variável; depende da maior ou menor consciência do sujeito, pois o conhecido está no cognoscente segundo a capacidade do cognoscente.

Depois de acordar do seu sono e sonho, esse homem sobe ao nível da consciência mental – e mais uma vez está convencido da realidade de tudo que, nesse novo nível, lhe parece como sendo real, todo esse mundo de matéria e forças; dinheiro, terrenos, casas, arranha-céus, fábricas, automóveis, prazeres, prestígio social, autoridade política, realizações científicas e técnicas – tudo isso é para o sonhador mental um mundo solidamente real, e, enquanto permanecer envolto e submerso nesse oceano de matéria e forças veiculadas pelos sentidos e pelo intelecto, ninguém o pode convencer de que está sonhando. É absolutamente certo que o mundo dos objetos e das quantidades tridimensionais não é um mundo real. Verdade é que esse mundo do tempo e do espaço também não é propriamente irreal, como pretendem certos sistemas filosóficos. Não é real nem irreal. Entre o real e o irreal há um terceiro, o realizado, quer dizer, o efeito causado por uma causa real. Esses efeitos não possuem a realidade da causa que os produziu; são apenas realizados, causados, efetuados, e, portanto, inferiores à causa causante.

Real é só Deus.

Irreal é o nada.

Realizado é tudo que a causa real realiza.

De maneira que o mundo dos objetos quantitativos, onde o homem profano localiza os seus tesouros, e de cujo material os fabrica, não é um mundo solidamente real, senão apenas precariamente realizado. E, por isso, todos os tesouros feitos desse material precário são tesouros de precária realidade, e podem desvanecer-se a qualquer instante.

Por isso, o homem sábio, o vidente da suprema e única realidade, não perde o seu tempo acumulando tesouros nessa zona incerta e com esse material duvidoso, porque sabe que esses tesouros não estão sob o seu controle, mas sujeitos às adversidades da natureza e das perversidades dos homens; sabe que a ferrugem e a traça podem destruir esses tesouros, e os ladrões podem roubar, pois o tesouro que não dependa integralmente do homem, e que possa ser destruído e roubado por fatores independentes dele, não são tesouros solidamente construídos.

Para o homem sábio, acumular tesouros dessa natureza, é o mesmo que colecionar uma infinidade de zeros, para formar um capital.

Só quando o homem descobre dentro de si mesmo a zona da realidade, isto é, a divindade de seu Eu, sua alma, é que ele começa a interessar-se por produzir tesouros de qualidade, em vez de quantidade, porque a qualidade é invulnerável e está para além de quaisquer azares da parte do mundo externo e objetivo. Nenhuma adversidade da natureza, nenhuma perversidade dos homens lhe pode roubar esse tesouro. O “reino dos céus”, onde ele acumula esses tesouros, está dentro dele; é a sua íntima essência divina.

Nesta doutrina, de que o verdadeiro Eu humano é uma realidade interna e invisível, baseia-se todo o Evangelho, como aliás toda a sabedoria dos grandes iniciados. Descobrir e viver essa realidade é firmeza, clareza, tranquilidade, paz e indestrutível felicidade. É nessa direção que convergem todas as palavras de sapiência, como estas: “Procurai em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça, e todas as outras coisas vos serão dadas de acréscimo.” “Maria escolheu a parte boa, que não lhe será tirada.” “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro (os objetos) se chegar a sofrer prejuízo em sua própria alma (sujeito, o seu Eu)?”

 

Texto revisado extraído do livro Assim dizia o Mestre

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