Friedrich W. Nietzsche, considerado um dos mais importantes filósofos ocidentais do século XIX, escreveu: "Se o Cristo voltasse ao mundo em nossos dias, a primeira declaração que faria ao mundo cristão seria esta: Povos cristãos, sabei que eu não sou cristão".
Essa era a resposta que Mahatma Gandhi dava a todos os missionários cristãos que o queriam converter: "Aceito o Cristo e seu Evangelho, mas não aceito o vosso cristianismo".
Albert Schweitzer, filho de um ministro evangélico, polímata, teólogo cristão, organista, escritor, humanitário, Prêmio Nobel da Paz de 1952 por sua filosofia de "Reverência pela Vida", escreveu: "Nós injetamos nos homens o soro de nossa teologia, e quem está vacinado com o nosso cristianismo está imunizado contra o espírito do Cristo".
Abraham Lincoln, um célebre presidente dos Estados Unidos, nunca se filiou a nenhuma das muitas igrejas cristãs que há nesse país, porque ele estava à espera da igreja do Cristo.
Por que esta discrepância entre Cristo e cristianismo, da parte de pessoas famosas, espirituais e sinceras?
Simplesmente porque é impossível identificar o Cristo com alguma organização religiosa; qualquer tentativa destas é necessariamente uma deturpação e uma falência. Toda a organização é produto do ego, e esse ego é, por sua natureza, egocêntrico, e por isso anticrístico.
A única coisa que pode haver é uma experiência crística individual, mas nunca uma organização cristã social. Diversas pessoas tem tido e tem experiência crística; e onde há muita plenitude há necessariamente um transbordamento. Se houvesse muitos homens individuais com genuína experiência crística, o mundo social seria grandemente beneficiado por essa plenitude individual. O espírito crístico de muitos produziria, por via indireta, uma espécie de cristianismo social por indução.
Mas o que é impossível e contraproducente é que o espírito do Cristo seja expresso por uma organização qualquer, como o ocidente tem tentado inutilmente.
Existem no mundo diversos modelos de cristianismo, assim como diversos modelos em outros credos religiosos. Será que essas organizações – algumas bastante sinceras - podem ser identificadas com a verdadeira mensagem de Jesus? Teria ele estabelecido a grandiosa mensagem cósmica de seu Evangelho em regras de confissão, comunhão e missa? Ou a obrigatoriedade de ler e memorizar a Bíblia inteira e crer em seu sangue redentor? Ou ainda praticando caridade e na crença em sucessivas reencarnações para se redimir? Se assim fosse, Jesus seria um hábil codificador de preceitos e proibições, mas nunca esse gênio cósmico que foi! Um dos mais sábios Cristos da história humana.
O mesmo se passa com outros credos, com suas divisões, sectarismos, seus rótulos, seus preceitos, observâncias, dogmas etc.! Teriam esses mestres também estabelecido regras de condutas para se alcançar os reinos de seus céus particulares? Obviamente que não! Todo esse protocolo foi introduzido nas mensagens divinas, pelas mãos contaminadas dos fundadores das diferentes igrejas.
Sarvepalli Radhakrishnan, antigo presidente da Índia, escreveu: "A religião da humanidade do futuro será a mística".
Entretanto, a mística é também uma experiência estritamente individual, e que, quando organizada socialmente, deixa de existi. A íntima essência da experiência mística é individual, o que todavia não impede que essa verticalidade individual se desdobre em horizontalidade social; mas esse desdobramento ou transbordamento só acontece quando a experiência vertical atinge o zênite da sua plenitude.
O mundo conturbado e caótico de hoje, não pode ser sanado por nenhuma nova organização, religiosa ou civil; somente a experiência mística de muitos é que realmente pode beneficiar a humanidade.
Toda a mística verdadeira e plena é irresistivelmente transbordante, irradiante e dinâmica; caso contrário, não passa de misticismo!
Jesus nada organizou no âmbito religioso da Sinagoga de Israel, nem no setor civil da política do Império Romano. A sua atuação foi exclusivamente indireta, por espontâneo transbordamento de sua própria plenitude, porque, como diz Paulo de Tarso, nele habitava corporalmente toda a plenitude da Divindade.
Durante quase três séculos, do ano 33 ao ano 313, a cristandade das catacumbas vivia desse cristianismo místico, sem nenhuma organização social. E foi este o período mais fértil e glorioso do mundo cristão, o período da verticalidade mística das catacumbas, cuja a única e triste saída, era para o martírio no Coliseu.
No ano 33 do nosso século, Jesus foi traído e condenado à morte pelo beijo de um de seus discípulos - mas muitos ignoram que o mesmo Jesus, no ano 313, foi assassinado pelo beijo de outro discípulo, o primeiro imperador cristão Constantino Magno. O beijo de Judas matou o corpo de Jesus - o beijo de Constantino matou o espírito do Cristo.
Judas versus Jesus.
Constantino versus Cristo.
O beijo com que Constantino traiu o espírito do Cristo foi o Édito de Milão, no ano 313, que reconheceu o cristianismo e pôs termo a três séculos de perseguição - mas com este benefício, ele preludiou séculos de malefícios de traidor: convidou os discípulos do Cristo a se integrarem na organização do Império Romano; fez do cristianismo a religião oficial do Estado e defendida mediante armas, política e dinheiro - armas para matar os inimigos, política para enganar os amigos, dinheiro para comprar e vender consciências.
Esse Édito decretou o fim de três séculos de verdadeiro cristianismo - e o princípio de muitos séculos de outra forma de cristianismo: social, político e militar.
O cristianismo de Constantino continua até hoje no mundo, fazendo parte da ideologia oficial das igrejas e de alguns governos. Mas felizmente, à sombra das catacumbas, do silêncio e da solidão, continua habitar em algumas almas, o cristianismo dos místicos, cujos nomes não aparecem e cujas estátuas não estão colocadas em praças e salões.
Em alguns países da Europa moderna, o cristianismo tradicional das igrejas foi praticamente abandonado. Por isto os teólogos e missionários se voltam para os países subdesenvolvidos e de vasta população de semianalfabetos, onde ainda é possível a aceitação do cristianismo teológico, como no tempo do Império Romano, quando esse cristianismo surgiu. Os países do oriente não aceitarão jamais o cristianismo em sua forma eclesiástica, porque a cultura filosófica milenar do Oriente é incompatível com as teologias do Ocidente, pois até hoje, após séculos de esforços missionários, há poucos povos cristãos nos países asiáticos.
A mensagem de Jesus é perfeitamente compatível com a mais alta evolução cultural da humanidade - mas não com as teologias cristãs adotadas pelas igrejas.
A única chance de tornar a humanidade crística, é a sua volta ao cristianismo da mensagem real de Jesus, que não está condicionada a tempo e espaço, porque é uma mensagem tipicamente extra temporal e extra espacial, pois, como dizia Tertuliano, toda a alma humana é crística por sua própria natureza.
Entretanto, não se pode condenar as organizações eclesiásticas ou religiosas que se dizem cristãs, pois um grupo numeroso de pessoas ainda necessita de uma religião padronizada, que eles possam encampar como norma moral. Essa religião padronizada pode ser considerada como uma espécie de corpo, mas não como a alma do cristianismo, que é o próprio Evangelho de Jesus.
A maioria dos membros das organizações religiosas são representadas por pessoas que ainda estão na escola primária de sua evolução espiritual, e seus seguidores devem crer no que tem a habilidade de crer, permanecendo algemados nessas crenças, sem se libertarem para um universo de conhecimento religioso mais evolvido, já que a mensagem de Jesus é algo infinitamente mais sublime, pois ela representa a realização do Reino de Deus na vida do ser humano.
Desde que as crenças e práticas externas não impedirem a realização do Reino de Deus, elas podem ser toleradas; mas, se alguém as identificar com a alma da mensagem de Jesus, constituem impedimento para a realização do Reino de Deus sobre a face da Terra.
Texto revisado e em parte extraído do livro Que Vos Parece do Cristo?
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